QUEM É O PACIENTE INVISÍVEL?

26 outubro, 2025

POR QUE CUIDAR DE QUEM CUIDA É UMA URGÊNCIA CLÍNICA, ÉTICA E SOCIAL

Chama-se de paciente invisível a pessoa que cuida de um familiar com adoecimento crônico neurológico ou psiquiátrico e que, no processo de cuidar, adoece de maneira silenciosa. A literatura científica descreve, de forma consistente, sobrecarga, sofrimento emocional, piora da qualidade de vida, alterações do sono e impactos sociais e econômicos entre cuidadores familiares. Uma análise temática de 1.664 estudos publicados na base de dados Pubmed entre 1981 à 2025 dá visibilidade a esse retrato: sobressaem a sobrecarga e a piora da qualidade de vida, seguidas por depressão, estresse, ansiedade e problemas de sono. O fenômeno é particularmente marcado quando o familiar apresenta dependência funcional e sintomas comportamentais, como em demência, acidente vascular encefálico, esquizofrenia e doença de Parkinson. Este editorial defende que incorporar o cuidador como sujeito de cuidado é requisito para segurança do paciente, qualidade assistencial e justiça social.

O QUE SIGNIFICA “PACIENTE INVISÍVEL”

A expressão não é um recurso retórico: descreve um lugar de risco. Ao assumir tarefas de cuidado continuado — higiene, alimentação, administração de medicamentos, vigilância de comportamentos de risco, supervisão de consultas e exames — o cuidador reorganiza a própria vida. Horas de trabalho são trocadas por horas de cuidado; vínculos sociais se estreitam; lazer e descanso cedem espaço a uma rotina que não termina quando a porta do consultório se fecha. A invisibilidade nasce de três forças:

  1. A centralidade do paciente primário - Quanto mais grave o quadro, mais os serviços de saúde concentram atenção em quem está doente, e menos observam quem sustenta o cuidado.
  2. A naturalização do papel de cuidar - Em muitas famílias, sobretudo mulheres em idade produtiva, assume-se que “é assim mesmo”. A crença de que amor basta apaga a fadiga e silencia a dor.
  3. A ausência de métricas e rotinas - Se não há pergunta, não há resposta: sem triagem padronizada, sofrimento do cuidador não entra na ficha, não vira desfecho, não vira prioridade.

O QUE OS DADOS MOSTRAM

A leitura temática de um conjunto amplo de pesquisas indica que a sobrecarga e a queda da qualidade de vida aparecem como eixos dominantes. Em seguida, emergem depressão, estresse, ansiedade e alterações do sono. Esses marcadores não andam sozinhos: costumam acompanhar perda de renda, redução de participação no trabalho formal, isolamento e culpa por não “dar conta”.

Quanto às condições de base, predomina a ênfase em acidente vascular encefálico e demência, seguidas por esquizofrenia, doença de Parkinson e epilepsia. Isso não significa que outras doenças importem menos; significa, sim, que onde há maior dependência nas atividades de vida diária e sintomas comportamentais intensos, o desgaste do cuidador tende a ser maior e, portanto, mais estudado.

Nos desenhos de estudo, há abundância de pesquisas transversais (fotos de um momento), volume considerável de ensaios e presença de revisões sistemáticas e coortes. Em termos de intervenções, os estudos citam muito o uso de medicamentos e menos as estratégias psicoeducativas e psicossociais, o que sugere dois caminhos simultâneos: por um lado, interesse em tratar sintomas do paciente que reverberam no cuidador; por outro, lacunas na oferta e no relato de intervenções que apoiem diretamente quem cuida.

POR QUE O CUIDADOR ADOECE

Não é apenas o acúmulo de tarefas. Quatro mecanismos ajudam a compreender o adoecimento:

  1. Carga objetiva e carga subjetiva - A primeira mede horas e tarefas; a segunda mede significado e sofrimento. Duas pessoas com a mesma carga de tarefas podem viver impactos emocionais diferentes, a depender de suporte social, história familiar e valores.
  2. Exposição prolongada ao sofrimento - Testemunhar, por meses ou anos, o declínio funcional e cognitivo de alguém amado corrói a esperança e desgasta os recursos internos. Com o tempo, podem surgir exaustão emocional, irritabilidade, embotamento afetivo e desânimo.
  3. Conflitos de papel e de projeto de vida - O cuidador é, ao mesmo tempo, filho ou filha, cônjuge, mãe ou pai, trabalhador, estudante. O cuidado prolongado pressiona esses papéis e, não raro, inviabiliza planos. A sensação de “vida em suspenso” alimenta tristeza e ressentimento, frequentemente silenciados por vergonha.
  4. Sistemas de saúde pouco responsivos - A falta de orientação prática, de planejamento antecipado de cuidados e de pontos de respiro programado faz com que o cuidador viva em estado de alerta, sem rotina previsível e sem descanso real.

COMO TORNAR O INVISÍVEL VISÍVEL

Há medidas simples, viáveis e com impacto clínico:

1. Perguntar sempre. -  Em cada consulta, incluir perguntas diretas ao cuidador: “Como está o seu sono? Como tem se sentido? Quais tarefas estão mais difíceis?”. A conversa abre espaço para nomear sofrimento e identificar riscos.

2. Medir para poder agir -  Escalas validadas para sobrecarga, depressão, ansiedade, qualidade de vida e sono existem e são breves. Incorporá-las ao atendimento permite acompanhar trajetórias e ajustar planos. Mesmo quando a aplicação formal não for possível, um roteiro estruturado de perguntas cumpre a função.

3. Planejar antecipadamente - Discutir rotinas de cuidado, sinais de alarme e rotas de busca de ajuda. Esclarecer quem faz o quê reduz improviso e culpa. Em doenças progressivas, antecipar decisões delicadas evita crises.

4. Ensinar e treinar - Informação não é panfleto; é processo. Oficinas, grupos educativos e atendimentos breves para ensinar técnicas de manejo comportamental, segurança em casa, posicionamento, administração de medicamentos e comunicação em situações difíceis reduzem o peso do dia a dia.

5. Oferecer respiro real - Todo cuidador precisa de descanso programado. Acesso a serviços domiciliares, centros-dia e turnos de substituição permite que a pessoa durma, trabalhe, estude, cuide da própria saúde e mantenha vínculos.

6. Conectar com a rede - Apoio da família ampliada, vizinhança, escola, serviços sociais e comunitários transforma o cuidado de aventura solitária em projeto compartilhado. Benefícios financeiros e flexibilização de horário de trabalho fazem diferença concreta.

VINHETA CLÍNICA BREVE

Ana, quarenta e oito anos, cuida da mãe com demência moderada. Desde que começaram as agitações noturnas, Ana dorme de modo fragmentado. Reduziu o trabalho para meio período, perdeu renda, afastou-se de amigos. Na consulta, responde sempre “estamos bem”, mas chora no corredor quando a equipe pergunta como ela está. Ao nomear a sobrecarga, ensinar rotinas para a noite, ajustar condutas e organizar dois turnos semanais de respiro com apoio comunitário, a equipe muda não apenas a vida da mãe, mas também a de Ana. A qualidade do cuidado melhora porque a saúde de quem cuida melhora.

ÉTICA, QUALIDADE E POLÍTICA PÚBLICA

Chamar o cuidador de paciente invisível não é frase de efeito; é padrão de qualidade. Não se trata de escolher entre o doente e quem cuida. Trata-se de reconhecer que o desfecho do paciente depende da saúde do cuidador. Serviços que enxergam o cuidador reduzem internações evitáveis, previnem iatrogenias, ampliam adesão a tratamentos e diminuem riscos em casa. Do ponto de vista social, políticas que apoiam o cuidado familiar reduzem desigualdades, especialmente as que penalizam mulheres.

LIMITES E AGENDA

Grande parte do que a literatura descreve vem de fotografias de momento. Precisamos de trajetórias acompanhadas no tempo, intervenções combinadas e avaliação de custo e benefício que inclua, de forma explícita, a saúde de quem cuida. Também é necessário traduzir conhecimento em rotinas: triagem padronizada nos ambulatórios, linhas de cuidado que integrem saúde, assistência social e rede comunitária, e financiamento estável para serviços de descanso programado.

CHAMADO À AÇÃO

Em cada encontro clínico, há sempre dois sujeitos de cuidado: quem recebe o diagnóstico e quem sustenta a vida em casa. Tornar visível o paciente invisível é uma decisão prática: perguntar, medir, ensinar, planejar, dar respiro e conectar. É também uma decisão ética: não sacrificar a saúde de um para salvar a do outro. Quando a equipe assume essa promessa, o cuidado deixa de ser um peso invisível e passa a ser um trabalho compartilhado, digno e, de fato, terapêutico.

Referências principais em https://www.tecnoneuro.com.br/curadoria-de-descobertas

REFERÊNCIAS PRINCIPAIS

  • Adelman, R. D., Tmanova, L. L., Delgado, D., Dion, S., & Lachs, M. S. (2014). Caregiver burden: A clinical review. JAMA, 311(10), 1052–1060. https://doi.org/10.1001/jama.2014.304
  • Hill, J. (2003). The hidden patient. The Lancet, 362(9396), 1682. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(03)14820-9
  • Karambelas, G. J., Nyman, S. R., & McCrum, S. (2022). A systematic review comparing caregiver burden and psychological functioning across neurological and psychiatric conditions. BMC Psychiatry, 22, 512. https://doi.org/10.1186/s12888-022-04141-3
  • Liao, X., Zhang, Q., & He, X. (2022). The levels and related factors of compassion fatigue and compassion satisfaction in family caregivers: A cross-sectional study. Archives of Gerontology and Geriatrics, 99, 104610. https://doi.org/10.1016/j.archger.2022.104610
  • Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. (2022). Supporting informal carers of older people: Policies to leave no carer behind (Documento de trabalho em saúde n.º 131). https://doi.org/10.1787/447892d0-en
  • Pinquart, M., & Sörensen, S. (2003). Differences between caregivers and noncaregivers in psychological and physical health: A meta-analysis. Psychology and Aging, 18(2), 250–267. https://doi.org/10.1037/0882-7974.18.2.250
  • Pinquart, M., & Sörensen, S. (2003). Associations of stressors and uplifts of caregiving with caregiver burden and depressive mood: A meta-analysis. The Journals of Gerontology: Series B, 58(2), P112–P128. https://doi.org/10.1093/geronb/58.2.P112
  • Rodríguez-Alcázar, F. J., Esteban-Sáez, M. D., & Flores-Pulido, L. E. (2024). Interventions effective in decreasing burden in caregivers of persons with dementia: A meta-analysis. Healthcare, 12(6), 745. https://doi.org/10.3390/healthcare12060745
  • Scazufca, M. (2002). Versão brasileira da escala Burden Interview para avaliação de sobrecarga em cuidadores de pessoas com doenças mentais. Revista Brasileira de Psiquiatria, 24(1), 12–17. https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000100006
  • Zarit, S. H., Reever, K. E., & Bach-Peterson, J. (1980). Relatives of the impaired elderly: Correlates of feelings of burden. The Gerontologist, 20(6), 649–655. https://doi.org/10.1093/geront/20.6.649
 

COMO O CÉREBRO “PUXA PARA O VISUAL” NO CÁLCULO MENTAL NO AUTISMO

26 outubro, 2025

1) O ponto de partida: ver primeiro os detalhes, não o todo: A literatura descreve, de forma consistente, um viés para o detalhe no autismo: é mais natural isolar partes, padrões e alinhamentos do que integrar rapidamente a forma global (p. ex., desempenho em testes de figuras embutidas e tarefas de organização visuoespacial) — (Shah & Frith, 1983; eixo Local-Global). Em matemática, isso favorece decompor, agrupar e alinhar visualmente os componentes de um problema antes de manipular símbolos.

Consequência: quando a tarefa exige resolução “de cabeça”, sem papel, o caminho habitual (construir um quadro visual para depois operar) fica bloqueado.

2) O gargalo do sequenciamento verbal: A Aritmética das Escalas Wechsler — Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS) e Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC) — é oral, cronometrada e demanda vários passos em sequência: reter números, transformá-los na ordem correta, atualizar resultados intermediários e responder rápido. Para quem depende de suporte visual para organizar o raciocínio, isso eleva a carga de memória operacional e o custo temporal (o tempo de resposta se alonga, mesmo com compreensão conceitual intacta).

Consequência: o desempenho pode piorar não por “não saber”, mas por forma de apresentação que não favorece a estratégia mais eficiente daquele cérebro.

3) A resposta do sistema - imagética mental como compensação: Quando o papel e o diagrama não são permitidos, muitas pessoas autistas tentam converter símbolo em imagem, “desenhando por dentro” linhas numéricas, blocos, setas e “balanças” de equações. Isso é uma estratégia compensatória: transfere a carga do trilho verbal-sequencial para redes visuoespaciais (p. ex., precuneus, área ligada à construção de cenas e imagética), que tendem a ser pontos fortes (Simões et al., 2018).

Consequência ambivalente: a estratégia ajuda a manter o raciocínio, mas, sem apoio externo para organizar o quadro geral, a atenção pode prender-se ao microdetalhe; integrar tudo de memória fica trabalhoso e lento.

4) O custo cognitivo e funcional: Quatro fontes de custo se somam:

  1. Memória operacional: manter vários “quadros mentais” ao mesmo tempo.
  2. Tempo: a estratégia visual interna demora mais do que rabiscar um esquema simples — e a prova é cronometrada (diferenças de tempo são frequentes na literatura de velocidade de processamento).
  3. Integração global: sem o diagrama externo, fica mais difícil “ver o todo” e checar rapidamente consistência.
  4. Sequências motor-imagéticas: estudos de imagética motora mostram atraso/ineficiência e efeitos biomecânicos no desenvolvimento (Johansson et al., 2022), o que sugere que transformações mentais sucessivas (rotacionar, deslocar, agrupar mentalmente) podem onerar o tempo.

Resultado prático: respostas mais lentas e, às vezes, omissões ou erros por sobrecarga, apesar de bom entendimento matemático em contextos com suporte visual.

5) Por que “compensação” não é “defeito”: Em vários domínios, o autismo mostra preservação de resultado por vias alternativas -  por exemplo, com hiperativação do hipocampo para sustentar memória episódica quando certas conexões estão menos eficientes (Hogeveen et al., 2020). Analogamente, representações figuradas sustentam o raciocínio matemático quando são permitidas. Se a tarefa inibe o suporte visual, perde-se a via alternativa mais eficaz para aquela pessoa.

6) O encadeamento em linguagem simples (passo a passo)

  1. Preferência por detalhes → precisa ver a estrutura para organizar o pensamento.
  2. Prova oral e rápida → impede o diagrama e exige sequência verbal.
  3. Cérebro adapta → usa imagética mental para “desenhar por dentro”.
  4. Sem papel → integração do todo fica difícil; tempo sobe.
  5. Desempenho cai → não por falta de compreensão, mas por alta carga imposta ao estilo de processamento.

7) O que a base de evidências indica:

  • Detalhe > todo (Local-Global): tendência a focar partes antes de integrar o conjunto (tarefas visuoespaciais clássicas).
  • Estratégia visual em lugar da corporal/linguística: em perspectiva visual, a rotação de objeto/cena aparece como rota preferida; instruções adequadas mudam o desempenho (literatura de VPT/estratégias).
  • Imagética e redes de cena: precuneus recruta mais para sustentar desempenho.
  • Tempo importa: diferenças de latência e custo temporal são sensíveis, mesmo quando a acurácia é próxima.
  • Vias alternativas: hipocampo e outras redes podem compensar para manter o resultado (Hogeveen et al., 2020).
  • Desenvolvimento e transformação mental: imagética motora aponta custos nas transformações internas ao longo da infância.

Orientações práticas para avaliação e intervenção

Na avaliação (WAIS/WISC):

  • Registre tempos de resposta e estratégias (verbal vs visual), não apenas a pontuação.

Assim, para muitas pessoas autistas, proibir o desenho é como apagar o quadro do raciocínio. A imagética mental surge para salvar a tarefa, mas cobra caro em tempo e esforço. Quando permitimos e ensinamos a tradução imagem ↔ símbolo, vemos o potencial matemático aparecer — de forma mais rápida, clara e menos desgastante.

 

NEURORREABILITAÇÃO DA INSÔNIA(2024–2025): O QUE FUNCIONA, PARA QUEM, EM QUE DOSE — E POR QUÊ

12 outubro, 2025

A insônia deixou de ser vista apenas como “noites mal dormidas”. Hoje se reconhece que ela envolve alterações persistentes em sistemas cerebrais de alerta, regulação emocional, atenção e consolidação de memória. O resultado é um círculo vicioso: quanto pior se dorme, mais o organismo permanece em estado de vigilância, reforçando comportamentos e crenças que perpetuam o problema. Esse quadro compromete o humor, a capacidade de aprender, o manejo da dor e o funcionamento cotidiano — exatamente os domínios que a neurorreabilitação busca restaurar.

Pensar a insônia como tema de neurorreabilitação significa assumir um objetivo claro: reconstruir rotinas, associações e circuitos que sustentam o sono saudável e, com isso, recuperar o desempenho diurno. Esse trabalho se apoia em três pilares complementares. Primeiro, reduzir a hiperativação fisiológica e cognitiva que impede a transição para o sono. Segundo, recondicionar a cama e o quarto para que voltem a sinalizar “dormir”, e não “vigiar”. Terceiro, revisar crenças e expectativas rígidas sobre o sono que alimentam ansiedade antecipatória e tentativas infrutíferas de “forçar” o adormecer.

No campo prático, isso se traduz em intervenções não farmacológicas com lógica de reabilitação: programas estruturados, dose definida, metas semanais, treino diário e monitoramento com diários do sono. A terapia cognitivo-comportamental específica para insônia organiza esses elementos em componentes que podem ser combinados e graduados conforme idade, comorbidades e barreiras de acesso. Recursos adjuntos — exercício físico, práticas mente-corpo, rotinas sensoriais antes de deitar e modalidades digitais ou por voz — ampliam a adesão e favorecem a generalização dos ganhos para o dia.

Este editorial apresenta uma síntese dos estudos não farmacológicos publicados em 2024–2025, com base em 1.708 registros identificados na base PubMed. O texto descreve o que funciona, para quem, em que dose e por que funciona, articulando fundamentos teóricos, parâmetros de dose (frequência, intensidade e duração), populações-alvo e desfechos clínicos de maior relevância para a prática. A proposta é oferecer um guia tecnicamente rigoroso, porém comunicável a não especialistas, para que equipes de saúde incorporem a neurorreabilitação do sono como parte do cuidado integral.

POR QUE TRATAR A INSÔNIA COMO QUESTÃO DE NEURORREABILITAÇÃO

Dormir mal não é “apenas cansaço”. A insônia envolve hiperativação do organismo em momentos que deveriam ser de desaceleração, com repercussões em redes cerebrais de regulação emocional, atenção sustentada e consolidação de memória. Também piora dor crônica, fadiga, sintomas depressivos e o enfrentamento de doenças oncológicas. As evidências recentes mostram que terapia cognitivo-comportamental específica para insônia, exercício físico, práticas mente-corpo e respiração, música na rotina de deitar e formatos digitais domiciliares reabilitam funções, reduzem sofrimento e, em muitos casos, podem ser primeira linha antes de medicamentos.

COMO LEMOS O CONJUNTO (2024–2025): VOLUME, TEMAS E DESENHO DOS ESTUDOS

  • Volume: 1.583 estudos não farmacológicos (pós-exclusão de fitoterápicos) a partir de 1.708 registros iniciais.

  • Temas dominantes no biênio (número de registros no conjunto filtrado):
    Entrega digital/remota (1.086), comorbidade com depressão (552), exercício/atividade física (377), público pediátrico e adolescentes (340), pacotes de terapia cognitivo-comportamental (273), comorbidade com câncer (187); grupos menores: práticas mente-corpo e respiração (144), acupuntura (56), dor crônica (38), terapia com luz (17), música (15) e biofeedback (8).
    (Observação: “não categorizados” somaram 168 registros.)

  • Populações-alvo (tokens mais frequentes): Destacam-se idosos, crianças/adolescentes e adultos jovens/estudantes. Há subamostras menores em oncologia, depressão, dor crônica, ansiedade, além de populações perinatais, trabalhadores em turnos e veteranos.

  • Desfechos mais citados (taxonomia): Os mais frequentes foram gravidade da insônia, humor depressivo, ansiedade, qualidade de vida/funcionamento, fadiga/energia e, em menor número, medidas noturnas padronizadas (latência para adormecer, permanência acordado durante a noite, tempo total de sono, eficiência do sono) e medidas objetivas por actigrafia ou polissonografia.

TEORIAS QUE SUSTENTAM AS INTERVENÇÕES

  1. Hiperativação: o organismo permanece em estado de alerta quando deveria desacelerar. Intervenções que reduzem ativação fisiológica e cognitiva (respiração guiada, relaxamento, meditação, reestruturação de crenças) atuam sobre esse eixo.

  2. Homeostase e condicionamento: quando a cama se torna um gatilho de vigília, controle de estímulos e restrição do tempo na cama recompõem a “pressão de sono” e reensinam o cérebro a dormir.

  3. Modelo dos três fatores (predisponentes, precipitantes e perpetuadores): explica por que a insônia se instala e se mantém; direciona planos que combinam psicoeducação, rotina, comportamentos e cognições.

  4. Atenção plena e aceitação: reduzem ansiedade antecipatória e reatividade às oscilações da noite.

  5. Personalização e tecnologia: plataformas digitais e dispositivos por voz ampliam acesso, adesão e ajuste fino das tarefas semanais.

O QUE FUNCIONA — E COMO FUNCIONA

📚Terapia cognitivo-comportamental específica para insônia:

Permanece primeira linha. Sínteses recentes por componentes em adultos apontam que reestruturação de crenças, elementos de aceitação e atenção plena, restrição do sono e controle de estímulos compõem o núcleo mais eficaz. Educação em higiene do sono isolada não é suficiente; relaxamento isolado pode agregar pouco quando substitui componentes nucleares.
Dose mais adotada:

O padrão na terapia cognitivo-comportamental para insônia é:

  • 6 a 8 sessões no total, frequência de uma por semana, ao longo de 6–8 semanas de duração;

  • cada sessão dura 45–60 minutos;

  • com tarefas diárias (diário do sono, horários de deitar/levantar, exercícios cognitivos e comportamentais).

Formas alternativas que aparecem nos estudos:

  • Formatos condensados (p. ex., 4 sessões) ou breve terapia comportamental (2–4 sessões);

  • Grupos ou teleatendimento com a mesma cadência semanal;

  • Programas digitais estruturados em ~6 semanas com módulos e tarefas diárias.
    Efeitos esperados: melhora acentuada na gravidade da insônia e na qualidade do sono; ganhos em crenças sobre o dormir, fadiga e humor em vários contextos clínicos. Análises por componente reportam diferença de risco próxima de 0,33 para remissão e número necessário para tratar em torno de três, o que reforça relevância clínica.

Formato presencial com profissional treinado tende a alcançar maiores taxas de remissão do que versões autoaplicadas.

📚Exercício físico:

Melhora medidas subjetivas e objetivas do sono; maior intensidade tende a associar-se a resultados superiores. Em idosos, o treinamento de força sobressai para qualidade do sono e funcionalidade.
Dose mais adotada: frequência de três sessões semanais, trinta a sessenta minutos, por oito a doze semanas de duração. Programas que integram movimento ao dia com apoio educativo e acompanhamento inicial também reduzem gravidade da insônia entre dezesseis e vinte e quatro semanas.

📚Práticas mente-corpo, respiração e música:

Respiração estruturada e meditação reduzem estresse, depressão e insônia quando diárias por trinta minutos, com encontros semanais por oito semanas.
Música antes de dormir, por vinte a trinta minutos em duas noites por semana durante cinco semanas, sobretudo combinada a respiração e relaxamento, melhora gravidade da insônia e qualidade do sono com manutenção em seguimento curto.

📚Entrega digital e por voz

São programas domiciliares que seguem os princípios da terapia cognitivo-comportamental para insônia, oferecidos por:

·        aplicativos no celular ou computador (com módulos semanais e tarefas diárias); e/ou

·        dispositivos por voz (alto-falante doméstico), nos quais a pessoa conversa com o sistema e recebe orientações faladas passo a passo.

Resultado — mostram reduções acentuadas da gravidade da insônia e melhoras diárias em latência para adormecer, tempo acordado durante a noite e qualidade do sono, ampliando alcance para sobreviventes de câncer e outros grupos com barreiras de acesso.

📚Outras modalidades:

Acupuntura aparece em subamostras (inclusive em oncologia) com sinal de melhora em gravidade da insônia e qualidade do sono; a certeza dos efeitos varia. Terapia com luz, biofeedback e outras técnicas somam poucos registros, devendo ser tratadas como complementares até maior consolidação.

PARA QUEM FUNCIONA MELHOR (IDADES E CONTEXTOS CLÍNICOS)

  • Adultos em geral: respondem bem aos pacotes completos da terapia cognitivo-comportamental específica para insônia; presencial tende a maximizar remissão.

  • Idosos: além da terapia, treinamento de força é opção promissora para reabilitar sono e função diurna.

  • Dor crônica de coluna: adicionar módulo específico de terapia para insônia a programas de exercício e educação melhora gravidade da insônia e fadiga; a dor média pode não diferir no curto prazo, mas há ganho em crenças e qualidade do sono.

  • Oncologia: versões digitais/por voz reduzem gravidade da insônia e melhoram medidas do diário do sono.

  • Depressão comórbida: tratar o sono favorece também sintomas depressivos; sequenciar os tratamentos (em vez de aplicá-los simultaneamente) pode reduzir carga terapêutica em casos moderados a graves.

  • Profissionais sob alto estresse: respiração e meditação com prática diária e encontros semanais reduzem estresse, depressão e insônia, além de melhorar realização profissional.

TAXONOMIA DE DESFECHOS (COMO INTERPRETAR “MELHORA DO SONO”)

Nesta síntese, padronizamos a leitura em cinco domínios:

  1. Gravidade da insônia (escalas validadas)

  2. Qualidade do sono (questionários validados)

  3. Parâmetros noturnos: tempo para adormecer, tempo acordado após iniciar o sono, tempo total de sono e eficiência do sono

  4. Domínios diurnos: sonolência, fadiga, humor e qualidade de vida/funcionamento

  5. Medidas objetivas: actigrafia e polissonografia

Os efeitos mais consistentes emergem nos dois primeiros domínios, seguidos por ganhos nos parâmetros noturnos quando há restrição do sono, controle de estímulos, exercício e rotinas digitais bem estruturadas.

DOSES RECOMENDADAS POR MODALIDADE

  • Terapia cognitivo-comportamental específica para insônia (por componentes, presencial): duração de seis a oito sessões, com frequência de uma sessão semanal, com duração de quarenta e cinco a sessenta minutos, com tarefas domiciliares diárias. Priorizar restrição do sono, controle de estímulos, reestruturação de crenças e atenção plena/aceitação.

  • Exercício: três vezes por semana, trinta a sessenta minutos, por oito a doze semanas; em idosos, dar ênfase a força; para rotinas apertadas, movimento incorporado ao dia com duas sessões educativas iniciais e acompanhamento nas primeiras oito semanas.

  • Respiração/meditação: trinta minutos diários, com encontro semanal por oito semanas; manter prática após o programa.

  • Música ao deitar: vinte a trinta minutos antes de dormir, duas noites por semana, por cinco semanas, associada a respiração e relaxamento.

  • Formatos digitais/por voz: seis semanas com módulos guiados e tarefas diárias, incorporando diário do sono e metas semanais simples.

CONCLUSÃO

Para a população geral e para pessoas com dor crônica, câncer ou depressão, o caminho mais seguro e efetivo é começar pela terapia cognitivo-comportamental específica para insônia, preferencialmente presencial e centrada nos componentes nucleares, ajustando o plano com exercício estruturado, respiração/meditação e rotinas sensoriais ao deitar (como música). Plataformas digitais e soluções por voz democratizam o acesso sem perda relevante de efeito. Ao prescrever, pense em dose (frequência, intensidade e duração), público (idade e comorbidades) e mecanismo-alvo (condicionamento, crenças e ativação). É assim que traduzimos evidência em reabilitação do sono que muda a vida de quem convive com insônia.

REFERÊNCIAS

Solicitar via contato@tecnoneuro.com.br

 

NEURORREABILITAÇÃO NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: QUANDO O GANHO FUNCIONAL NÃO TOCA O “NÚCLEO”

8 outubro, 2025

Vamos falar francamente sobre o que estamos fazendo na neurorreabilitação para deficiência intelectual. Medimos bem cognição; isso nunca foi o problema. O impasse está em outro lugar, mais embaraçoso: projetamos intervenções para mover o corpo e a rotina — e colhemos, com perfeição, aquilo que plantamos. A amostra recente que analisamos (591 estudos elegíveis de 991 publicados entre 2024–2025) vibra de vitalidade em três frentes: tecnologias digitais (realidade virtual, teleatendimento, aplicativos), terapia ocupacional centrada nas atividades de vida diária e programas de atividade física adaptada. O resultado é inegável e fundamental: melhoramos equilíbrio, marcha, coordenação, participação social, indicadores de qualidade de vida. Mas quando perguntamos pelo que dá nome à condição — aprendizagem, linguagem, funções executivas como atenção, planejamento, controle inibitório — a fotografia raramente mostra mudança sustentada.

Esse descompasso não se explica por falta de régua. As baterias estão aí — executivas, linguísticas, de adaptação, de aprendizagem — e muitas são aplicadas corretamente. O que falta é intenção no desenho: incorporar, dentro da própria intervenção, uma carga cognitiva progressiva, explícita, graduada por mecanismo. Não basta “enfiar” um teste de memória operacional no fim de um programa de caminhada. Se o caminho percorrido pelo participante nunca exigiu, de forma planejada, inibir respostas, atualizar informações, construir planos e revisá-los com mediação verbal, por que esperar que o córtex pré-frontal agradeça com plasticidade duradoura?

Parte dessa escolha é histórica. É mais fácil operacionalizar sessões motoras e treinos de rotina numa rede que já está montada para isso. É mais confortável, para gestores e financiadores, apoiar estudos curtos, com desfechos rápidos, do que bancar processos que demoram, variam entre perfis e exigem acompanhamento seis, doze meses adiante. Também nos acostumamos a tratar “deficiência intelectual” como um bloco único, quando na verdade ela é uma constelação heterogênea de trajetórias e etiologias — muita genética rara, muita comorbidade neurológica, perfis sensoriais e linguísticos distintos. Intervenções genéricas, sem estratificação por perfil cognitivo, diluem efeitos justamente onde mais precisamos de precisão.

O resultado é um paradoxo: comemoramos — com razão — o que melhora a vida já, como levantar com mais segurança, cozinhar com menos ajuda, tolerar deslocamentos mais longos, manter uma rotina mais previsível. E deveríamos comemorar. Só que, ao mesmo tempo, deixamos intacto o núcleo cognitivo: a capacidade de aprender novas regras e transferi-las, de planejar multi-passos e voltar quando erra, de usar linguagem de modo funcional para pensar e não apenas para pedir. Seguimos melhorando o que não pretendíamos mudar, porque desenhamos programas que nunca tiveram esse alvo como protagonista.

Houve um tempo em que a ambição era outra. Luria falou em sistemas funcionais, Vygotsky em mediação social, e J. P. Das costurou teoria, avaliação e intervenção numa peça só. O modelo PASS — Planejamento, Atenção, Processamento Sucessivo e Simultâneo — não é apenas uma taxonomia elegante; é um roteiro para construir sessões que convoquem exatamente aquilo que queremos que mude. Planejar, executar, monitorar, ajustar; alternar regras e inibir respostas automáticas; decompor e recompor padrões; verbalizar estratégia antes, durante e depois da tarefa. Se a sessão não pede isso, por que esperamos colher isso?

Talvez o caminho esteja mais próximo do que pensamos. Não é preciso abandonar o que funciona para o corpo; é preciso usar o corpo como veículo para a mente. Uma aula de exercício pode deixar de ser “movimento com música” para se tornar treino executivo: duplas tarefas de verdade, com regras que mudam, metas que exigem planejamento, auto-monitoramento e replanejamento. A terapia ocupacional pode transformar o preparo do lanche em laboratório de linguagem: scripts de comunicação funcional, expansão de enunciados, passos verbalizados, discussão de erros como matéria-prima. A tecnologia pode ir além do placar e do avatar simpático: adaptação de dificuldade por componente PASS, registro de erros, feedback explicativo, tarefas-ponte para casa e escola para forçar transferência. Nada disso é uma revolução conceitual. É só cumprir a promessa de intervir no que a régua mede — desde a primeira sessão.

Se desenharmos assim, também teremos de mudar como declaramos sucesso. O desfecho primário, quando o alvo é cognitivo, precisa ser cognitivo. E não basta “subir a nota” ao final de oito semanas: é preciso testar fora do cenário de treino e voltar a medir meses depois. Mais ainda: precisamos provar que mudar inibição ou planejamento explica (não apenas acompanha) mudanças em organização da rotina, participação escolar, independência no transporte. É desconfortável? É. Mas sem essa linha de mediação, continuaremos pagos em aplauso por ganhos periféricos enquanto o núcleo segue intocado.

Há um custo de oportunidade em manter o foco estreito. Outras áreas da neurodivergência avançaram justamente quando alinharam mecanismo, intervenção e desfecho. Em DI, perdemos tempo valioso ao reduzir nossa ambição àquilo que a rede suporta entregar com menos fricção. Não é que “não se possa” mudar cognição; é que ainda não construímos os programas para fazê-lo em escala — com estratificação por perfil, co-intervenção de cuidadores e professores, prática distribuída, dificuldade desejável e follow-up suficiente para consolidar.

Talvez o ajuste que precisamos seja menos técnico e mais de coragem intelectual: dar um passo atrás, admitir que os estudos recentes contam uma história de sucesso parcial — e que isso é insuficiente. Não porque equilíbrio, marcha e rotina não importem, mas porque, se pararmos aí, deixaremos de entregar o que dá autonomia de verdade: aprender, comunicar, decidir, reparar, replanejar. Recolocar a mente no volante não significa tirar o corpo do caminho; significa apontar o veículo para o destino certo.

Assim, há ainda um autoengano de método que precisamos nomear: muitas das próprias intervenções viraram uma fuga elegante de enfrentar a cognição. Preferimos tarefas motoras e funcionais porque oferecem feedback on-line do comportamento — um passo mais estável, um tempo de prova menor, um prato preparado com menos ajuda — e esse retorno imediato satisfaz terapeuta, família e avaliador. Mas, ao privilegiar a saída observável, ignoramos os processos de elaboração que a antecedem: formular um plano, manter a meta ativa, resistir ao impulso, atualizar a regra, monitorar o erro e revisá-lo verbalmente. Reforçamos a aparência de competência (execução automatizada) e deixamos de cultivar competência generativa (transferir, combinar, reconstruir). A contingência de reforço do serviço e da publicação empurra para protocolos que “mostram algo já” — e isso produz sucesso performático sem transformação cognitiva. Se quisermos mexer no núcleo, precisamos aceitar sinais de progresso menos instantâneos e mais incômodos (taxa de erro produtivo, latência de planejamento, qualidade da auto-instrução), desenhar sessões que provoquem “dificuldades desejáveis” e valorizar ganhos que aparecem primeiro na mediação interna antes de estourarem em performance.

Se aceitarmos essa mudança de foco, a próxima leva de estudos não apenas “capturará” ganho cognitivo — ela o produzirá. E, quando isso acontecer, mediremos como sempre soubemos medir. Mas, pela primeira vez em muito tempo, a régua confirmará algo que não ousamos exigir dela: que o alvo, enfim, era o alvo.

Referencias de amostragem (se desejar seleção completa solicitar via email contato@tecnoneuro.com.br)

Al-Nemr, A., & Reffat, S. (2024). Effect of Pilates exercises on balance and gross motor coordination in children with Down syndrome. Acta Neurologica Belgica, 124(5), 1499–1505. https://doi.org/10.1007/s13760-024-02517-w

Giuriato, M., Gatti, A., Pellino, V. C., Bianchi, A., Zanelli, S., Pirazzi, A., … Calcaterra, V. (2025). A tele-coaching pilot study: An innovative approach to enhance motor skills in adolescents with Down syndrome. Journal of Applied Research in Intellectual Disabilities, 38(2), e70036. https://doi.org/10.1111/jar.70036

Trigueiro, M. J., Lopes, J., Simões-Silva, V., Vieira de Melo, B. B., Simões de Almeida, R., & Marques, A. (2024). Impact of VR-based cognitive training on working memory and inhibitory control in IDD young adults. Healthcare, 12(17), 1705. https://doi.org/10.3390/healthcare12171705

Imamoto, Y., Orita, Y., Yoshikawa, H., Tsukue, R., Tokumitsu, K., Nagai, M., … Fujimaki, K. (2025). A pre-post study of individualized programs using the Occupational Therapy Intervention Process Model in a psychiatric hospital in Japan. Cureus, 17(6), e86918. https://doi.org/10.7759/cureus.86918

Iglesias-Díaz, L., López-Ortiz, S., García-Chico, C., Santos-Lozano, A., & González-Lázaro, J. (2025). Lifting limits: The impact of strength training in Down syndrome — A systematic review and meta-analysis. Journal of Intellectual Disability Research, 69(9), 781–794. https://doi.org/10.1111/jir.13259

Swim, strength, or combined programs: Effect on health-related physical fitness in adolescents with Down syndrome. (2024). Adapted Physical Activity Quarterly. https://doi.org/10.1123/apaq.2023-0170

Foot muscle exercise: A randomized controlled trial in children with Down syndrome and pes planus. (2024). Developmental Neurorehabilitation. https://doi.org/10.1080/17518423.2024.2365798

The effect of exercise on improving cognitive function in people with Down syndrome: A systematic review and meta-analysis. (2025). European Journal of Pediatrics. https://doi.org/10.1007/s00431-025-06178-6

Digital motor intervention effects on motor performance of individuals with developmental disabilities: A systematic review. (2024). Journal of Intellectual Disability Research. https://doi.org/10.1111/jir.13169

Digital motor intervention effects on physical activity performance of individuals with developmental disabilities: A systematic review. (2024). Disability and Rehabilitation. https://doi.org/10.1080/09638288.2024.2398148

Effects of core stability exercises on balance in children/adolescents com DI: systematic review and meta-analysis. (2024). PLoS ONE. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0314664

A systematic review of digital interventions to promote physical activity in people with intellectual disabilities and/or autism. (2024). Adapted Physical Activity Quarterly. https://doi.org/10.1123/apaq.2023-0061

Effects of combined training in IDD: Meta-analysis of RCTs. (2024). Disability and Rehabilitation. https://doi.org/10.1080/09638288.2024.2381598

The effects of resistance training on health-related physical fitness in people with Down syndrome — Systematic review & meta-analysis. (2024). Disability and Rehabilitation. https://doi.org/10.1080/09638288.2024.2419421

Effect of multicomponent dual-task training on gait in people with intellectual disability. (2024). Adapted Physical Activity Quarterly. https://doi.org/10.1123/apaq.2024-0167

 

MANEJO DO ESPECTRO OBSESSIVO-COMPULSIVO VIA PESQUISAS DO BIÊNIO 2024-2024: CAMINHOS NÃO FARMACOLÓGICOS PARA QUEBRAR O CICLO OBSESSIVO-COMPULSIVO

6 outubro, 2025

Se você já sentiu um pensamento grudado na cabeça — insistente, repetitivo — sabe como é fácil cair no “só mais uma vez”: verificar a porta, lavar as mãos, rever a mensagem. Para muita gente, esse atalho traz um rompimento rápido e cobra caro depois: mais tempo perdido, mais ansiedade, menos vida. A boa notícia é que, nos últimos dois anos, a ciência ficou mais clara e mais prática sobre como quebrar esse ciclo sem depender só de remédios.

O que mudou? Três peças novas deixaram o mapa mais nítido. Primeiro, ganhamos definições operacionais mais precisas: obsessões não são “manias”, são pensamentos intrusivos e egodistônicos; compulsões não são “tiques”, são respostas regidas por regras para reduzir a ansiedade — e isso ajuda a progredir no padrão e medir com objetividade. Segundo, a ponte entre consultório e cérebro ficou mais sólida: pesquisas ligam psicoterapia a redes específicas (atenção, hábito, “piloto automático”), mostrando que, quando a terapia funciona, essas redes ficam mais flexíveis — e o dia a dia, mais livre. Terceiro, ampliaram-se os formatos não farmacológicos : além do TCC/ERP clássico, terapias de terceira onda (como ACT e mindfulness) e versões digitais e imersivas (encontros por vídeo, módulos curtos, realidade mista) cabem melhor na rotina real.

Em termos simples: não é sobre “força de vontade”, é sobre aprender respostas diferentes para os mesmos gatilhos — com linguagem clara, metas definidas e dose certa (frequência, intensidade, duração). Nas próximas fotos, vamos mostrar o que funciona , para quem e como se encaixar no cotidiano, para que mais pessoas possam recuperar tempo, presença e autonomia.

1. Definições e quadro clínico — o que exatamente estamos tratando?

Pense nas obsessões como “pensamentos pegajosos”: ideias, imagens ou impulsos que invadem a mente sem convite, são normais à pessoa e costumam vir acompanhados de medo ou nojo. As compulsões são a outra metade do par: ações (ou atos mentais) repetidas, guiadas por regras regulatórias — verificar, lavar, contar, repetir — feitas para reduzir a ansiedade ou impedir um dano imaginado. Esse mesmo desenho aparece em transtornos do espectro obsessivo-compulsivo, como o transtorno dismórfico corporal, em que a pessoa fica tomada pela percepção de “defeitos” físicos e passa a conferir, corrigir ou esconder o corpo de forma incessante. O que a literatura recente fez foi tirar essas características do rótulo de “mania” e colocá-los em terreno observável: definições operacionais que ajudam a identificar precocemente, medir o progresso e comparar resultados entre tratamentos. Ela também lembra o óbvio que às vezes se perde: a vida encolhendo quando o tempo vai para rituais, e o risco de sofrimento grave — inclusive com pensamento suicida — não é pequeno. Para quem atende e para quem sofre, a dica é simples e certa: ao falar de sintomas, nomeie o alvo do ato repetitivo (“checar a porta”, “rever a mensagem”, “corrigir a pele”), não apenas “rituais”. Isso aproxima a linguagem do consultório da escolha da intervenção e dos desfechos que importam no dia a dia.

2. Mecanismos: das redes específicas ao comportamento — por que a intervenção funciona?

Quando falamos em quebrar o ciclo obsessão-compulsão, não é apenas “força de vontade”. É neurotreino . Estudos recentes mostram que certas terapias mudam a forma como redes cerebrais conversam entre si — especialmente a rede que puxa a mente para o “piloto automático” (a chamada rede em modo padrão) e os circuitos fronto-estriatais , ligados a hábito e controle. Em pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo resistentes aos tratamentos anteriores, a terapia cognitiva baseada em atenção plena foi associada aos ajustes nessas redes, com nós como o precuneus e o córtex frontal mais anterior ganhando papel de destaque. Na prática, isso se traduz em menos ruminação , menos ansiedade sensitiva e mais espaço mental para escolher o que fazer diante do gatilho [2].

Algo parecido aparece em quadros com traços de compulsão fora do TOC. Num ensaio com adultos que lutaram com o uso compulsivo de jogos eletrônicos , um programa de meditação estruturada intensa gravidade e desejo intenso , em paralelo a mudanças de conectividade entre regiões frontais e núcleos da base — um caminho biológico plausível para explicar por que “prestar atenção com gentileza” pode diminuir a vontade de repetição o comportamento automático [8].

É uma terapia cognitivo-comportamental tradicional? Além de reduzir os sintomas, há vergonha de que ela melhore o controle de tarefas — a capacidade de manter o foco no que importa e inibir respostas impulsivas . Em estudos que medem desempenho antes e depois do tratamento, esse controle tende a aproximar o paciente do padrão de pessoas sem TOC , fornecendo um mecanismo cognitivo por trás da melhoria clínica [13]. Metanálises amplas lembram ainda um ponto de sobriedade: os tamanhos de efeito variam conforme a comparação (lista de espera × tratamento usual). O recado é clínico: a intervenção funciona, mas o contexto importante — e isso deve orientar tanto escolhas terapêuticas quanto desenho de estudos [7].

3. Intervenções não farmacológicas — como tratar em 2024–2025?

Antes de entrar nos detalhes, vale um mapa rápido do terreno. A seguir, reunimos quatro caminhos práticos que uma pesquisa recente colocou no centro do cuidado não medicamentoso. No 3.1 , o básico bem feito — terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta — continua sendo a espinha dorsal [4]. No 3.2 , aparecem formatos digitais de “terceira onda” (como programas on-line de facilidades e compromissos) que servem de porta de entrada quando é preciso começar leve e caber na rotina [5]. No 3.3 , apresentamos a atenção : versões de exposição em realidade mista que prometem engajamento, mas ainda precisam de ajuste fino para mostrar vantagem clara [6]. Por fim, no 3.4 , olhamos para tiques e específicos aparentados à compulsão , onde abordagens comportamentais estruturadas seguem como primeira linha — inclusive por videoconferência — e ajudam a ganhar tempo clínico com segurança [7].

  • 3.1 Terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta contínua no centro: A boa notícia é direta: a terapia cognitivo-comportamental funciona. Uma série ampla de metanálises confirma a eficácia, mas lembra um detalhe que muda a leitura: os efeitos parecem maiores quando se compara com lista de espera e mais modestos quando o grupo de comparação recebe tratamento usual . Em outras palavras, funciona — e o contexto do comparado precisa entrar na conversa ao definir expectativas, treinar equipes e atrair serviços [4].

  • 3.2 “Terceira onda” em formato digital (para quando o primeiro passo precisa caber no seu dia): Para quem está no subclínico ou precisa começar de forma mais leve, programas on-line de acessíveis e compromisso em módulos curtos mostram melhoria consistente — e costumam ser mais aceitáveis ​​do que treinos de relaxamento, mesmo quando ambos ajudam. Na prática, são uma porta de entrada : organizamos hábitos, treinamos flexibilidade psicológica e preparamos o terreno para uma exposição mais profunda quando necessário [5].

  • 3.3 Exposição “imersiva”: realidade mista é promissora, mas ainda precisa de ajuste: Em obsessões de contaminação , a exposição em realidade mista com seis sessões em seis semanas melhora sintomas dentro do grupo , mas não supera uma exposição auto-guiada . A pista não é mecanismo: o senso de presença relatado foi moderado . Para virar diferencial, será preciso aumentar a alerta , personalizar gatilhos e combinar indicadores objetivos de ansiedade/evitação ao longo das sessões [6].

  • 3.4 Tiques e características aparentadas à compulsão: comportamento em primeiro plano: Nos transtornos de tiques , a intervenção comportamental abrangente para tiques e o treinamento de reversão de hábitos seguem como primeira linha . O formato individual tende a render mais do que grupos; a entrega por videoconsulta mantém o benefício; e versões pela internet superam lista de espera ou psicoeducação , mesmo com efeitos menores — o suficiente para ganhar tempo clínico enquanto se organiza atendimento presencial, quando indicado [7].

4. Dosagem terapêutica — intensidade, frequência e duração que fazem diferença

  • Terapia cognitiva baseada em atenção plena para casos resistentes: programas de cerca de três meses , com avaliação antes e depois por ressonância magnética funcional em segurança , ajudar a estratificar por perfis clínicos e a monitorar a resposta de forma mais objetiva [2].

  • Terapia de facilidades e compromisso em formato on-line para sintomas leves: quatro módulos curtos, com efeitos interrompidos após três meses e maior facilidade pelos participantes do que o treino de relaxamento; ótima porta de entrada para quem está começando e pode escalar depois para exposições mais estruturadas [5].

  • Exposição em realidade mista para obsessões de contaminação: seis sessões ao longo de seis semanas produzidas melhoradas dentro do grupo , mas empatam com a exposição autoaplicada. O ganho deve vir de aumentar a sensação de presença e selecionar os melhores casos (por exemplo, pessoas com alta evitação ou baixa autoeficácia ) [6].

  • Intervenções comportamentais para tiques: protocolos individuais com oito a dez sessões a seguir como os mais eficazes; a versão por videoconsulta preserva a estrutura e alcança benefícios comparáveis ​​ao presencial [7].

5. Implicações clínicas — cinco mensagens para levar ao consultório

  • Comece pelo essencial, com método. A terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta contínua sendo a espinha dorsal do cuidado. Ao interpretar os resultados, lembre-se de que os efeitos parecem maiores contra lista de espera e mais modestos frente ao tratamento usual — ajuste expectativas e desenho de serviço de acordo [4].

  • Personalize de acordo com o perfil clínico. Em casos resistentes, uma terapia cognitiva baseada em atenção plena pode ajudar quando há sinais de instabilidade nas redes ligadas ao “piloto automático” e hábito; usar essa informação para escolher quem recebe o acréscimo terapêutico aumenta a chance de resposta [2].

  • Digital com propósito. Programas on-line de facilidades e compromissos funcionam e são mais simples de adesão. Defina metas de processo (flexibilidade psicológica, exposição gradual), combine com acompanhamento e planejamento de manutenção — inclusive em formatos remotos quando fizer sentido [5, 7].

  • Imersão não resolve sozinha. A exposição em realidade mista é promissora, mas ainda precisa aumentar a sensação de presença e selecionar os melhores casos para mostrar vantagem clara sobre a exposição autoaplicada [6].

  • O formato é importante (e muito) para tiques. Para técnicas, disciplinas comportamentais individuais superam grupos; a entrega por videoconsulta mantém bons resultados; e versões pela internet superam lista de espera/psicoeducação — úteis para começar já quando o acesso é barreira [7].

6. Agenda de pesquisa — para onde ir a seguir

  • Juntar o que o cérebro mostra com o que a sessão ensina. Integrar biomarcadores de rede (por exemplo, padrões de conectividade ligados ao “piloto automático” e aos hábitos) com variáveis ​​processuais da terapia (como flexibilidade e sinais psicológicos de habituação durante as entrevistas) para prever resposta , direcionar quem recebe qual tratamento e monitorar o progresso de forma objetiva [2–3].

  • Comparar tratamentos de verdade com “vida real”. Priorizar comparadores ativos — tratamento usual e ensaios diretos entre abordagens (exposição e prevenção de resposta versus terapia cognitiva baseada em atenção plena/terapia de fácil acesso e compromisso; formato digital versus presencial ) — para evitar superestimar efeitos e orientar decisões de serviço [4].

  • Leve o cuidado até a pessoa, com a dose que basta. Testar mediadores e moderadores (atendimento em grupo versus individual; número ideal de sessões ; manutenção com encontros de reforço) e expandir a entrega por videoconsulta quando o acesso é barreira — sem perder o rigor do protocolo [7].

  • Imersão que realmente “leva para dentro”. Em intervenções com realidade virtual ou mista, avaliar a presença como mecanismo central , incorporar biofeedback e gatilhos do cotidiano , e medir se isso se traduz em vantagem clínica além da exposição autoaplicada [6].

12 topicos chaves do conhecimento (2024–2025):

  1. Efeito da terapia depende do “com quem” se compara. A grande série de metanálises mostra que os tamanhos de efeito da terapia cognitivo-comportamental caem quando o comparador é tratamento usual (e não lista de espera). Tradução prática: interpretar resultados e planejar serviços sempre considerando o comparador — o que evita superestimar ganhos e ajuda a definir metas realistas. Novo valor: um parâmetro de leitura crítica que muda decisões de implementação. [7]
    abstract-Obsessive--set

  2. Marcadores de rede para personalizar augmentação. Em casos resistentes, a terapia cognitiva baseada em atenção plena modulou conectividade de modo padrão ventral e circuitos fronto-estriatais, com precuneus e córtex frontal mais anterior como nós-chave. Novo valor: pistas de biomarcadores preditivos/de resposta que permitem testar alocação por “domínios” (afetos, ansiedade sensitiva, ruminação). [9]
    abstract-Obsessive--set

  3. Do “prestar atenção” ao freio na compulsão (ponte cérebro-comportamento). Em uso compulsivo de jogos, a meditação estruturada reduziu gravidade e desejo intenso; a melhora foi mediada por conectividade fronto-pálida (giro frontal medial-núcleo lentiforme). Novo valor: um caminho mecanístico concreto ligando treino atencional/aceitação à queda do impulso repetitivo. [8]
    abstract-Obsessive--set

  4. Dose mínima viável digital para subclínico. Quatro módulos on-line de aceitação e compromisso melhoram sintomas obsessivo-compulsivos subclínicos, com maior aceitabilidade do que relaxamento — e manutenção em 3 meses. Novo valor: um primeiro degrau eficiente e escalável para engajar e preparar exposição formal quando necessária. [17]
    abstract-Obsessive--set

  5. Exposição em realidade mista: promissora, mas ainda parelha. Seis sessões em seis semanas geram melhora intragrupo em contaminação, mas não superam a exposição autoaplicada; o senso de presença ficou moderado. Novo valor: hipóteses claras para a próxima geração (otimizar presença, personalizar gatilhos, combinar biofeedback). [16]
    abstract-Obsessive--set

  6. Tiques: aliar acesso e eficácia. Intervenções comportamentais individuais seguem superiores a grupos; videoconsulta mantém benefício e versões pela internet superam lista de espera/psicoeducação (efeitos menores, mas clinicamente úteis). Novo valor: caminho estruturado para iniciar cuidado já quando acesso presencial é barreira. [15]
    abstract-Obsessive--set

  7. Mecanismo cognitivo observável após terapia. Em TOC, o controle de tarefa (capacidade de manter foco e inibir respostas automáticas) melhora após terapia cognitivo-comportamental até nivelar com controles saudáveis em tarefas específicas. Novo valor: um alvo neurocognitivo sensível ao estado para monitorar resposta. [13]
    abstract-Obsessive--set

  8. Higiene do sono e comorbidades: o que melhora e o que não prediz. Em transtorno dismórfico corporal, insônia é comum e melhora junto no tratamento, mas não prediz resposta de sintomas-alvo. Novo valor: orientar expectativas e priorização clínica (não confundir melhora do sono com marcador de eficácia específica). [19]
    abstract-Obsessive--set

  9. Música como adjuvante: efeito de rotina, não de gênero. Em jovens adultos com insônia, incorporar música ao ritual noturno melhora sono e humor, sem gênero superior (clássico vs. jazz). Novo valor: intervenção baixa-fricção que pode apoiar adesão terapêutica em quadros com traços compulsivos e ansiedade. [11]
    abstract-Obsessive--set

  10. Mapa conceitual do espectro: diagnóstico exige repetir para “corrigir”. Em transtorno dismórfico corporal (relacionado ao espectro), o diagnóstico requer comportamentos repetitivos ou atos mentais para checar/corrigir/esconder falhas percebidas; prevalência ~2% e subtratamento persistem. Novo valor: linguagem operacional para especificar o alvo do ato repetitivo, melhorando seleção de técnica e desfechos. [1]
    abstract-Obsessive--set

  11. Por que a exposição falha em parte dos casos? Revisões apontam fatores de resistência (especificidade de sintomas, comorbidades, manejo de expectativa e de aprendizagem inibitória). Novo valor: lista de verificação para ajuste fino (hierarquia, variação de contextos, prevenção de segurança camuflada). [12]
    abstract-Obsessive--set

  12. Addições comportamentais: convergências úteis. Sem fármacos aprovados, o eixo cognitivo-comportamental concentra a melhor evidência; coocorrências com ansiedade/depressão são frequentes, pedindo triagem ativa e planos integrados. Novo valor: transfere lições para fenótipos compulsivos aparentados (jogo, internet), com foco em acessibilidade. [5]
    abstract-Obsessive--set

Como usar este “néctar”

  • Na clínica: escolha formato (presencial, vídeo, digital breve) pelo estágio e barreiras; monitore processos (habituação, flexibilidade, controle de tarefa) além de sintomas; em resistentes, considere augmentação guiada por domínio.

    Na pesquisa/gestão: priorize ensaios com comparadores ativos; teste presença/imersão como mecanismo em realidade mista; codifique alvos repetitivos específicos nos prontuários e protocolos.

Conclusão

Se tivermos de resumir os últimos dois anos, o recado é simples e útil para a vida real: comece por nomear bem o problema , use mecanismos que façam sentido clínico e entreguem instruções não medicamentosas no formato certo para uma pessoa certa . A terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta segue como eixo central do cuidado [4]. Como vias de acesso e engajamento, ambas a terapia cognitiva baseada em atenção plena e a terapia de facilidade e compromisso , que ajudam a treinar flexibilidade e a desfazer o “piloto automático” das rotas compulsivas [2–3, 5]. As tecnologias de aprendizagem oferecem um laboratório promissor de aprendizagem, mas ainda precisam mostrar vantagem consistente sobre programas bem estruturados feitos em casa ou por vídeo [6]. Ao integrar pistas do cérebro (biomarcadores de rede) com pistas da sessão (marcadores processuais como habituação e adesão), abrimos espaço para uma personalização responsável — no consultório e no digital — sem perder o pé no que já funciona hoje [2–4, 7]

Referências

  1. Rück, C., Mataix-Cols, D., Feusner, JD, Shavitt, RG, Veale, D., Krebs, G., & Fernández de la Cruz, L. (2024). Transtorno dismórfico corporal . Nature Reviews Disease Primers, 10 (1), 92. https://doi.org/10.1038/s41572-024-00577-z

  2. De la Peña-Arteaga, V., Cano, M., Porta-Casteràs, D., Vicent-Gil, M., Miquel-Giner, N., … Cardoner, N. (2024). Neurobiologia da terapia cognitiva baseada em mindfulness no TOC resistente ao tratamento: uma abordagem de redes de estado de repouso relacionadas a domínios . Neuropsicofarmacologia Europeia, 82 , 72–81. https://doi.org/10.1016/j.euroneuro.2024.02.011

  3. Ni, H., Wang, H., Ma, X., Li, S., Liu, C., … Dong, GH (2024). Eficácia e mecanismos neurais da meditação mindfulness entre adultos com transtorno de jogos online: um ensaio clínico randomizado . JAMA Network Open, 7 (6), e2416684. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2024.16684

  4. Cuijpers, P., Harrer, M., Miguel, C., Ciharova, M., Papola, D., … Furukawa, TA (2025). Terapia cognitivo-comportamental para transtornos mentais em adultos: uma série unificada de meta-análises . JAMA Psychiatry, 82 (6), 563–571. https://doi.org/10.1001/jamapsychiatry.2025.0482

  5. Thompson, EM, Albertella, L., Viskovich, S., Pakenham, KI, & Fontenelle, LF (2024). Terapia de aceitação e compromisso baseada na internet para sintomas obsessivo-compulsivos: um ensaio clínico randomizado . Behavior Research and Therapy, 180 , 104595. https://doi.org/10.1016/j.brat.2024.104595

  6. Miegel, F., Jelinek, L., Lohse, L., Moritz, S., Blömer, J., … Rolvien, L. (2025). Terapia de exposição em realidade mista para transtorno obsessivo-compulsivo: um ensaio clínico randomizado . JAMA Network Open, 8 (5), e2511488. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2025.11488

    7 Morand-Beaulieu, S., Szejko, N., Fletcher, J., & Pringsheim, T. (2024). Terapia comportamental para transtornos de tiques: uma revisão abrangente da literatura . Revisão especializada de neuroterapêutica, 24 (12), 1181–1191. https://doi.org/10.1080/14737175.2024.2405740

 

VER O AUTISMO “POR DENTRO” DO SENSORIUM: POR QUE A MATRIZ SENSORIAL ORGANIZA COMPORTAMENTO, COGNIÇÃO E TRAJETÓRIA DO DESENVOLVIMENTO

3 outubro, 2025

A matriz sensorial — como os estímulos são captados, filtrados e integrados — organiza a expressão comportamental, os trajetos cognitivos e a participação social no autismo. Perfis hiper-reativos (limiar de saliência baixo) tendem a um trilho emocional-regulatório (medo/ansiedade, evitação) e a comportamentos/pensamentos restritos e repetitivos (RRB) sobretudo comportamentais; perfis hipo-reativos (limiar alto) impactam de modo mais direto a motivação social intrínseca, a atenção social e a linguagem. A gravidade clínica acompanha o grau de desajuste do limiar e o número de canais envolvidos. Na prática, predominam mosaicos mistos por modalidade (auditivo, tátil, visual etc.). Propõe-se um enquadre sensório-centrado para triagem, estratificação e desenho de intervenções, bem como uma agenda translacional por canal.

1. Ponto de vista:

A sensibilidade sensorial deixou de ser um “apêndice” diagnóstico: ela estrutura o acesso do indivíduo ao mundo. Quando o limiar de saliência é baixo (hiper-reativo), sinais cotidianos disparam o sistema de ameaça; quando é alto (hipo-reativo), sinais relevantes não alcançam o limiar para orientar o olhar, a curiosidade e a aprendizagem contingente. Em ambos os casos, o “primeiro quilômetro” do processamento — o sensorium — redefine o que se aprende, onde se participa e com quem se permanece engajado.

2. O que cada perfil prediz (e o que costuma ser indireto):

2.1 Hiper-reatividade: o trilho emocional-regulatório - A hiper-reatividade associa-se de forma consistente a ansiedade/medo, hipervigilância e evitação, e antecipa RRB mais rígidos. Em termos comportamentais, a repetição emerge como estereotipias motoras, rituais, compulsões e resistência à mudança; sob aflição intensa, pode haver autolesão reativa. No plano atencional, padrões “pegajosos” (dificuldade de desgrudar) e “elásticos” (retorno a estímulos familiares) também configuram RRB de matiz mental (mesmice, temas fixos), restringindo novidade e generalização de aprendizagens.
Linguagem e socialização: a via é majoritariamente indireta. Ao encarecer contextos ruidosos/imprevisíveis (pátio, refeitório, festas), o hiper perfila menos tempo útil de interação, achatando ganhos pragmáticos.

2.2 Hipo-reatividade: o trilho motivacional-sociocomunicativo - A hipo-reatividade reduz motivação social intrínseca, atenção conjunta e responsividade a sinais sociais (prosódia, olhar, microgestos). O efeito sobre linguagem tende a ser direto: menos “amostras” relevantes → menos pareamento gesto-palavra-significado. Em faixas mais graves, observam-se iniciativa comunicativa baixa, perfil não verbal, ecolalias (imediatas/tardias) e comunicação idiossincrática como estratégias regulatórias/expressivas legítimas, que devem ser incorporadas ao plano de comunicação (com CAA quando indicado).

Síntese: hiper “puro” → ansiedade/medo + RRB (efeito indireto em linguagem); hipo “puro” → motivação/atenção social e linguagem (efeito direto). Misturas por canal são a regra — e mudam o plano terapêutico.

3. A clínica “por canal”: onde intervir primeiro:

  • Auditivo: Nas coortes e revisões, é o locus mais frequente de hiper: queixas de ruído comum como insuportável e habituação atípica sustentam evitação e retraem a participação escolar e social.

  • Tátil: Hipersensibilidade a texturas/contato é comum; medidas psicofísicas nem sempre diferenciam limiares, indicando componente regulatório/afetivo. Em genética sináptica (ex.: SHANK3), a hiper tátil evolui mensuravelmente em um ano e coexiste com filtro auditivo frágil e baixa energia.

  • Visual/olfato/gustação. As séries são menos específicas; frequentemente, os efeitos vêm de inventários globais. A avaliação individual decide prioridade.

Implicação: escrever no prontuário por modalidade“hiper auditivo; hipo tátil/proprioceptivo; hiper visual à noite” — orienta metas e timing de exposição, dessensibilização e apoios.

4. Sono e energia: quando o sistema não desliga (ou não liga):

Hiper e hipo coexistem e se expressam no sono. Hiper: pequenos vazamentos de luz, ruídos discretos e texturas mantêm alerta, prolongam latência e quebram a noite. Hipo: sinais de sono amortecidos levam à busca de pressão/movimento para “mudar o estado”. Componentes corpo-mediados (pressão profunda organizada, movimento, toque estruturado), combinados a higiene do sono, reduzem arousal e ampliam a tolerância ao ambiente de dormir (evidência ainda modesta, porém coerente com a prática).

5. Percepção/cognição social, motivação e comunicação: um mapa operacional:

  • Percepção/cognição social: hipo sofre por subamostragem (sinal não atinge limiar); hiper sofre por sobrecarga (sinal demais).

  • Motivação social intrínseca: tipicamente menor no hipo; no hiper, o desejo pode existir, mas o custo sensorial encurta as interações.

  • Comunicação: elevação segura de saliência (voz marcada, gesto claro, apoios visuais, toque breve/proprioceptivo) + tempo de processamento + CAA aumentam responsividade; ecolalia/idiossincrasias devem ser tratadas como pontes comunicativas.

6. Curso e gravidade: o limiar como marcador:

Regra de bolso: quanto mais desajustado o limiar de saliência (muito baixo = hiper; muito alto = hipo) e quanto mais canais sensoriais envolvidos, maior a gravidade funcional.

·        Hiper-reatividade precoce (14–24 meses) → associa-se prospectivamente a RRB mais rígidos na pré-escola. Quando o modelo estatístico controla a hipo-reatividade, a ligação hiper → traço autístico global enfraquece, mas o caminho hiper → medo/ansiedade permanece robusto, caracterizando um trilho emocional-regulatório do hiper.

·        Hipo-reatividade precoce → prediz pior linguagem e habilidades sociais adaptativas ao longo do tempo, refletindo um trilho motivacional-sociocomunicativo (menos amostragem de pistas sociais relevantes).

·        Carga sensorial cumulativa: a gravidade clínica cresce em função do grau de desajuste do limiar e do número de modalidades afetadas (p.ex., hiper auditivo + hiper tátil > hiper isolado), com efeitos aditivos sobre ansiedade, sono, participação e aprendizagem.

·        Mensagem operacional: mapear por canal, datando no tempo (linha de base e reavaliações) e monitorar longitudinalmente; perfis mistos são a regra e mudam com desenvolvimento, ambiente e intervenção — logo, planos precisam ser ajustados dinamicamente ao mosaico sensorial real de cada pessoa.

7. Implicações para prática e serviços (checklist aplicável):

  1. Triagem e estratificação por subtipo/canal: Registre hiper/hipo por modalidade; use isso para prever riscos internalizantes/externalizantes, sono e metas adaptativas.

  2. Engenharia ambiental sob medida:

    • Hiper: previsibilidade de intensidade/tempo do estímulo, microdoses de exposição com treino corpo-respiração, rotas de fuga e scripts de saída/retorno.

    • Hipo:menu proprioceptivo” pré-tarefa, pistas explícitas de objetivo/turno, elevação multimodal de saliência.

  3. Sono como alvo transversal: Combine higiene do sono com componentes somatossensoriais; rastreie “competidores” (apneia, refluxo, dor, telas tardias, estimulantes).

  4. Métricas que importam: Priorize tempo engajado, variedade de parceiros/contextos, flexibilidade e qualidade do sono — mais informativos que escores globais isolados.

  5. Comunicação e motivação social: Trate motivação como variável de projeto; legitime ecolalia e idiossincrasias como vias de entrada; acople CAA cedo quando indicado.

8. Agenda translacional por canal:

  • Modalidade × circuito: ligar habituação (ERP), equilíbrio excitação/inibição e biomarcadores a trajetórias de ansiedade (hiper) e linguagem/motivação social (hipo).

  • Vias diretas vs. indiretas: testar quando hiper reduz linguagem por evitação e quando hipo reduz por subamostragem.

  • Ensaios sensório-centrados: auditivo (gestão de ruído, previsibilidade temporal, enfrentamento), tátil (toque estruturado, gradação de texturas), com desfechos funcionais (participação, sono, ansiedade) e marcadores intermediários (habituação, variabilidade autonômica).

Conclusão:

Entender a matriz sensorial é entender a dinâmica da neurodivergência. A direção do perfil (hiper ↔ hipo), a mistura por canais e o grau de desajuste de saliência explicam uma parte decisiva do comportamento, da cognição e do curso do desenvolvimento no autismo. O passo editorial claro é migrar de rótulos globais para planos estratificados por subtipo e modalidade, iniciados cedo, medidos com desfechos que importam à vida real e centrados em devolver participação — em casa, na escola e na comunidade.

Referências:

Baranek, G. T., Little, L. M., Watson, L. R., Crais, E. R., Roberts, J. E., Reznick, J. S., Turner-Brown, L., & Bodfish, J. W. (2022). Early measurement of autism risk constructs in the general population: A new factor structure of the First Years Inventory (FYIv3.1) for ages 6–16 months. Autism Research, 15(5), 915–928. https://doi.org/10.1002/aur.2691

Ben-Sasson, A., Gal, E., Fluss, R., Cermak, S. A., Engel-Yeger, B., & Hen, L. (2019). Update of a meta-analysis of sensory symptoms in ASD: A new decade of research. Journal of Autism and Developmental Disorders, 49(12), 4974–4996. https://doi.org/10.1007/s10803-019-04180-0

Brandes-Aitken, A., Powers, R., Wren, J., Chu, R., Shapiro, K. A., Steele, M., Mukherjee, P., & Marco, E. J. (2024). Sensory processing subtypes relate to distinct emotional and behavioral phenotypes in a mixed neurodevelopmental cohort. Scientific Reports, 14, 29326. https://doi.org/10.1038/s41598-024-78573-2

Chen, Y., et al. (2024). A systematic review and meta-analysis of the relationship between sensory reactivity subtypes and internalising/externalising problems in autism. Clinical Psychology Review, 105, 102280. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2024.102280

Dwyer, P., Newell, L., D’Souza, H., Gliga, T., Green, J., & Bedford, R. (2024). Hyper-focus, sticky attention, and springy attention in young autistic children: An eye-tracking study. Autism Research, 17(6), 1137–1150. https://doi.org/10.1002/aur.3174

Feldman, J. I., Garla, V., Dunham, K., Markfeld, J. E., Bowman, S. M., Golden, A. J., Daly, C., Kaiser, S., Mailapur, N., Raj, S., Santapuram, P., Suzman, E., Augustine, A. E., Muhumuza, A., Cascio, C. J., Williams, K. L., Kirby, A. V., Keceli-Kaysili, B., & Woynaroski, T. G. (2022). Longitudinal relations between early sensory responsiveness and later communication in infants with autistic and non-autistic siblings. Journal of Autism and Developmental Disorders. Advance online publication. https://doi.org/10.1007/s10803-022-05817-3

Feldman, J. I., et al. (2021). Sensory responsiveness is linked with communication in infant siblings of children with and without autism. Journal of Autism and Developmental Disorders, 51(11), 4097–4111. (ver preprint/registro).

Lane, S. J., Leão, M. A., & Spielmann, S. (2022). Sleep, sensory integration/processing, and autism. Frontiers in Psychology, 13, 877527. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.877527

MacLennan, K., Rossow, T., & Tavassoli, T. (2021). The relationship between sensory reactivity, intolerance of uncertainty and anxiety subtypes in preschool-age autistic children. Autism, 25(8), 2305–2316. https://doi.org/10.1177/13623613211016110

Martínez-Sanchis, S. (2014). Neurobiological foundations of multisensory integration in individuals with autism spectrum disorders: The role of the medial prefrontal cortex. Frontiers in Human Neuroscience, 8, 970. https://doi.org/10.3389/fnhum.2014.00970

Miguel, H. O., Sampaio, A., Martínez-Regueiro, R., Gómez-Guerrero, L., López-Dóriga, C. G., Gómez, S., Carracedo, Á., & Fernández-Prieto, M. (2017). Touch processing and social behavior in ASD. Journal of Autism and Developmental Disorders, 47(8), 2425–2433. https://doi.org/10.1007/s10803-017-3163-8

Sellick, T., Alkozei, A., & Baker, E. (2021). Repetitive and restricted behaviours and anxiety in autism spectrum disorder and Williams syndrome: A cross-syndrome comparison. Autism Research, 14(12), 2708–2720. (inclui discussão sobre mediação por intolerância à incerteza).

Verhulst, I., Zijlmans, J., Daniëls, N. E. M., & Luman, M. (2022). The perceived causal relations between sensory reactivity, intolerance of uncertainty, anxiety, and restricted and repetitive behaviours in autistic children. Autism & Developmental Language Impairments, 7, 1–18. https://doi.org/10.1177/23969415221129186

Walinga, M., Jesse, S., Alhambra, N., European Phelan-McDermid Syndrome Consortium, Van Buggenhout, G., et al. (2023). Consensus recommendations on altered sensory functioning in individuals with SHANK3-related Phelan–McDermid syndrome. European Journal of Medical Genetics, 66(6), 104726/104794. https://doi.org/10.1016/j.ejmg.2023.104726

Wigham, S., Rodgers, J., South, M., McConachie, H., & Freeston, M. (2015). The interplay between sensory processing abnormalities, intolerance of uncertainty, anxiety and restricted and repetitive behaviours in autism spectrum disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 45(4), 943–952. https://doi.org/10.1007/s10803-014-2248

 

HIPER-REATIVIDADE SENSORIAL NO AUTISMO: DA “SALIÊNCIA QUE DÓI” ÀS TRAJETÓRIAS DE COMPORTAMENTO, COGNIÇÃO E DESENVOLVIMENTO

3 outubro, 2025

A hiper-reatividade sensorial — respostas exageradas e/ou aversivas a estímulos — é mais do que um epifenômeno: ela marca subgrupos clínicos, antecipa riscos emocionais e ajuda a explicar padrões de adaptação ao longo do desenvolvimento. Em triagens precoces, fatores de hiper e hipo já emergem como dimensões independentes (ao lado de linguagem, atenção social, rotina/autorregulação), úteis para subtipagem fenotípica entre 6–16 meses e para prever desfechos aos 3 anos. (Baranek et al., 2022).

O que a matriz hiper-reativa prediz

Comportamento emocional e autorregulação: Crianças com perfil sensorialmente hiper-responsivo apresentam, de forma consistente, maior ansiedade, incluindo medo de dano físico e fobias específicas; a intolerância à incerteza media a ligação entre anomalias sensoriais e repetição/insistência em rotinas, sustentando um circuito “sensorial → incerteza → ansiedade → RRB”. Nesses casos, a repetição costuma manifestar-se comportamentalmente, como estereotipias motoras, comportamentos compulsivos, rituais, resistência à mudança e, em subgrupos sob aflição intensa, autolesão — mais do que por padrões exclusivamente mentais/cognitivos de mesmice.

Atenção e aprendizagem: Padrões de atenção “pegajosa” (dificuldade para desgrudar) e “elástica” (retornos frequentes ao estímulo já familiar) relacionam-se a hiper-responsividade relatada por cuidadores, ou seja, ao loop mental, com implicações para como a criança prioriza pistas e distribui recursos atencionais durante a exploração e o brincar — pontos que repercutem na aquisição de vocabulário e conceitos. Esses mesmos padrões configuram, ainda, uma forma de comportamento repetitivo e interesses restritos (RRB) de matiz cognitivo/mental, marcada pela “mesmice” (preferência por estímulos conhecidos e manutenção de estados atencionais) e por pensamentos restritos/temas fixos (ruminações sobre tópicos estreitos, previsíveis, com baixa flexibilidade), o que pode restringir a novidade e a generalização de aprendizagens. (Dwyer et al., 2024).

Sono e energia: Perfis hiper/hipo frequentemente coexistem e se acompanham de resistência para deitar, latência aumentada, despertares e menor duração total. Desta forma, para falar de sono e energia em contextos de sensibilidade sensorial, vale assumir desde o início que “hiper” e “hipo” não são caixas estanques; muitas vezes convivem na mesma pessoa e até no mesmo quarto, dependendo da modalidade sensorial. A cena é comum: resistência para deitar, demora para adormecer, despertares sucessivos e, no saldo, uma noite curta. Quando o sistema está em “hiper”, ele dispara por pouco — luz que vaza pela cortina, ruído discreto, textura áspera do lençol — e mantém o corpo em estado de vigilância. Quando está em “hipo”, acontece o oposto: o sistema liga devagar, os sinais de sono chegam amortecidos e a pessoa passa a buscar estímulos — movimento, pressão, toque firme — para finalmente “sentir o corpo” e permitir a mudança de estado.

Na prática clínica, isso aparece antes mesmo de apagar as luzes. O hiper chega à beira da cama tentando controlar portas, iluminação e barulhos, com a mente acelerada e o corpo pronto para reagir a qualquer incômodo. O hipo, por sua vez, prolonga telas, brincadeiras e giro, como se precisasse acumular sensação para conseguir transitar ao sono; por vezes, só apaga quando o cansaço atinge um limiar extremo. Durante a noite, o hiper acorda por estímulos mínimos e permanece em sono leve; o hipo tende a um primeiro bloco pesado, com muito movimento e busca por pressão, e depois custa a emergir pela manhã, sentindo o corpo pesado. Entre esses polos, quase sempre há perfis mistos: alguém hiper para som e luz, mas hipo para toque e propriocepção. É nessa sutileza — modalidade por modalidade — que um manejo mais fino acontece.

Daí a pertinência de falar em “regular pelo corpo”. Estratégias de pressão profunda, movimento organizado e toque estruturado parecem amortecer a sobrecarga sensorial noturna e favorecer a mudança de marcha do sistema nervoso. A palavra-chave é organização: compressões firmes e lentas, rotinas de alongamento e respiração que diminuem o arousal para quem está hiper; uma “reabastecida” proprioceptiva graduada nas horas que precedem o sono para quem está hipo, reduzindo a necessidade de buscar estímulo justamente na hora de dormir. A evidência formal ainda é limitada, o que exige humildade metodológica e monitoramento; mas a convergência entre teoria sensorial, achados preliminares e observação clínica aponta um caminho promissor quando aplicado com prudência.

Prudência também significa olhar para competidores do sono que não se resolvem com toque ou peso. Ronco alto, pausas respiratórias, refluxo, dor, uso de estimulantes à noite — inclusive cafeína e energéticos — e exposição tardia a telas podem mimetizar ou agravar tanto o hiper quanto o hipo. Ignorar esses fatores é condenar qualquer protocolo a resultados erráticos. O editorial, portanto, defende um duplo movimento: higiene clínica básica para afastar causas médicas e, em seguida, uma intervenção sensorial calibrada ao perfil real, e não ao rótulo.

Nada disso dispensa método. Um diário de duas semanas, registrando horário de deitar, latência, despertares, duração total e o que ajudou ou atrapalhou, dá lastro às decisões. Testar poucas intervenções por vez e acompanhar os mesmos indicadores evita confundir coincidência com efeito. No consultório e em casa, duas perguntas simples ajudam a distinguir tendências: se o sono melhora quando há menos estímulo — mais escuro, mais silêncio, toque leve — provavelmente predomina o hiper; se melhora depois que o corpo “enche o tanque” com pressão, movimento e toque firme, há traços hipo em jogo. Entre uma e outra resposta, existe a pessoa concreta, que oscila, aprende e responde ao que faz sentido para seu corpo. É com ela — e não com a caricatura dos perfis — que precisamos dialogar quando o objetivo é dormir melhor.

Curso do desenvolvimento e RRB: Em termos simples, “hiper-reatividade” aos 14–24 meses significa um bebê que reage demais a estímulos comuns: assusta-se com barulhos moderados, rejeita certas texturas, chora quando a luz muda ou quando a rotina é alterada. Em coortes acompanhadas até a pré-escola, esse padrão precoce costuma anteceder um quadro com interesses restritos mais intensos (fixação por temas ou objetos muito específicos, como ventiladores ou letras) e comportamentos repetitivos mais frequentes ou rígidos (alinhamentos, conferir portas várias vezes, rotinas de brincar sem variação). Um exemplo concreto: um bebê de 18 meses que entra em pânico com o secador de mãos do banheiro e só se acalma abraçado e em silêncio; aos 4 anos, ele pode insistir em um caminho único até a escola e repetir sequências de organização de brinquedos para “garantir” que nada inesperado aconteça. A ponte entre um ponto e outro é a tentativa do sistema nervoso de prever e controlar o ambiente para reduzir surpresa — o que, na criança hiper, vira uma estratégia de autoproteção: quanto mais previsível, menos sobrecarga.

Quando os pesquisadores incluem, no mesmo modelo, a hipo-reatividade (um estilo mais “apagado” a certos estímulos, com busca por pressão ou movimento para “sentir o corpo”), a associação entre hiper-reatividade e traços autísticos globais enfraquece. Isso acontece porque parte dos sinais que puxavam o escore global pode estar melhor explicada pela hipo-reatividade em alguns domínios sensoriais; muitas crianças são mistas (hiper a som/luz, hipo a toque/propriocepção), e separar esses fios reduz o “tudo no mesmo saco”. Porém, mesmo com esse ajuste, o caminho hiper → medo/ansiedade permanece forte. Em termos clínicos, isso identifica um trilho emocional típico: a criança hiper tende a desenvolver evitação, hipervigilância e respostas de alarme diante do inesperado. Exemplo: uma menina de 2 anos que chora ao ouvir liquidificador e se recusa a entrar na cozinha; aos 5, ela antecipa “e se ligar de novo?” e passa a evitar almoços em casas de amigos, mostrando medos amplificados e preocupação antecipatória. Já um menino com traços hipo pode “não sentir” cansaço e buscar pular/pressionar o corpo antes de dormir; aos 4 anos, ele mantém menos rituais de controle por medo e mais busca sensorial para se organizar.

Esses achados ajudam na prevenção e no foco das intervenções. Se o perfil é predominantemente hiper, faz sentido priorizar rotinas de previsibilidade, dessensibilização gradual e estratégias corpo-respiração para reduzir arousal, além de trabalhar “coragem com segurança” frente a barulhos ou mudanças pequenas, combatendo a ansiedade de antecipação. Se há um componente hipo importante, incluir um “menu proprioceptivo” antes de atividades desafiadoras (empurrar parede, compressões firmes, jogos de peso) organiza o corpo sem alimentar o circuito do medo. Em ambos, ajustar a escola e a casa para surpresas menores e melhor sinalizadas diminui a necessidade de controlar tudo com rituais. Em suma: hiper-reatividade precoce aponta risco para RRB mais intensos, mas, ao separar a hipo, vemos que o que permanece com força é o fio da ansiedade; cuidar dele cedo muda o curso. (Feldman et al., 2024/2021).

Por quais canais essa repercussão passa?

As amostras são mais granulares em auditivo e tátil. No auditivo, revisões e medidas eletrofisiológicas (habituação, N1/P2) sustentam a hipersensibilidade a sons como foco frequente de sobrecarga/evitação, com impacto indireto na participação social e no uso de ambientes escolares.

No tátil, há hipersensibilidade comum e hipóteses de desequilíbrio excitação/inibição; estudos psicofísicos, porém, nem sempre diferenciam limiares — sugerindo que parte do fenômeno é regulatório/afetivo, não apenas perceptivo. Em condições genéticas (ex.: Phelan-McDermid), a hiper-reatividade tátil mostra evolução clínica mensurável em 1 ano, e coexiste com outras dificuldades sensoriais (filtro auditivo, baixa energia). (Serrada-Tejeda et al., 2023).

Cognição e linguagem: efeito direto ou “via de mão indireta”?

Quando falamos em “efeito direto” versus “via indireta” entre perfis sensoriais e desenvolvimento de cognição/linguagem, a ideia é: um efeito direto seria observar que a sensibilidade (hiper ou hipo) por si só, medida agora, prediz mudança mensurável em linguagem/socialização depois — mesmo controlando outras variáveis; a via indireta significa que a sensibilidade altera o contexto de experiência (o quanto a criança interage, explora, tolera novidade), e é esse contexto que, por sua vez, molda linguagem e cognição. O que a literatura sugere é que as ligações diretas com linguagem/socialização tendem a ser mais consistentes no perfil hipo do que no hiper. Faz sentido mecanisticamente: a hipo-reatividade reduz o registro de sinais sutis do ambiente — voz, entonação, expressões — e leva a menor orientação espontânea para rostos e fala; com isso, há menos captação de pistas linguísticas e sociais no fluxo do dia, o que pode aparecer mais tarde como vocabulário menor ou menor reciprocidade. Já no hiper, o “gargalo” não é a captação em si, mas a sobrecarga: o sistema registra demais e, para se proteger, evita situações ruidosas, imprevisíveis ou multissensoriais (pátio da escola, aniversários, refeitório, parque). Assim, a criança hipersensível tende a ter menos oportunidades de interação de qualidade ou interações mais curtas e tensas. O resultado linguístico surge indiretamente: não porque ela não ouça/entenda sinais, mas porque participa menos de trocas ricas, desiste mais rápido, ou fica ocupada regulando o desconforto em vez de sustentar a conversação. (Feldman et al., 2021/2024).

Pense em dois exemplos. No hipo, um bebê de 12–18 meses que responde pouco ao chamar do nome e quase não busca a face do adulto durante a fala pode “perder” micro-oportunidades de pareamento som–significado (gesto + palavra + objeto), acumulando atraso mais linear e detectável nas medidas de linguagem meses depois. No hiper, uma criança de 2 anos até gosta de livros, mas recusa a roda de leitura da creche por ser barulhenta e cheia; em casa, evita visitas longas e troca diálogos por rotinas muito controladas. Ela tem repertório, mas sua participação social fica “estreitada”; a curva de linguagem não cai de imediato, porém achata porque a criança passa a investir menos em situações que expandem vocabulário pragmático e flexibilidade conversacional. Em estudos longitudinais pequenos, às vezes ambos — hiper e hipo — aparecem associados a pior comunicação 9 meses depois; porém, quando os modelos se refinam (considerando cada perfil e o contexto), o efeito isolado de hiper costuma perder força, enquanto a via hipo → linguagem permanece mais estável. Isso reforça a leitura da hiper-reatividade como moderadora do acesso à experiência (e não como um freio linguístico intrínseco), e a hipo-reatividade como um freio mais direto sobre a orientação e o engajamento com os sinais sociais relevantes. (Feldman et al., 2021/2024).

Clinicamente, a implicação é pragmática: para crianças hiper, proteger e estruturar o cenário (reduzir ruído, previsibilidade de turnos, combinar sinais visuais) e dosar a exposição social em “microdoses” aumenta o tempo útil de engajamento — e, portanto, a entrada de linguagem — sem acionar o circuito de evitação. Para crianças hipo, é fundamental potencializar a saliência da fala e do rosto (posicionar-se no campo de visão, exagerar prosódia, usar gestos marcados, toques firmes e breves para “acordar” a atenção), além de inserir carga proprioceptiva antes de atividades comunicativas. Em ambos os casos, o alvo não é “corrigir o senso-rial”, mas remodelar a oportunidade: aumentar a quantidade e a qualidade das trocas possíveis naquele corpo, naquele ambiente. É nessa engenharia do contexto que o suposto “efeito sensorial” vira ganho concreto em linguagem e socialização — sobretudo quando começamos cedo e medimos progresso no que realmente importa: tempo engajado, variedade de parceiros e flexibilidade nas trocas.

Da fenomenologia à prática clínica

Estratificar por subtipo sensorial importa: hiper tende a ansiedade/desregulação; hipo e busca se ligam mais a sintomas tipo de desatenção — e todos compartilham aumentos de desregulação emocional. Essa leitura transdiagnóstica ajuda a alinhar metas (ex.: redução de evitação auditiva/tátil) e a selecionar componentes somatossensoriais nas intervenções. (Brandes-Aitken et al., 2024; Ben-Sasson et al., 2019).

Janela tátil-social: Alterações no toque (hiper e/ou hipo) predizem problemas sociais, independentemente da gravidade autística global, sugerindo que o toque é uma via privilegiada para modular engajamento, proximidade e co-regulação — especialmente em rotinas de cuidado e escola. (Miguel et al., 2017).

Estabilidade e curso: Hiper/hipo/busca mostram estabilidade relativa ao longo de anos (com declínio médio em alguns domínios), o que justifica linhas de base sensoriais e monitoramento longitudinal para ajustar intensidade de suporte, em vez de esperar “desaparecimento espontâneo”. (Baranek et al., 2019).

Agenda para pesquisa clínica translacional

  1. Medir por modalidade e por circuito (auditivo, tátil; habituação, E/I): ligar sinais fisiológicos (ERP/habitação) a trajetórias emocionais (medo/ansiedade) e RRB, testando mediações por intolerância à incerteza. (Wigham et al., 2015).

  2. Delinear vias indiretas para linguagem: quando e como hiper reduz oportunidades de engajamento e aprendizagem, e quando hipo responde por variação direta em atenção/motivação social. (Feldman et al., 2021/2024).

  3. Ensaios por canal: componentes auditivos (gestão de ruído, previsibilidade de intensidade/tempo, treino de enfrentamento) e táteis (toque estruturado, gradação de texturas), com desfechos funcionais (participação, sono, ansiedade) e marcadores intermediários (habituação). (Serrada-Tejeda et al., 2023; sínteses clínicas).

Mensagem editorial: Ver o desenvolvimento “por dentro” do sensorium muda a prática: hiper-reatividade não é sinônimo de “sensibilidade” genérica; é um organizador de risco emocional e regulatório que indireta (mas relevantemente) diminui o tempo de exposição útil a experiências sociais e de aprendizagem. Mapear o canal (sobretudo auditivo e tátil nas amostras) e intervir no corpo para baixar a sobrecarga e aumentar a previsibilidade do sinal transforma o hiper de obstáculo em alvo clínico — um passo necessário para planos estratificados por subtipo sensorial e alinhados à vida diária da criança e da família. (Sínteses/metanálises e estudos longitudinais citados).

 

HIPORREATIVIDADE SENSORIAL NO AUTISMO: DO FENÓTIPO AO DESENVOLVIMENTO — POR QUE A “MATRIZ” IMPORTA

1 outubro, 2025

A hiporreatividade sensorial (busca sensorial) — respostas diminuídas ou tardias a estímulos —  deixou de ser detalhe periférico e passou a ocupar lugar central na compreensão do autismo. O DSM-5-TR a reconhece, ao lado da hiper-reatividade, como um dos eixos diagnósticos, enfatizando sua presença precoce e seu impacto funcional ao longo da vida (Martínez-Sanchis, 2015). Considerar o desenvolvimento a partir da matriz sensorial do autismo é começar pelo ponto de entrada do sistema nervoso — como os estímulos são percebidos, filtrados e integrados — para explicar, a jusante, a organização da atenção, da motivação, da linguagem, das funções executivas, do sono, da autorregulação e da adaptação. Quando essa matriz é predominantemente hipo-reativa, muitos sinais do ambiente não alcançam saliência suficiente para orientar o olhar, convocar a curiosidade ou sustentar encadeamentos de aprendizagem; assim, diminuem as oportunidades de troca social significativa, a consolidação de hábitos autorregulatórios e a construção de repertórios cognitivos flexíveis. Não se trata apenas de “comportamento”: é um gradiente de desenvolvimento que se desenha a partir de como o corpo sente o mundo — e do quanto esse sentir é organizado, previsível e sintonizado ao indivíduo. Por isso, perfilar a matriz sensorial (quais modalidades estão mais hipo-reativas, em quais contextos, com que efeitos sobre sono, alimentação e atenção) não é detalhe técnico: é estratégia central para orientar intervenções precoces, definir prioridades pedagógicas e clínicas e acompanhar a trajetória de cada pessoa, transformando o sensorial em vetor de organização — e não em obstáculo silencioso — do desenvolvimento (Martínez-Sanchis, 2015).

Um fenótipo com assinatura ampla: comportamento, cognição e adaptação

Quatro linhas de evidência convergem:

1) Padrões comportamentais e autorregulação: Estudos de fenotipagem orientada por dados identificam subgrupos hiporresponsivos (hipo-reativos) com perfis próprios de autorregulação. Na clínica, perfis hipo-reativos tendem a apresentar um eixo predominantemente internalizante (isolamento elevado, retraimento, menor iniciativa social), com comportamentos externalizantes geralmente na faixa normativa; em contraste, perfis hiper-reativos aparecem com maior frequência vinculados a externalizantes (maior reatividade, irritabilidade, explosões). Esse arranjo sugere que o continuum hipo ↔ hiper modula a direção do risco (internalizante ↔ externalizante), e que o mapeamento sensorial precisa ser lido junto a marcadores de saliência ambiental e autorregulação (Serrada-Tejeda et al., 2022).

Observações clínicas: menor motivação social intrínseca (baixo interesse espontâneo), pouca camuflagem social (não “força” adaptação superficial), desinteresse ambiental mais profundo, introspecção e atenção social pouco responsiva — porém menor sofrimento quando a socialização é necessária, pois exigências de previsibilidade ambiental pesam menos do que em perfis hiper-reativos. Efeitos associados à baixa motivação social: menor orientação/atenção conjunta e engajamento recíproco; atraso subsequente em linguagem receptiva e sobretudo expressiva (motivação social mais robusta na infância prediz melhor linguagem depois); preferência atencional por estímulos não sociais em vez de rostos; processamento atípico de recompensa (social e não social), com menor “valor” intrínseco de pistas sociais; maior retraimento e risco de ansiedade/anedonia social em subgrupos; diferenças por sexo (meninas tendem a exibir motivação social relativamente mais alta que meninos, o que pode mascarar dificuldades); e maleabilidade da motivação, que a torna alvo útil de intervenção (p.ex., elevar valor de pistas sociais, treinar atenção conjunta, desenhar rotas de reforço social saliente).

2) Cognição social e motivação. Diferenças sensoriais predizem domínios motores, sociais e cognitivos, formando fenótipos sensoriais discretos. Em modelos táteis, vínculos com redes de excitação/inibição apoiam a existência de um mecanismo neurobiológico de “portagem” para a integração senso-cognitiva. Embora medidas clínicas e psicofísicas nem sempre convirjam, a direção é consistente: entrada sensorial atípica, inclusive hiporreativa, ajuda a explicar variações de atenção social, interesse por estímulos sociais e aprendizagem dependente de saliência (Martínez-Sanchis, 2015).
Observações clínicas (linguagem/atenção social e perfil não verbal): quando a saliência social é baixa, observa-se linguagem menos responsiva e pouca iniciativa comunicativa; conforme a gravidade do perfil hipo-reativo aumenta, isso pode se expressar num continuum que vai de fala escassa a ausência de verbalização espontânea (autistas não verbais), com maior dependência de pistas sensoriais e de canais alternativos. Nesse contexto, ecolalias imediatas ou tardias e comunicação idiossincrática (roteiros fixos, frases “de empréstimo”, uso singular de palavras e prosódia atípica) funcionam tanto como estratégias regulatórias de ativação quanto como formas legítimas de expressão e de entrada/saída de interação. A responsividade tende a melhorar quando se eleva a saliência do input de modo seguro e multimodal (voz marcada, gestos claros, suporte tátil/proprioceptivo, recursos visuais), com pistas explícitas de objetivo/turno, tempo ampliado de processamento e CAA (comunicação aumentativa e alternativa). Por isso, é fundamental trabalhar sistematicamente a motivação social — eixo que sustenta atenção conjunta, engajamento recíproco e ganhos de linguagem — integrando intervenções específicas para motivação social ao plano terapêutico.

3) Padrões de sono e energia: Em revisão de escopo, diferenças de reatividade (hipo/hiper e busca) coexistem, de forma consistente, com queixas de sono (resistência para deitar, ansiedade, latência aumentada, despertares, menor duração). Hiporreatividade tátil tende a relacionar-se com insônia. O sono tanto espelha a organização sensorial quanto retroalimenta déficits de atenção, memória e controle inibitório (Lane, Leão, & Spielmann, 2022).
Observações clínicas: em hipo-reativos, é comum baixa energia diurna e ritmos pouco ancorados; intervenções somatossensoriais e higiene do sono estabilizam o ciclo.

A lógica da repercussão: por que menos resposta sensorial pode significar mais risco

Menor ganho de sinal e saliência: estímulos relevantes (sociais, táteis, interoceptivos) não alcançam o limiar de novidade/interesse, reduzindo orientação e aprendizagem contingente (alternância de turnos, leitura de pistas não verbais). Essa subamostragem empobrece repertórios sociais e comunicativos (Martínez-Sanchis, 2015).
Observações clínicas: o ambiente precisa de “input alto” para ser percebido/atraente; quando o contexto fornece pistas fortes e previsíveis, há adesão funcional com pouco sofrimento, mas baixo interesse espontâneo persiste.

Autorregulação sobrecarregada: com entrada periférica inconsistemente fraca, surgem estratégias compensatórias (busca sensorial, autoestimulação) que nem sempre regulam o nível de ativação. Se falham, crescem desregulação emocional e variabilidade atencional; em hiper-reativos, a via tende a externalizantes; em hipo-reativos, a via tende a internalizantes (Serrada-Tejeda et al., 2022).

Acoplamento sono-sensório: hiporreatividade, especialmente tátil, associa-se a insônia/despertares; o sono alterado impacta consolidação de memória, plasticidade e funções executivas, justamente os sistemas que deveriam compensar a subamostragem (Lane et al., 2022).

Do laboratório ao consultório: implicações práticas

Triagem e estratificação: Ir além do “tem/não tem” reatividade, identificando fenótipos sensoriais (por exemplo, hiporresponsivo + baixa energia) para prever riscos internalizantes/externalizantes, perfis de desatenção/hiperatividade e metas adaptativas (Serrada-Tejeda et al., 2022).
Observações clínicas: incluir motivação social intrínseca, interesse ambiental, linguagem/atenção social, sono, alimentação e interocepção como eixos do perfil.

Planos centrados no sensório: Intervenções com pressão profunda, movimento e toque estruturado mostram sinal promissor; protocolos que alinham preferências sensoriais e higiene do sono são sinérgicos e pedem ensaios pragmáticos (Lane et al., 2022).
Observações clínicas: aumentar saliência (voz, gesto, pistas táteis seguras), estruturar turnos e clarear previsibilidade de posição e intensidade do sinal favorece responsividade comunicativa e engajamento em hipo-reativos.

Alimentação e interocepção: há tendência a hiporreatividade interoceptiva (sinais corporais “fracos”), com implicações para fome/saciedade, dor e estados emocionais; recomenda-se dessensibilização gustativo-tátil, rotinas preditivas e treino de atenção interoceptiva/biofeedback (Malhi et al., 2021; Lane et al., 2022).
Observações clínicas: maior diarreia e dificuldade de regulação intestinal; frio e calor pouco percebidos; dor frequentemente subpercebida; tendência à obesidade por saciedade tardia/baixa.

Agenda de pesquisa: integrando medidas e encurtando o “vale” entre relato e fisiologia

A literatura ainda oscila entre questionários/relatos e métricas objetivas (psicofísica, eletroencefalografia/potenciais relacionados a eventos, actigrafia). Para avançar:

  • Coletar dados multiescala (relato + psicofísica + neurofisiologia) em coortes estratificadas por fenótipo sensorial.
  • Modelar circuitos (excitabilidade cortical, ganho sensorial, erro de predição) que liguem hiporreatividade a atenção social, motivação e funções executivas.
  • Testar intervenções sensório-centradas com desfechos objetivos (adaptação, sono, cognição) e marcadores intermediários (potenciais relacionados a eventos, variabilidade de ativação).
  • Usar subgrupos genéticos (por exemplo, SHANK3) como lentes de aumento mecanísticas e para ensaios adaptativos (Walinga et al., 2023; Serrada-Tejeda et al., 2022).

Conclusão

Considerar o desenvolvimento a partir da matriz sensorial coloca a hiporreatividade no centro de um encadeamento que vai do processamento inicial do estímulo à organização de atenção, motivação, linguagem, funções executivas, sono, autorregulação e adaptação. Quando predomina o perfil hipo-reativo, a saliência dos sinais ambientais torna-se insuficiente para sustentar orientação, curiosidade e ciclos de aprendizagem, o que reduz oportunidades de troca social significativa, fragiliza hábitos autorregulatórios e empobrece repertórios cognitivos (Martínez-Sanchis, 2015). Na prática, isso se expressa por um eixo mais internalizante (retraimento, baixa iniciativa social) e por baixa motivação social intrínseca, com adesão funcional quando há pistas fortes, porém pouco interesse espontâneo; no mesmo contínuo, surgem alterações do sono que retroalimentam dificuldades atencionais e de controle inibitório (Lane, Leão, & Spielmann, 2022), bem como efeitos interoceptivos com impacto em fome/saciedade e mealtime (Malhi et al., 2021). Em subgrupos genéticos como a síndrome de Phelan-McDermid, perfis hiporresponsivos associam-se a baixa adaptação com gradiente dose-efeito, reforçando o elo sensorial-adaptativo (Serrada-Tejeda et al., 2022; Walinga et al., 2023).

Diante desse conjunto, perfilar a matriz sensorial (quais modalidades estão mais hipo-reativas, em quais contextos e com quais efeitos sobre sono, alimentação e atenção) deixa de ser detalhe técnico para tornar-se estratégia central: orienta intervenções precoces focadas em elevar saliência de forma segura e multimodal, trabalhar motivação social como alavanca para atenção conjunta e linguagem, estruturar rotinas de sono e personalizar o cuidado alimentar/interoceptivo. Ao mesmo tempo, convida a uma agenda que integre relato, psicofísica e neurofisiologia e teste protocolos sensório-centrados com desfechos funcionais. Em síntese, transformar o sensorial de obstáculo silencioso em vetor de organização é o caminho mais sólido para uma clínica personalizada, precoce e efetiva, alinhada ao que a literatura e a observação clínica convergem em indicar (Martínez-Sanchis, 2015; Lane et al., 2022; Malhi et al., 2021; Serrada-Tejeda et al., 2022; Walinga et al., 2023).

Referências

Lane, S. J., Leão, M. A., & Spielmann, V. (2022). Sleep and sensory processing/integration in autism spectrum disorder: A scoping review. Frontiers in Psychology, 13, 877527.

Malhi, P., Saini, S., Bharti, B., Attri, S., & Sankhyan, N. (2021). Sensory processing dysfunction and meal-time behaviour problems in children with autism spectrum disorder. Indian Pediatrics, 58(9), 842–845.

Martínez-Sanchis, S. (2015). The prefrontal cortex role in autism spectrum disorders sensory impairments. Revista de Neurología, 60(Suppl 1), S19–S24.

Serrada-Tejeda, S., Cuadrado, M. L., Martínez-Piédrola, R. M., Máximo-Bocanegra, N., Sánchez-Herrera-Baeza, P., Camacho-Montaño, L. R., & Pérez-de-Heredia-Torres, M. (2022). Sensory processing and adaptive behaviour among individuals with Phelan-McDermid syndrome. European Journal of Pediatrics, 181(8), 3141–3152.

Walinga, M., Jesse, S., Alhambra, N., Van Buggenhout, G., & PMS-EU Consortium. (2023). Consensus recommendations for altered sensory function as a common phenotype in Phelan-McDermid syndrome. European Journal of Medical Genetics, 66(5), 104726.

 

O QUE A GUERRA FAZ COM A MENTE — MESMO QUANDO SÓ CHEGA PELA TELA

29 setembro, 2025

A guerra não precisa bater à porta para bagunçar o que o cérebro entende por perigo. Acordar com vídeos de explosões no celular e atravessar a rua ao som de sirenes são experiências distintas, mas ambas reorganizam a forma como percebemos ameaças, contamos o tempo e guardamos lembranças. Os estudos mais recentes com civis mostram que a via de exposição — pela mídia ou no cotidiano do conflito — molda tanto a intensidade quanto a duração desse impacto.

Entre quem acompanha à distância, a ameaça chega filtrada pela tela, mas não é branda. Nas primeiras semanas após grandes eventos, o acúmulo de horas diante de coberturas e posts — sobretudo quando incluem imagens gráficas — aumenta o estresse agudo e fragmenta o sono. O corpo entra num compasso ditado por “breaking news”: a notificação vibra e, antes do raciocínio, o coração dispara. As memórias que irrompem sozinhas tendem a ser visuais, como trailers involuntários de um mesmo vídeo, alimentando um ciclo conhecido pelos pesquisadores: quanto mais sofrimento, mais consumo de notícias; quanto mais consumo, mais sofrimento.

No terreno, o quadro muda de textura. Para civis que vivem sob bombardeios, toques de recolher e deslocamentos, a ameaça é concreta e recorrente. O mapa mental ganha zonas de perigo, trajeto a trajeto, e a vigilância se torna prática: distinguir sons, escolher paredes, calcular rotas. As lembranças que voltam sem convite não são só imagens; trazem ruídos, cheiros, vibrações — e com mais chance de persistir quando há explosões, perdas e ruptura da rotina. Em zonas quentes de trabalho, como no caso de jornalistas, socorristas e humanitários, a mente ainda incorpora um vocabulário tático — “onde está a cobertura?”, entendida como proteção física — e um peso moral pelas decisões tomadas sob pressão.

Apesar das diferenças, um mesmo tripé se repete em todos os grupos: intrusões, evitação e hiperalerta. É comum que o sono seja o primeiro a ceder, tornando-se um termômetro precoce da sobrecarga emocional. O que a literatura sugere, portanto, é menos um contraste entre “real” e “virtual” e mais um contínuo de exposição: quantidade e qualidade do contato com a violência — horas de mídia, teor gráfico, proximidade do risco — funcionam como botões de volume. Entender essa gradação ajuda a nomear o que cada civil sente e a orientar respostas proporcionais, tanto na comunicação quanto no cuidado em saúde.

Quando a guerra chega pelo feed (civis à distância):

Quando a guerra chega pelo feed, a ameaça não tem sirene nem vidraça quebrada — é difusa, mas constante. O desfile de imagens fortes cola a atenção na próxima atualização e vai afinando o sono. As lembranças que escapam sozinhas são, em regra, visuais: o cérebro rebobina o mesmo trecho, o mesmo enquadramento, como se exibisse trailers involuntários. Nesse terreno, a ansiedade é flutuante — a sensação de que “algo ruim pode acontecer a qualquer momento” — e a impotência pesa: “não há nada concreto que eu possa fazer”. Para quem vive em diáspora, o feed vira linha de vida; cada notificação parece um veredito sobre quem está vivo e onde ainda é seguro.

Os dados dão corpo a essa experiência. Estudos que medem dose de mídia mostram que, quanto mais horas diárias de cobertura — sobretudo quando há conteúdo gráfico —, maior o estresse agudo e pior o sono. Em alguns eventos, essa carga chegou a ultrapassar a de pessoas com contato direto menos intenso. Há também um circuito que se retroalimenta: quem sofre mais tende a ver mais, e ver mais volta a inflar o sofrimento.

Sob esse regime, o tempo muda de forma. Em vez de dias e semanas, o relógio interno passa a marcar o ritmo das breaking news. Uma vibração no bolso pode soar como uma sirene: antes do pensamento, o corpo reage.

Quando a guerra é o bairro (civis no local do conflito):

Quando a guerra é o bairro, a ameaça deixa de ser hipótese: ela volta todos os dias. O mapa mental dos civis passa a ter zonas marcadas — virar à direita é mais seguro, atravessar a praça, não. Cada gesto comum vira cálculo: comprar pão, buscar água, levar as crianças à escola, escolher a rota de trabalho. A vigilância é prática, quase automática.

As lembranças que irrompem não ficam só na imagem. Voltam com som, cheiro e sensação: o estrondo que vibra no peito, a fumaça que arde, a luz que pisca antes do impacto. O corpo reage antes do pensamento. Entre o medo cotidiano (“como chego em casa hoje?”) e o luto pela vida de antes, o futuro encolhe; planeja-se em blocos curtos, de oportunidade em oportunidade.

Os dados reforçam esse retrato: onde há explosões e violência repetida — sobretudo entre deslocados internos — crescem flashbacks e pesadelos, ansiedade e queixas neurocognitivas. A probabilidade de cronicidade aumenta quando se somam perdas múltiplas, deslocamento e barreiras de acesso a segurança e serviços básicos.

Quando a guerra é o trabalho civil (zona quente)

Quando a guerra é o trabalho do civil — repórter, socorrista, voluntário — a ameaça é imediata e tem manual próprio. A mente passa a operar em modo tático: onde está a cobertura? (cobertura = proteção física real contra tiros e estilhaços: parede, mureta, quina de prédio, motor do carro). Qual é o próximo movimento? Esse raciocínio dá sensação de agência, mas cobra seu preço: decisões sob pressão deixam marcas.

A vigilância vira um giro constante de 360 graus, treinada para captar micro-sinais — um reflexo no vidro, um ruído fora do lugar, um movimento no canto do olho. As memórias voltam com nitidez sensorial: cheiros, vibrações, a cor do céu naquele momento. E com elas aparece um peso específico, a culpa moral pelas escolhas feitas (ou não feitas) para salvar alguém, registrar uma cena, atravessar uma rua. Não é a culpa de “não fazer nada”; é a culpa de ter feito — e precisar conviver com isso.

O que as duas vivências têm em comum

Em todos os cenários, a mesma engrenagem aparece. Intrusões, evitação e hiperalerta formam a tríade que dá o tom do dia. O sono costuma ser o primeiro a ceder: adormece-se tarde, acorda-se cedo, desperta-se no susto. Qualquer som — a notificação do celular, o ronco de um motor, o helicóptero passando — vira atalho da memória, e em segundos o corpo já “voltou” ao lugar do medo. Datas e imagens funcionam como fósforos: um lampejo e tudo reacende.

Onde as diferenças ficam mais claras (cruzando os dados)

◼Qualidade da ameaça

·       Mídia: perigo sem rosto, mediado por tela, intermitente e onipresente.

·       Direta (no local): o ambiente é o perigo — ruas, horários, sons; exposição física a explosões/ataques.

◼Foco da vigilância

·       Mídia: aberto, sempre em busca da próxima atualização.

·       Direta: focado e prático — sons, trajetos, paredes; em zona quente, tático (cobertura, linha de tiro, disciplina de movimentos).

◼Tipo de culpa

·       Mídia: culpa do espectador (“eu só assisto”).

·       Direta: culpa do sobrevivente (“por que eu fiquei?”); em zona quente, culpa moral (por decisões sob pressão).

◼Memória intrusiva

·       Mídia: replays visuais — quadros curtos que voltam sozinhos.

·       Direta: memórias com som, cheiro e vibração; em zona quente, componente cinestésico (posição do corpo, gesto).

◼Ritmo do tempo

·       Mídia: o dia pulsa em alertas.

·       Direta: o cotidiano é redesenhado por riscos; em zona quente, o tempo estica na ação e encolhe na espera.

◼Gradiente observado

·       Curto prazo: doses altas de cobertura midiática, sobretudo gráfica, podem gerar estresse agudo comparável — às vezes superior — ao de contatos diretos menos intensos.

·       Médio/Longo prazo: a exposição direta repetida (explosões, perdas, deslocamento) tende a fixar sintomas e ampliar déficits funcionais.

Zonas de sobreposição

Há pontes óbvias entre essas experiências. Jornalistas e socorristas civis lidam com a exposição direta — o corpo no lugar do risco — e, depois, revisitam as imagens que registraram. É uma dupla codificação da memória: primeiro no impacto, depois no replay da tela. Nas diásporas, o telefone vira linha vital; cada chamada confirma quem está vivo e onde ainda é possível circular. A percepção de perigo se aproxima da de quem permanece no território, e a ansiedade ganha lastro afetivo. Mesmo longe de frentes de batalha, grandes cidades produzem um eco desse estado: moradores traçam mapas informais de risco, escolhem horários “seguros”, sobressaltam-se com barulhos — um regime de vigilância que lembra a vida sob conflito, ainda que sem guerra declarada.

A evidência acumulada sugere um ponto central: a guerra não precisa estar na sua rua para reprogramar o que o cérebro entende por ameaça. O modo de exposição — pela mídia ou diretamente — molda a forma e a duração do sofrimento, mas certos mecanismos se repetem. Três “dials” parecem regular a intensidade da resposta: o tempo de tela, o grau de grafismo das imagens e a proximidade do risco físico. Girados para cima, eles aumentam ansiedade, intrusões e fragmentação do sono; ajustados para baixo, permitem algum respiro.

Quando cruzamos estudos de quem acompanha de longe com estudos de quem vive o conflito no cotidiano, emergem duas verdades simples. A primeira: quantidade e qualidade de exposição importam — horas diárias e conteúdo gráfico elevam o estresse agudo e pioram o sono, e há um circuito de retroalimentação em que sofrer leva a ver mais, e ver mais amplia o sofrimento. A segunda: a exposição direta tem maior propensão a durar — explosões, perdas e deslocamento empurram sintomas (flashbacks, pesadelos, ansiedade) para trajetórias mais persistentes, sobretudo entre deslocados internos.

Apesar desses gradientes, a assinatura do trauma se mantém reconhecível nos três cenários. Intrusões, evitação e hiperalerta compõem a tríade que desorganiza o dia, e o sono costuma ser o primeiro termômetro a subir. As “cores” mudam conforme o contexto: na exposição mediada por tela, predominam replays visuais e um tempo subjetivo guiado por breaking news; na exposição direta, as memórias voltam com som, cheiro e vibração, e a vigilância é prática, voltada a rotas e paredes; nas zonas quentes de trabalho civil, a vigilância é tática, com componente cinestésico nas lembranças e um peso de culpa moral pelas decisões tomadas sob pressão.

Alguns grupos aparecem mais vulneráveis. Diásporas com laços afetivos fortes com as áreas de conflito tendem a experimentar o feed como linha de vida, com maior oscilação emocional a cada notícia. Jovens, pelo padrão de uso intenso de redes, ficam mais expostos a ciclos de comparação e a conteúdos gráficos. E civis deslocados internos, submetidos a ataques recorrentes e barreiras de acesso a serviços, acumulam fatores que favorecem a cronicidade.

No plano clínico, o sono surge como uma via de impacto e um marcador precoce: piora da qualidade, latência alongada, despertares e pesadelos mediam a relação entre exposição e sofrimento. É um alvo objetivo, fácil de monitorar e que antecipa piora funcional. No plano conceitual, a própria moldura diagnóstica está em revisão: a regra do DSM-5 que exclui a exposição por mídia (quando não laboral) como evento traumático vem sendo questionada diante do volume e do realismo das imagens atuais.

Em resumo, a linha que separa o que se vive na rua do que se vê na tela é menos um muro e mais um continuum. Saber onde cada civil está nesse espectro — quanto vê, o que vê e quão perto do risco físico se encontra — ajuda a dimensionar o cuidado e a calibrar a comunicação, com a sobriedade que o assunto exige.

Resumo das percepções em três frases

Em três frases, dá para enxergar o mapa inteiro. Para quem acompanha pela mídia, é a sensação paralisante: “Eu vejo tudo, sinto muito, e não posso fazer nada.” Para civis no local, a rotina se rearranja em torno do perigo: “Eu organizo a vida pelo risco.” E, nas zonas quentes de trabalho civil, onde cada decisão tem peso, fica a marca que não se solta: “Eu decido sob fogo — e levo essas decisões comigo.”

REFERÊNCIAS:

Holman, E. A., Garfin, D. R., & Silver, R. C. (2014). Media’s role in broadcasting acute stress following the Boston Marathon bombings. Proceedings of the National Academy of Sciences, 111(1), 93–98. https://doi.org/10.1073/pnas.1316265110

Cho, S.-J., Jeon, S.-W., & colleagues. (2024). Psychological Distress Trends and Effect of Media Exposure Among Community Residents After the Seoul Halloween Crowd Crush. Journal of Korean Medical Science, 39(33), e233. https://doi.org/10.3346/jkms.2024.39.e233

Brackstone, K., Head, M. G., & Perelli-Harris, B. (2024). Effects of blast exposure on anxiety and symptoms of post-traumatic stress disorder (PTSD) among displaced Ukrainian populations. PLOS Global Public Health, 4(4), e0002623. https://doi.org/10.1371/journal.pgph.0002623

Abdalla, S. M., Cohen, G. H., Tamrakar, S., Koya, S. F., & Galea, S. (2021). Media Exposure and the Risk of Post-Traumatic Stress Disorder Following a Mass Traumatic Event: An In-silico Experiment. Frontiers in Psychiatry, 12, 674263. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.674263

Silva, M. A. M., et al. (2020). Impact of information about COVID-19 on the mental health of the population: A systematic review protocol. Medicine, 99(51), e23298. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000023298

 

NEURORREABILITAÇÃO NO TRANSTORNO OPOSITOR DESAFIADOR (TOD): SÍNTESE PRÁTICA A PARTIR DAS EVIDÊNCIAS FORNECIDAS

28 setembro, 2025

O que é, afinal, o TOD?

O Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) vai muito além de “fases” difíceis. É um padrão consistente — por meses — de irritabilidade, discussões, teimosia e vingança que atrapalha a vida da criança em casa e na escola. Costuma caminhar junto com TDAH e outros problemas de comportamento, por isso o manejo raramente é “uma técnica só”.

🔥A boa notícia: tratamentos comportamentais funcionam:

Em serviços do “mundo real”, programas baseados em Terapia Cognitivo-Comportamental mostraram efeitos grandes para reduzir problemas externos (como explosões e desobediência) e sintomas de TDAH, com taxas de abandono baixas — em linha com estudos de universidades. Em termos simples: dá para transportar o que funciona no laboratório para a clínica e para a escola.

🔥O que costuma ajudar primeiro

  • Treinamento de Pais (Parent Management Training, PMT): Ensina a organizar rotinas, reforçar o que a criança faz bem e aplicar consequências previsíveis e curtas. É a “espinha dorsal” do tratamento do TOD.
  • Soluções Colaborativas e Proativas (CPS): Em vez de vencer no grito, a família aprende a resolver problemas com a criança. Em um ensaio comunitário, CPS foi tão eficaz quanto PMT, com quase metade dos participantes saindo da faixa clínica após o tratamento e ganhos mantidos em 6 meses.
  • PCIT/PCIT-ED com foco em emoções: Em pré-escolares, versões que treinam habilidades emocionais melhoram TOD e até traços de frieza emocional, que costumam prever quadros mais difíceis.

🔥Personalize - para famílias diferentes, caminhos diferentes:

Não é “tamanho único”. Estudos que calcularam um Índice de Vantagem Pessoal (PAI) sugerem que características da família (como monoparentalidade) e a gravidade inicial do TOD podem indicar quem se beneficia mais de um formato comportamental direto ou de um não diretivo (telefonicamente assistido). Em outra análise, mães que atribuíam os problemas “à culpa da criança” tiveram resultados melhores com CPS do que com PMT — um exemplo de como crenças parentais mudam o jogo.

🔥Barreiras não são falhas — são previsíveis (e tratáveis):

Adolescentes com TDAH + TOD e pais com TDAH enfrentam mais obstáculos de engajamento em todas as fases da terapia. Isso pede:

  • Sessões mais longas no início para alinhar expectativas,
  • Metas menores e observáveis (ex.: “3 manhãs sem discussão para vestir o uniforme”),
  • Ferramentas visuais e lembretes para reduzir o esquecimento dos pais.

🔥Digital e à distância - quando (e para quem) faz sentido:

  • Treinos online de pais vêm mostrando eficácia semelhante aos grupos presenciais; toques de suporte por telefone aumentam a adesão e o efeito clínico.
  • Escolas como parceiras: Programas integrados e remotos com professores tiveram boa aceitação e melhorias em atenção e comportamento; no dia a dia, um acordo de sala de aula simples (poucas regras, reforço rápido, sinal discreto para redirecionar) reduz conflito sem estigmatizar.
  • Jogos cognitivo-físicos (como o BrainFit) reduziram sintomas de TDAH e escores de TOD em um ensaio controlado de 4 semanas, com ganhos em funções executivas — uma janela viável para crianças que “travam” em tarefas de autocontrole.
  • Mindfulness e neurofeedback: evidências ainda modestas ou mistas para TOD; podem ajudar atenção e irritabilidade em subgrupos específicos, mas não substituem PMT/CPS.

🔥Irritabilidade - tratar o “calor” do momento:

A irritabilidade crônica alimenta discussões. Módulos breves focados em regulação emocional (para pais e crianças) mostraram melhora de irritabilidade e sintomas de TOD. Em termos práticos:

  • nomeie a emoção (“isso é frustração, não desobediência pura”),
  • reduza a chama (pausa breve, respiração, mudar de ambiente),
  • só depois resolva o problema e combine o que muda da próxima vez.

🔥E no longo prazo?

Embora amostras pequenas, um seguimento de 12 anos não encontrou resultados piores em jovens que fizeram psicanálise sem medicação comparados a quem recebeu terapia comportamental + medicação na infância. A lição não é trocar métodos, mas lembrar que a aliança terapêutica estável e o trabalho prolongado importam — e que trajetórias podem convergir quando há apoio consistente.

🔥Quando os recursos são limitados:

Em países de média e baixa renda, metilfenidato é o tratamento mais disponível para TDAH, mas o acesso a intervenções parentais é o gargalo. Plataformas online, protocolos de treinos breves e parcerias escola-saúde são estratégias realistas para ampliar cobertura sem perder qualidade.

🔥Um roteiro de neurorreabilitação do TOD, passo a passo:

  1. Mapeie os “pontos de atrito”: Quais situações geram explosão (manhãs? tarefas? hora de dormir)? Liste 1–2 alvos comportamentais claros por vez.
  2. Reforce antes de punir: Elogie comportamentos-alvo em 10 segundos; registre pontos/tokens simples; torne a consequência negativa curta e previsível.
  3. Resolva problemas com a criança: “Notei que a lição vira briga. O que torna isso difícil? Vamos testar duas ideias esta semana.”
  4. Prevenção no ambiente: Rotinas visuais, dividir tarefas em passos, antecipar transições com avisos.
  5. Coordene com a escola: Cartão-sinal discreto para autorregulação, reforço imediato e comunicação casa-escola em uma página.
  6. Treine emoções: Ensine a reconhecer sinais corporais, use “pausas frias” (curtas, sem moralizar) e retome combinando alternativas.
  7. Use o digital com propósito: Se optar por app/teleatendimento, combine lembretes e breves check-ins (mensais) para manter a motivação.
  8. Monitore progresso a cada 2–4 semanas: Uma escala curta de TOD/irritabilidade e um indicador funcional (atrasos pela manhã, ligações da escola).
  9. Ajuste pelo perfil da família: Se há crença forte de “culpa da criança”, dê preferência a CPS; se organização é o ponto fraco, PMT estruturado tende a render mais.
  10. Cuide do cuidador: Sono, humor e TDAH em pais influenciam adesão; trate em paralelo quando preciso.

🔥Três ideias para começar nas próximas sessões:

  • Escolha um comportamento-alvo observável (ex.: “guardar o material em 5 minutos após o aviso”).
  • Crie uma régua de reforço simples (3 estrelas/dia = 20 min de jogo em família; zera no dia seguinte).
  • Planeje uma conversa CPS de 10 minutos, fora do conflito, para um único problema recorrente.

🔥Uma última palavra:

O TOD é desafiador — por definição. Mas os dados apontam um fio condutor: pais e crianças aprendem novas habilidades, e essas habilidades mudam a relação. Quando escola e família falam a mesma língua, quando a terapia cabe na rotina e quando expectativas são calibradas, os “nãos” perdem a função — e dão espaço para combinados que a criança consegue cumprir.

Referências

Zhao, L., Agazzi, H., Du, Y., Meng, H., Maku, R., Li, K., Aspinall, P., Garvan, C. W., & Fang, S. (2024). A digital cognitive-physical intervention for attention-deficit/hyperactivity disorder: Randomized controlled trial. Journal of Medical Internet Research, 26, e55569. https://doi.org/10.2196/55569

Kaur, M., Floyd, A., & Balta, A. M. (2022). Oppositional defiant disorder: Evidence-based review of behavioral treatment programs. Annals of Clinical Psychiatry, 34(1), 44–58. https://doi.org/10.12788/acp.0056

Laezer, K. L., Tischer, I., & Gaertner, B. (2025). 12 Jahre nach Behandlungsbeginn – Ergebnisse einer deskriptiven Katamnese… [A 12-year follow-up – Results of a descriptive catamnesis…]. Prax Kinderpsychol Kinderpsychiatr, 74(1), 36–60. https://doi.org/10.13109/prkk.2025.74.1.36

Ros-DeMarize, R., Klein, J., & Carpenter, L. A. (2023). Behavioral parent training engagement among young children with autism spectrum disorder. Behavior Therapy, 54(5), 892–901. https://doi.org/10.1016/j.beth.2023.03.008

Pipe, A., Ravindran, N., Paric, A., Patterson, B., Van Ameringen, M., & Ravindran, A. V. (2022). Treatments for child and adolescent ADHD in low and middle-income countries: A narrative review. Asian Journal of Psychiatry, 76, 103232. https://doi.org/10.1016/j.ajp.2022.103232

Johansson, M., Greenwood, L., Torres Antunez, G., Link, K., & Sibley, M. H. (2023). Predictors of engagement barriers for adolescent ADHD treatment. Journal of Attention Disorders, 27(5), 499–509. https://doi.org/10.1177/10870547231153876

Hautmann, C., Dose, C., Hellmich, M., Scholz, K., Katzmann, J., Pinior, J., Gebauer, S., Nordmann, L., Wolff Metternich-Kaizman, T., Schürmann, S., & Döpfner, M. (2023). Behavioural and nondirective parent training for children with externalising disorders: First steps towards personalised treatment recommendations. Behaviour Research and Therapy, 163, 104271. https://doi.org/10.1016/j.brat.2023.104271

Riise, E. N., Wergeland, G. J. H., Njardvik, U., & Öst, L. G. (2021). CBT for externalizing disorders in routine clinical care: A systematic review and meta-analysis. Clinical Psychology Review, 83, 101954. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2020.101954

Murrihy, R. C., Drysdale, S. A. O., Dedousis-Wallace, A., Rémond, L., McAloon, J., Ellis, D. M., Halldorsdottir, T., Greene, R. W., & Ollendick, T. H. (2023). Community-delivered CPS and PMT for oppositional youth: A randomized trial. Behavior Therapy, 54(2), 400–417. https://doi.org/10.1016/j.beth.2022.10.005

Dedousis-Wallace, A., Drysdale, S. A. O., McAloon, J., Murrihy, R. C., Greene, R. W., & Ollendick, T. H. (2025). Predictors and moderators of two treatments of oppositional defiant disorder in children. Journal of Clinical Child & Adolescent Psychology, 54(1), 67–82. https://doi.org/10.1080/15374416.2022.2127102

Cuffe, S. P., Visser, S. N., Holbrook, J. R., Danielson, M. L., Geryk, L. L., Wolraich, M. L., & McKeown, R. E. (2020). ADHD and psychiatric comorbidity: Functional outcomes in a school-based sample. Journal of Attention Disorders, 24(9), 1345–1354. https://doi.org/10.1177/1087054715613437

Ng, P. M. L., Cohen-Silver, J., Yang, H., Swaminathan, A., & Wormsbecker, A. E. (2022). Pediatric school outreach: Clinical needs of an urban student population. Clinical Pediatrics, 61(11), 776–784. https://doi.org/10.1177/00099228221101242

Hornstra, R., van der Oord, S., Staff, A. I., Hoekstra, P. J., Oosterlaan, J., van der Veen-Mulders, L., Luman, M., & van den Hoofdakker, B. J. (2021). Which techniques work in behavioral parent training for children with ADHD? Journal of Clinical Child & Adolescent Psychology, 50(6), 888–903. https://doi.org/10.1080/15374416.2021.1955368Groenman, A. P., Hornstra, R., Hoekstra, P. J., Steenhuis, L., Aghebati, A., Boyer, B. E., … van den Hoofdakker, B. J. (2022). An individual participant data meta-analysis: Behavioral treatments for children and adolescents with ADHD. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, 61(2), 144–158. https://doi.org/10.1016/j.jaac.2021.02.024

 

QUEM RESPONDE MELHOR À TMS? O QUE A CIÊNCIA MAIS RECENTE JÁ CONSEGUE DIZER

27 setembro, 2025

Por que alguns pacientes melhoram com estimulação magnética transcraniana (TMS) e outros não? A resposta curta: porque depressão não é uma doença única — é um conjunto de circuitos do cérebro que podem estar desregulados de formas diferentes em cada pessoa. Nos últimos meses de 2025, estudos de neuroimagem, EEG e aprendizado de máquina trouxeram pistas mais claras sobre preditores de resposta e sobre como personalizar o tratamento, sem perder de vista o que funciona no mundo real.

O circuito que volta sempre: DLPFC, redes frontoparietais e o “nó” subgenual

Um grande meta-estudo de neuroimagem apontou convergência em nível de rede, destacando o papel da rede frontoparietal e, dentro dela, do córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (DLPFC) — o alvo clássico da TMS para depressão (1). Essa rede se comunica com a córtex cingulado subgenual (sgACC), um “nó” frequentemente hiperativo na depressão. Trabalhos recentes mostram que escolher alvos com forte conectividade funcional de repouso (rsFC) com a sgACC muda de forma mensurável as respostas evocadas nesse mesmo nó, inclusive em pacientes deprimidos (3), e que mapas de conectividade sgACC-DLPFC baseados em big data podem refinar o ponto de estimulação em cada indivíduo (11, 37). Em resumo: não é apenas onde está a bobina, mas que circuito ela alcança (1, 3, 11, 37).

Personalizar ajuda? Sim… mas nem sempre adiciona benefício além do “fixo”

“Personalizar” parece intuitivamente melhor — usar MRI/EEG para guiar o alvo ou o timing. Mas uma meta-análise de ensaios com comparação ativa não encontrou vantagem clara de protocolos personalizados versus protocolos fixos (como Beam F3) em eficácia antidepressiva média (2). E, do outro lado, um estudo de vida real sugeriu que aperfeiçoar heurísticas de alvo no couro cabeludo (6 cm vs. F3 vs. F3 ajustado) não alterou desfechos clínicos (42). A mensagem prática: personalização pode ser útil, mas não substitui a execução consistente de protocolos validados e o acompanhamento clínico cuidadoso (2, 42).

EEG: do “alfa” ao microstate — sinais que começam a ganhar tração

No EEG basal, dois marcadores se destacaram:

  • Assimetria alfa frontal (FAA): menor FAA (com predominância alfa à esquerda) previu melhor resposta à TBS-rTMS em transtorno depressivo resistente (16).

  • Picos de microstates: em pacientes com anedonia, mudanças específicas (p.ex., aumento da ocorrência do microstate C) andaram junto com melhora clínica após rTMS direcionado por circuito DLPFC-núcleo accumbens (10).


Há mais: potenciais evocados por TMS (TEPs) se relacionaram a domínios cognitivos em MDD (por exemplo, N100 e P30 com atenção/linguagem), reforçando a ideia de que marcadores neurofisiológicos podem indexar sintomas-alvo e orientar ajustes finos (17). E em protocolos de iTBS, um estudo com fNIRS sugeriu que idade, sexo e traços afetivos modulam a resposta hemodinâmica imediata no DLPFC — pistas para calibrar intensidade e dosagem (13). Já a excitabilidade motora como preditor clínico direto mostrou resultados mais discretos em populações psiquiátricas (8).

fMRI: o que o padrão de repouso prevê

Uma meta-análise de conectividade funcional pré-tratamento (fMRI) indica que conexões no Default Mode Network (DMN) e na Frontoparietal Network (FPN) antecipam quem responde tanto a neuromodulação quanto a psicoterapia — e que restaurar a DMN é um denominador comum dos tratamentos eficazes (32). Ensaios translacionais reforçam que alvos conectados (ou anticorrelacionados) à sgACC são particularmente promissores (1, 3, 11, 39).

Algoritmos clínicos: dados do prontuário e perfis metabólicos contam

Modelos de machine learning alimentados por prontuários (EMR) alcançaram AUCs ~0,69–0,75 para prever resposta/remissão, com ansiedade comórbida, obesidade, benzodiazepínicos/antipsicóticos em uso e cronicidade reduzindo a chance de resposta; TBS e maior número de sessões associaram-se a melhores desfechos (9). Em outros coortes, marcadores metabólicos (IMC, LDL/HDL, HOMA-IR, BDNF, hsCRP) melhoraram a predição em semanas 4–12 (34). Estudos multicêntricos apontam ainda fatores psicossociais simples — estar empregado e casado — como ligados a melhores taxas de resposta/remissão; uso atual de álcool e maior duração do episódio jogam contra (33, 35).

Parênteses importantes: idosos, adolescentes e protocolos acelerados

  • Idosos respondem tão bem quanto adultos mais jovens em cenários clínicos naturais, inclusive em remissão precoce; não há motivo para subtratar pela idade (19, 24).

  • Em adolescentes, queda precoce da irritabilidade ao longo do curso de TMS se associou a melhor desfecho global — um alvo de acompanhamento útil (21).

  • Protocolos acelerados/TBS ganham espaço; embora a duração da remissão varie, há subgrupos sustentados e tempo-eficiência que interessa ao paciente (35).


E a intensidade/“dose” do iTBS?

No nível mecanístico, iTBS pode modular a “entropia” cerebral (BEN) de modo dependente da intensidade — sub-limiar (90% rMT) versus supra-limiar (120% rMT) tiveram efeitos opostos, com sinais de maior efetividade para sub-limiar em marcadores exploratórios (5). Isso conversa com achados hemodinâmicos e EEG, sugerindo que dosagem ótima pode não ser simplesmente “mais forte é melhor” (5, 13, 16).

O que isso significa para você (ou para o seu serviço)

  • Faça o básico muito bem. Protocolos validados (p.ex., 10 Hz DLPFC esquerdo; iTBS) aplicados com boa aderência e número suficiente de sessões seguem como padrão de ouro (2, 42).

  • Escolha de alvo com base em circuito, quando disponível, provavelmente ajuda — especialmente se você já tem fMRI de repouso; mirar regiões anti-correlacionadas/fortemente conectadas à sgACC é uma estratégia coerente com as evidências (1, 3, 11, 37, 39).

  • Use marcadores simples para estratificar risco/expectativa: ansiedade comórbida, obesidade, uso de benzodiazepínicos/antipsicóticos, álcool atual e longa cronicidade reduzem a probabilidade de resposta; emprego/apoio social ajudam (9, 33, 34, 35).

  • Considere EEG quando possível. FAA basal e microstates podem orientar ajustes ou monitoramento em casos de anedonia e TBS (10, 16).

  • Em idosos e adolescentes, TMS é opção eficaz e segura; acompanhe irritabilidade como sinal de trajetória em jovens (19, 21, 24).

  • Se personalizar, personalize de verdade: se puder usar fMRI/rsFC para alvos de rede, faz mais sentido do que apenas trocar de heurística no couro cabeludo (11, 37, 42).


Referências

  1. Saberi, A., … & Tahmasian, M. (2025). Convergent functional effects of antidepressants in major depressive disorder: A neuroimaging meta-analysis. Molecular Psychiatry, 30(2), 736–751. https://doi.org/10.1038/s41380-024-02780-6

  2. Terao, I., & Kodama, W. (2025). Effectiveness of personalized rTMS… Journal of Affective Disorders, 381, 275–280. https://doi.org/10.1016/j.jad.2025.04.028

  3. Duprat, R. J., … & Oathes, D. J. (2025). Resting fMRI-guided TMS… NeuroImage, 305, 120963. https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2024.120963

  4. Zhu, L., … & Guo, Y. (2025). Concurrent TMS-EEG… Parkinson’s disease. Neurotherapeutics, 22(4), e00577. https://doi.org/10.1016/j.neurot.2025.e00577

  5. Liu, P., … & Zhang, H. (2025). iTBS & brain entropy. Neurotherapeutics, 22(3), e00556. https://doi.org/10.1016/j.neurot.2025.e00556

  6. Csukly, G., … (2025). Response prediction for rTMS. Current Opinion in Psychiatry, 38(5), 334–340. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000001026

  7. Thörnblom, E., … & Bodén, R. (2025). Motor cortex excitability… Journal of Psychiatric Research, 181, 99–107. https://doi.org/10.1016/j.jpsychires.2024.11.055

  8. Benster, L. L., … & Kohn, J. N. (2025). Predictive modeling with EMR. Translational Psychiatry, 15, 160. https://doi.org/10.1038/s41398-025-03380-w

  9. Che, Q., … & Yu, F. (2025). EEG microstate & anhedonia. Behavioural Brain Research, 483, 115463. https://doi.org/10.1016/j.bbr.2025.115463

  10. Chen, X., … & Yan, C. G. (2025). sgACC FC big data & TMS. Science Bulletin, 70(16), 2676–2690. https://doi.org/10.1016/j.scib.2025.05.042

  11. Xia, A. W. L., … & Kranz, G. S. (2025). iTBS/fNIRS. Brain Stimulation, 18(2), 235–245. https://doi.org/10.1016/j.brs.2025.02.008

  12. Provaznikova, B., … & Olbrich, S. (2025). FAA prediz TBS. Journal of Psychiatric Research, 182, 4–12. https://doi.org/10.1016/j.jpsychires.2025.01.002

  13. Li, J., … & Zhang, X. (2025). TEPs & cognição em MDD. Progress in Neuro-Psychopharmacology & Biological Psychiatry, 136, 111184. https://doi.org/10.1016/j.pnpbp.2024.111184

  14. Valiengo, L., & Richinho, V. (2025). TMS em depressão tardia. Current Opinion in Psychiatry, 38(5), 389–394. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000001020

  15. Delaney, K., … & Croarkin, P. E. (2025). Irritabilidade em adolescentes. Journal of Clinical Psychiatry, 86(2), 24m15684. https://doi.org/10.4088/JCP.24m15684

  16. Harika-Germaneau, G., … & Jaafari, N. (2025). rTMS em idosos. Aging & Mental Health, 29(9), 1596–1603. https://doi.org/10.1080/13607863.2025.2490997

  17. Mao, Y., … & Dai, Z. (2025). Meta-análise fMRI de preditores. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 172, 106120. https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2025.106120

  18. Chu, C. S., … & Noda, Y. (2025). Preditores Taiwan/Japão. Asian Journal of Psychiatry, 109, 104541. https://doi.org/10.1016/j.ajp.2025.104541

  19. Liu, I. C., … & Chen, P. S. (2025). ML com fatores metabólicos. Journal of Affective Disorders, 388, 119503. https://doi.org/10.1016/j.jad.2025.119503

  20. Plevin, D., … & Chen, L. (2025). Preditores em aBLTBS. World Journal of Biological Psychiatry, 26(3), 153–157. https://doi.org/10.1080/15622975.2025.2468240

  21. Sun, W., … & Eldaief, M. C. (2025). Modelagem de rede e TMS. Human Brain Mapping, 46(11), e70266. https://doi.org/10.1002/hbm.70266

  22. Guo, P., … & Xia, Y. (2025). sMRI-guiado e DMN. Journal of Affective Disorders, 390, 119772. https://doi.org/10.1016/j.jad.2025.119772

Sakreida, K., … & Poeppl, T. B. (2025). Heurísticas de alvo. BMJ Mental Health, 28(1), e301598. https://doi.org/10.1136/bmjment-2025-301598

 

PENSAR, ANDAR, FALAR: POR QUE A REABILITAÇÃO COMEÇA NO MOVIMENTO

26 setembro, 2025

Nas salas de fisioterapia e nos consultórios de fono e neuropsicologia, uma mesma cena se repete: quando colocamos o corpo para agir — caminhar com ritmo, alcançar, falar acompanhando gestos — a cognição acorda. Isso não é coincidência. Uma síntese abrangente publicada em Frontiers in Public Health argumenta que funções motoras e cognitivas são duas faces da mesma rede — nasceram juntas na nossa evolução bípede, compartilham circuitos e podem ser treinadas em sincronia (Leisman, Moustafa & Shafir, 2016).

A boa notícia para saúde e educação: se são redes que se conversam, reabilitar uma ajuda a reabilitar a outra. Em outras palavras, programas que integram movimento e tarefas cognitivas tendem a produzir ganhos mais amplos do que intervenções “em silos”.

⛹️‍♂️O que a ciência diz

1) Motores e cognição dividem infraestrutura.
Áreas como córtex pré-motor, SMA, gânglios da base, cerebelo e lobos frontais coordenam tanto sequências de movimentos quanto planejamento, atenção e tomada de decisão. Em tarefas guiadas por pistas internas (planejar) e externas (responder), esses centros se coativam e trocam informação — não é linha de montagem, é rede.

2) Imaginar movimento já é treino.
Imagens motoras e observação de ações ativam partes das mesmas redes que a execução real. Em pacientes com restrições, treinar a “imágetica do movimento” (imaginar, observar, ensaiar mentalmente) prepara o cérebro para executar depois e acelera a recuperação.

3) Ritmo e marcha organizam o cérebro.
A marcha humana é um “software” rítmico sofisticado. Treinos que usam ritmo, cadência e sincronização (metrônomo, música, passos marcados) estabilizam atenção, previsão e controle inibitório — pilares do funcionamento executivo.

4) Eficiência é o objetivo, não esforço bruto.
Com prática, o cérebro usa menos áreas para a mesma tarefa — fica mais eficiente. É isso que vemos quando uma habilidade automatiza (descer escadas sem pensar no próximo degrau) e quando a reabilitação dá certo: menos gasto, mais desempenho.

5) Exercício muda o cérebro.
Sessões únicas e curtas de atividade aeróbica já elevam marcadores de atenção, memória e plasticidade; programas regulares espessam tratos de substância branca, preservam volume de substância cinzenta e aumentam conectividade funcional. Movimento não apenas “acompanha” a cognição: ele a potencia e faz parte dela.

⛹️‍♂️Princípios basais para orientar a neurorreabilitação sem protocolo passo a passo, mas com bússola científica:

·       Integração antes de isolamento.
Combine metas motoras e cognitivas na mesma tarefa (andar + contagem alternada; alcance + decisão rápida; fala + gesto). O que integra reforça redes distribuídas.

·       Do implícito ao explícito.
Comece com acoplamento sensório-motor (ritmo, pistas visuais, gestos), depois retire pistas gradualmente para promover autonomia e eficiência.

·       Modulação mental conta.
Inclua imagética motora e observação de ação quando a execução está limitada ou entre blocos físicos; elas pré-ativam os mesmos circuitos e encurtam o caminho da aprendizagem.

·       Ritmo é ferramenta terapêutica.
Use marcadores temporais (música, metrônomo, sílabas ritmadas) para estabilizar timing, atenção sustentada e antecipação — especialmente em tarefas de marcha, fala e coordenação fina.

·       Variabilidade com propósito.
Repita para consolidar, varie para generalizar (contextos, velocidades, superfícies, estímulos). A rede aprende padrões e flexibilidade.

·       Feedback que guia, não que prende.
Forneça pistas claras (auditivas, visuais, táteis) e retire-as aos poucos. O objetivo é transferir o controle para o sistema do paciente.

·       Dose e janela.
Sessões curtas e frequentes, com pausas suficientes para consolidação (sono importa), tendem a render mais do que maratonas esporádicas.

·       Medição funcional.
Avalie desempenho real (andar enquanto fala, lembrar enquanto manipula, responder enquanto se desloca). Se a eficiência aumenta (menos custo, mais acerto), a rede está se reorganizando.

⛹️‍♂️Por que isso conversa com escola e clínica

  • Em crianças, marcos motores mais precoces predizem melhor desempenho executivo e acadêmico anos depois — um lembrete de que recreio ativo, aulas com movimento e educação física de qualidade são políticas cognitivas.
  • Em idosos e em condições neurológicas, circuitos motores podem “puxar” a cognição: caminhar com cadência, exercícios coordenativos e atividades de dupla tarefa protegem atenção e fluência, e podem atrasar declínios funcionais.

⛹️‍♂️O fio condutor: neuroplasticidade comportamental

Aprender — na reabilitação, na escola, na vida adulta — é neuroplasticidade expressa em comportamento. Quando um paciente sincroniza o passo a um compasso e acerta mais itens de memória logo depois, estamos vendo a rede reorganizar caminhos. Quando uma criança lê melhor após uma sequência de jogos motores rítmicos, o cérebro integrou percepção, sincronia temporal e linguagem.

O recado central do corpo da evidência é simples e fundamental: mexa para pensar melhor; pense para mexer melhor.
Projetos clínicos e educacionais que tratam movimento como parceiro da cognição colhem ganhos duplos — e mais duradouros.

⛹️‍♂️Referência-âncora

Leisman G., Moustafa A.A., Shafir T. (2016). Thinking, Walking, Talking: The Integrative Motor and Cognitive Brain Function. Frontiers in Public Health, 4:94. doi:10.3389/fpubh.2016.00094.

 

NÃO É APENAS SOBRE UM CACHORRO. É SOBRE A BIOPSIA DE UM DIAGNÓSTICO CLÍNICO

8 setembro, 2025

Melzinho não era apenas um poodle cheio de energia. Era um cão alegre, sensível, parte viva do nosso cotidiano. Aos poucos, porém, pequenos gestos começaram a quebrar esse ritmo em meio a nossa miopia: um tremor diante de qualquer emoção ou ansiedade, uma respiração às vezes mais ruidosa. Nós os atribuíamos ao clima, à sua sensibilidade. Estávamos em viagem há dois meses, atravessando regiões mais frias do que nosso habitat, e os tremores pareciam apenas resposta ao frio ou ao seu temperamento intenso. Até o sábado, quando dois episódios de vômito levaram Melzinho a desmaiar e perder a consciência — o início de uma saga que nos faria passar por três veterinários em menos de 48 horas.

Na conversa rasa investigativa com o primeiro veterinário, os sinais mais sutis foram esquecidos. O primeiro diagnóstico: “os vômitos causaram os desmaios”. E vieram remédios — Cerenia, metilcobalamina e buscapina — enquanto eu segurava a respiração, na falsa crença de que seria apenas vômitos. Os tremores pararam, Melzinho parecia melhor. Mas era apenas silêncio antes da tempestade.

No dia seguinte, doze horas depois, veio a recaída: uma convulsão súbita e grave nos levou ao segundo veterinário. Entre hipóteses vagas, quase sem considerar a história clínica, falou em “intoxicação aguda” ou em uma possível questão cardíaca a ser investigada no próximo dia útil. Ainda assim, repetiu a mesma medicação injetável do primeiro colega — mesmo sem acreditar na mesma causa. Minutos após sairmos do consultório, Melzinho sofreu uma convulsão violenta, novamente, e o carro precisou dar meia-volta em direção à clínica. Foi medicado para convulsão, recebeu soro, e voltou para casa mais calmo, mas apático e aparentemente desorientado.

Horas depois, em casa, confirmei o que já estava presente antes da consulta: Melzinho não enxergava nem ouvia pelo lado esquerdo. Testes simples, que fiz eu mesma, mas que não foram realizados em nenhum dos exames clínicos. O sinal neurológico não foi investigado, embora eu tivesse contado que ele batia a cabeça nos móveis, desorientado. O segundo veterinário explicou: “é apenas consequência da convulsão”. Não era.

Hoje, 8 de setembro, a piora mostrou-se irreversível. A respiração de Melzinho tornou-se frágil, os desmaios se repetiam, as convulsões vinham mais frequentes e intensas. No terceiro veterinário, as hipóteses soaram vagas: tumor, AVC, problema cardíaco. Nenhuma conectava os sinais que se acumulavam há semanas, apesar da minha insistência de que tudo apontava para uma causa neurológica. Mas já era tarde. O quadro era gravíssimo, a respiração colapsava, e qualquer tentativa de intervenção serviria apenas para prolongar o sofrimento. Naquele momento, a eutanásia não foi desistência, mas o último gesto de amor que eu poderia oferecer.

No entanto, o que a clínica mostrava — e ninguém disse em voz alta — era mais profundo do que sintomas isolados. Os tremores recorrentes, sobretudo no frio ou em momentos de emoção, apontavam para disfunção neurológica progressiva, cerebelo e tronco encefálico. Os vômitos e desmaios sinalizavam comprometimento do bulbo. As convulsões e a perda de visão e audição unilateral indicavam lesão cortical, no hemisfério direito. O hábito de lamber coisas no chão meses antes, incluindo um episódio que lambeu chorume, numa distração na rua, ampliava o risco de encefalite infecciosa — cinomose, toxoplasmose, neosporose. O quadro não era gastrointestinal, nem cardíaco: era uma doença neurológica silenciosa, que se manifestava aos poucos e que só pode ser compreendida olhando a linha do tempo completa.

“Todo paciente tem uma história para contar”. A frase que dá título ao livro de Lisa Sanders ecoa forte agora. Porque Melzinho teve a dele — em forma de tremores “emocionais”, calafrios repetidos, respiração ofegante ao final, olhos que deixaram de piscar ao aproximar de pupila, crises convulsivas cada vez mais graves. Três consultas diferentes não conseguiram conectar essa narrativa. Cada profissional viu apenas um pedaço do enredo. E a história ficou sem tradução.

Essa falha não pertence apenas à veterinária. É da prática clínica em geral, quando a pressa ocupa o lugar da escuta e o diagnóstico se reduz a um rótulo rápido para silenciar sintomas. Pior ainda, quando a história clínica é abandonada e os exames se tornam a única âncora, como se os números pudessem responder sozinhos. Assim, o raciocínio se inverte: não se parte de uma hipótese construída a partir da narrativa do paciente, mas de exclusões sucessivas ditadas pelos resultados. Foi o que aconteceu com Melzinho — sangue, glicemia, parâmetros cardíacos. Nenhum deles respondia à pergunta central.

A tecnologia pode ser uma ponte. Ferramentas capazes de reunir os sinais dispersos da história clínica, cruzar padrões e levantar hipóteses teriam acendido um alerta: “encefalite? investigar causas neurológicas?”. Os sintomas estavam ali, claros, pedindo conexão. Talvez o destino de Melzinho não fosse diferente. Mas a leitura teria nos dado algo fundamental, nos momentos de angustia: respostas, menos incerteza, e a chance de transformar o cuidado em verdadeira compreensão.

 Desta forma, o que nos pegou de surpresa em apenas 48 horas, na verdade, já vinha sendo escrito em silêncio havia meses. Os tremores recorrentes, a respiração mais ruidosa, a perda de peso discreta — sinais que pareciam banais ou atribuídos ao frio — eram capítulos iniciais de uma doença neurológica infecciosa em evolução. A súbita descompensação com vômitos, convulsões e perda sensorial não surgiu do nada: foi o desfecho de um processo que se desenrolava lentamente, invisível a olhos desatentos. Só a coleta cuidadosa da história clínica teria permitido enxergar a linha contínua que unia todos esses sinais e dado a chance de compreender, de fato, a narrativa que o corpo de Melzinho já contava.

Não é apenas sobre um cachorro. É sobre como diagnosticamos os que dependem de nós — cães, gatos, pessoas. Melzinho nos lembra que cada sintoma, por menor que pareça, faz parte de uma narrativa maior. E que o ato clínico é, acima de tudo, saber ouvir essa história.

 

CRÔNICA — “LEITE QUENTE, NERVOS EXPOSTOS”

7 setembro, 2025

O sol de Almería cozinha tudo: rochas, peles, ressentimentos. Em Hot Milk, Sofia empurra a cadeira de rodas da mãe como quem empurra uma hipótese teimosa — e toma notas mentais como a antropóloga que (quase) é. No filme, Rebecca Lenkiewicz injeta, com delicadeza, Margaret Mead no enquadramento: Sofia a lê, a cita, e o próprio filme costura imagens etnográficas (o transe balinês filmado por Mead e Gregory Bateson em 1937) como quem lembra que, às vezes, precisamos observar o ritual de longe para entender a dor de perto.

Não é capricho erudito. Mead vira bússola ética: o olhar de campo, a suspensão do juízo, a pergunta pelo contexto. Na Espanha “primitiva” — adjetivo que o roteiro deixa escapar, irônico — mãe e filha performam papéis antigos sob luz nova: a doente que paralisa e a cuidadora que ferve. O filme estreou em competição na Berlinale em 14 de fevereiro de 2025 e chegou aos cinemas no meio do ano; Lenkiewicz, agora diretora, troca o tratado pela fábula quente da dependência.

Se Sofia lê Mead, também lê, sem saber, Bowlby. No começo, o vínculo parece aquele apego ansioso-ambivalente (resistente): a figura de apego ora acena, ora some; a criança então maximiza sinais — clama, vigia, agarra — e quando a mãe se aproxima, tanto busca quanto resiste ao contato. No experimento da Situação Estranha, esse padrão (o Padrão C de Ainsworth) aparece como uma coreografia de “vem, mas não vem”. Em Almería, essa dança se repete: Sofia cerca a mãe, a protege, e, num mesmo gesto, a culpa.

Bowlby lembraria que um apego seguro nasce quando a figura é acessível e disponível, permitindo à criança internalizar uma base segura da qual parte e para a qual retorna. O cinema nos dá uma versão adulta dessa passagem: conforme Sofia encontra uma linguagem própria — a amante, o mar, o corpo que volta a ser seu —, a “parceria dirigida para a meta” deixa de ser o controle da mãe e vira o controle de si. É discreto, nada edificante, mas há movimento: da simbiose quente para um desapego funcional que, paradoxalmente, permite cuidado melhor.

A dor de Rose deixa de ser mistério clínico para tornar-se sintoma com endereço afetivo: médico, ela própria, a fisioterapeuta e o ex-marido apontam o mesmo mapa — nenhum exame fixa a causa, tudo conduz a uma origem emocional. A literatura clínica conversa com essa cena: ansiedade de apego costuma colar-se à dor persistente, e a catastrofização — esse pensamento que amplia o sofrimento — ajuda a explicar sua intensidade. Não é destino biográfico, é lente de aumento. Em quem vive a relação de apego pela via da prevenção/evitação, a autogestão da dor costuma falhar. O filme não precisa didatismo nem laudos: basta a imagem da perna que emperra quando a história trava — e, no final, o gesto discreto do enredo inclina o sentido para o psicológico.

Também importa o que liga e o que culpa. Em perdas e lutos (inclusive os perinatais), a autoculpa piora o ajuste psicológico, enquanto a conexão social — sensação de pertencimento real — medeia o impacto dos estilos de apego e ajuda a reconfigurar o sofrimento. Hot Milk sussurra isso nas entrelinhas: quando Sofia encontra uma trama de vínculos fora do eixo mãe-filha, a dor reorganiza-se; quando o círculo fecha sobre as duas, a culpa toma o volante.

Há ainda a antropologia no próprio gesto de filmar. Lenkiewicz já comentou o interesse de Sofia por Mead, e como essa referência se infiltra nas escolhas visuais: a etnografia como espelho, o Mediterrâneo como laboratório afetivo, o risco de exótico e a chance de empatia. Críticos notaram a presença de Mead como “atalho” simbólico; a mim parece o contrário: um lembrete de método. Para ver Rose, Sofia precisa primeiro descrição densa de si mesma.

Ao fim, não há milagre médico — há uma redistribuição da atenção. Sofia afrouxa a vigilância, Rose perde um pouco do poder que a dor lhe dava, e o vínculo troca de temperatura. Seguro, aqui, não quer dizer hígido ou harmônico; quer dizer suficientemente confiável para sustentar diferenças. Mead abriria o caderno: “o que mudou?”. Bowlby responderia: “a base”. E o cinema, generoso, deixa que a gente sinta antes de entender.

Se Mead nos ensina a suspender o juízo e observar os rituais do cotidiano — quem cuida, quem é cuidado, quem fala por quem —, Bowlby oferece a gramática invisível desses gestos: base segura, proximidade, separação, reparo. Hot Milk costura as duas coisas. Pelo olhar etnográfico, Sofia passa a tratar a própria vida como campo: descreve, compara, desloca-se — num movimento que a mãe chama, com ironia, de estudante de antropologia “permanente”. E, pela teoria do apego, a relação mãe-filha deixa de ser apenas calor e culpa para virar mapa de segurança: começa ansiosa-resistente, colada e vigilante, e termina com uma distância possível, na qual cada uma pode existir sem que a outra desabe. A dor de Rose — reiterada como emocional pelo médico, pela fisioterapeuta, pelo ex-marido e por ela mesma — em que ela fala sobretudo pelo corpo, não pelas palavras, é menos um enigma fisiológico, e mais relato de vínculo. Quando o laço se reorganiza, o corpo encontra outra linguagem. O filme deixa a porta entreaberta: não entrega cura, oferece possibilidade — um ensaio de base segura em construção.

No último movimento, o filme sugere que curar não é desfazer o apego, mas reconfigurá-lo. Mead dá o método (observar para compreender), Bowlby dá a estrutura (confiar para se separar), e o cinema dá a experiência: o mar, o sol e a cadeira de rodas viram cenário de um pequeno deslocamento sísmico. Ao trocar a vigilância por presença e a fusão por contorno, Sofia deixa de empurrar a mãe como hipótese teimosa e passa a caminhar ao lado dela como quem reaprendeu o caminho de ida e volta — a essência de uma base segura.

Notas de contexto teórico usadas nesta crônica
Padrões de apego (Ainsworth/Bowlby), com ênfase no Padrão C – ansioso/ambivalente (resistente).
Base segura e disponibilidade da figura de apego na formação de modelos internos.
Apego e dor persistente; catastrofização; autogestão em mulheres pós-tratamento oncológico.
Autoculpa e conexão social como alavancas de ajuste psicológico em perdas. 

 

DEMÊNCIA COM CORPOS DE LEWY: O QUE MUDA QUANDO PENSAMOS EM NEURORREABILITAÇÃO

3 setembro, 2025

Por que identificar cedo, ajustar o ambiente e treinar habilidades pode aliviar sintomas e preservar autonomia.

Na sala de estar, Dona Lúcia começa a narrar a presença de “gente” no corredor. Em alguns dias, caminha arrastando os pés; em outros, parece atenta e conversa com todos. O sono é inquieto — à noite, mexe-se como se estivesse “dentro de um sonho”. O clínico chamou isso de “comprometimento cognitivo leve”. Meses depois veio o nome que liga as peças: demência com corpos de Lewy.

A demência com corpos de Lewy é uma doença neurodegenerativa marcada por flutuações de atenção, alucinações visuais bem formadas e sinais motores parecidos com o Parkinson (rigidez, marcha curta), além de grande sensibilidade a antipsicóticos. Quase sempre, há pistas anos antes do esquecimento: distúrbio comportamental do sono REM (a pessoa “atua” os sonhos) e redução do olfato despontam muito tempo antes dos problemas de memória. Em fases iniciais, chamam atenção as oscilações de foco e alerta, episódios de confusão sem causa aparente e alterações da escrita e do andar.

🖍O que o cérebro está dizendo

Por baixo do capô, a doença reorganiza redes que sustentam visão, atenção e movimento. Sistemas que usam acetilcolina — um mensageiro químico essencial para foco e vigilância — ficam especialmente comprometidos. É por isso que a atenção “vai e vem”, e por que estímulos visuais ambíguos podem virar pareidolias (ver rostos ou figuras onde não existem) e alucinações. As conexões entre tronco cerebral, tálamo e áreas occipitais ficam frágeis; outras ligações aumentam como tentativa de compensar. Essa combinação ajuda a explicar por que ajustes ambientais simples reduzem o sofrimento.

🖍Diagnóstico precoce: o valor de rastrear “sinais vermelhos” no comprometimento cognitivo leve

Quando alguém recebe o rótulo de “comprometimento cognitivo leve”, vale procurar ativamente por sinais que apontem para demência com corpos de Lewy:

  • Sono REM agitado (relatos de chutes, socos, falar dormindo, pular da cama).
  • Olfato reduzido há anos.
  • Atenção e clareza mental que flutuam ao longo do dia.
  • Alucinações visuais vívidas (pessoas, animais) ou ilusões (pareidolias).
  • Sinais motores discretos: rigidez, passo curto, dificuldade para iniciar ou parar.
  • Quedas, desmaios e disfunção autonômica (pressão oscilante, constipação).

Esses elementos, em conjunto, mudam a rota do cuidado: ajudam a evitar medicações que pioram (antipsicóticos comuns) e a priorizar reabilitação e suporte ambiental desde cedo.

🖍Neurorreabilitação: quando o ambiente e o treino viram tratamento

Não há cura hoje, e os remédios disponíveis têm limites e riscos. A boa notícia é que intervenções não farmacológicas, iniciadas cedo, podem retardar perdas, diminuir alucinações e reduzir estresse de pacientes e cuidadores. Pense em três pilares.

1) Modulação do ambiente

O objetivo é diminuir ruídos visuais e aumentar a previsibilidade:

  • Luz e contraste: boa iluminação difusa (evitar sombras fortes e brilho direto); aumentar contraste em degraus e portas; retirar espelhos muito grandes – para evitar virarem gatilho do “sintoma do espelho” (não reconhecer a própria imagem).
  • Pistas visuais claras: calendários grandes, relógio analógico, placas simples com palavras e ícones; caminhos livres em casa.
  • Rotina estável: horários consistentes para refeições, banho, sono. Transições suaves evitam desorientação.

Pequenas mudanças assim diminuem alucinações, quedas e confusão — e não exigem tecnologia sofisticada.

2) Treino cognitivo funcional (com metas)

Neurorreabilitação cognitiva, quando traduzida para o cotidiano, funciona melhor:

  • Atenção e ritmo: tarefas curtas com pausas programadas; uso de música ou contagem para marcar passos e movimentos.
  • Memória voltada à ação: cadernos de rotina, listas visuais, agendas e alarmes para tarefas-chave (medicação, compromissos).
  • Linguagem e conversa: apoiar a evocação de palavras com pistas (categoria, primeira sílaba); reduzir ruído de fundo; falar olhando nos olhos, frases curtas.

A ideia não é “fazer teste”, e sim ensinar estratégias compensatórias que mantêm autonomia.

3) Corpo em movimento, com segurança

O padrão motor da doença pede fisioterapia focada em marcha, equilíbrio e início de movimento:

  • Passos maiores guiados por marcações no chão, pistas auditivas (metrônomo, palmas) e exercícios de mudança de direção.
  • Prevenção de quedas: ajustar calçados, retirar tapetes, implantar barras de apoio.
  • Atividade física prazerosa e monitorada (dança, caminhada assistida) para humor e condicionamento.

Mesmo quando a força parece “boa”, a dificuldade é organizar o movimento. Pistas externas ajudam o cérebro a planejar.

🖍Comportamento e emoções: reduzir sofrimento é parte do tratamento

Alucinações e delírios sobrecarregam famílias e são motivo frequente de internação. Antes de pensar em medicamentos, vale:

  • Investigar gatilhos (iluminação ruim ao entardecer, ambientes lotados, febre, dor, constipação, remédios novos).
  • Responder ao sentimento, não ao conteúdo: acolher o medo, redirecionar para atividade conhecida, ajustar luz e contexto.
  • Terapias de apoio: música ao vivo, reminiscência (álbuns, objetos significativos) e atividades estruturadas ao estilo Montessori reduzem apatia, ansiedade e agitação em muitos estudos.

Quando remédios forem necessários, devem ser decisão médica especializada — pessoas com demência com corpos de Lewy podem piorar com antipsicóticos comuns.

🖍Cuidadores também precisam de neurorreabilitação

Cuidar de alguém com alucinações e flutuações é exaustivo. Psicoeducação (o que esperar da doença), treino de manejo e grupos de apoio diminuem o uso de antipsicóticos, melhoram humor e evitam internações desnecessárias. Planejar cedo adaptações da casa, rotinas e rede de suporte reduz custos e sofrimento no médio prazo.

🖍O que observar ao longo do caminho

  • Sono REM agitado e queda do olfato antecedem em anos — falar disso nas consultas muda desfechos.
  • Flutuações de atenção não são “manha”: são parte da doença. Organize tarefas nos horários de melhor alerta.
  • Visão enganosa: sombras, padrões e espelhos podem alimentar ilusões e alucinações — simplifique o campo visual.
  • Quedas não são detalhe: previna como prioridade desde o início.
  • Sensibilidade a remédios: sempre informe que há diagnóstico de demência com corpos de Lewy ao procurar atendimento.

🖍O que ainda falta

Precisamos de ensaios melhores que mostrem como as intervenções ambientais e de treino modulam as redes cerebrais afetadas pela doença, e de programas de neurorreabilitação que combinem, na medida certa, atenção, visão e marcha. Enquanto isso, a ação precoce e prática já oferece ganhos mensuráveis: menos alucinações, menos quedas, menos crises — e mais tempo de vida vivida com dignidade.

Mensagem final: na demência com corpos de Lewy, reabilitar é redesenhar o dia a dia. Luz certa, pista clara, passo guiado e conversa simples não curam — mas mudam a experiência de adoecer. Para muitas famílias, essa diferença é tudo.

 

“EU NÃO PAREÇO AUTISTA?” — O QUE A CIÊNCIA DIZ SOBRE O SENTIMENTO DE IMPOSTORA EM MULHERES AUTISTAS

28 agosto, 2025

Marina tinha 34 anos quando recebeu o diagnóstico que costurou décadas de cansaço social, “máscaras” cuidadosamente treinadas e crises silenciosas depois de reuniões. Na primeira semana, sentiu paz. Na segunda, veio a frase que ela ouviria mais de uma vez: “mas você não parece autista.” A paz virou interrogação: “Será que estou exagerando? Sou ‘autista o suficiente’?”

Esse vaivém tem nome: muitas mulheres autistas descrevem um sentimento de impostora após o diagnóstico — como se não “merecessem” pertencer à comunidade porque não se encaixam no estereótipo (masculinizado) de autismo que ainda domina o imaginário popular.

🔴O que a ciência aponta

Quando uma mulher recebe, já adulta, o diagnóstico de autismo, o primeiro impacto costuma ser duplo. De um lado, alívio: há finalmente uma explicação coerente para anos de fadiga social, hipersensibilidades e esforço para “dar conta”. De outro, um eco desconfortável que vem de fora e de dentro: “Mas você não parece autista.” É nesse atrito que muitas relatam sentir-se uma impostora — como se não fossem “autistas o bastante”. O termo é forte, mas aparece repetidas vezes nos relatos analisados por pesquisadores.

🔴O que os relatos mostram

Um estudo qualitativo com mulheres que relatam sobre o próprio processo de identificação descreve um padrão claro: o diagnóstico traz senso de pertencimento, porém esbarra em estereótipos do que “ser autista” supostamente é — quase sempre uma imagem masculina e infantilizada. Para se encaixar nas expectativas sociais, muitas contam que passam anos praticando camuflagem: observam, copiam, ensaiam respostas, forçam contato visual, sorriem quando não querem, abafam sobrecargas sensoriais. Esse desempenho contínuo cobra caro em exaustão e, quando o entorno dúvida do diagnóstico, corrói a legitimidade que elas acabaram de conquistar.

Pesquisadores descrevem essa sequência como um encadeamento que se retroalimenta:
estereótipos → camuflagem → descrédito externo → dúvida interna.
A cada volta, pioram o bem-estar e a saúde mental.

🔴Por que acontece mais com elas

Há um pano de fundo estrutural. Observações em escolas mostraram que meninas autistas tendem a permanecer perto dos pares e a circular entre atividades, aparentando engajamento. O comportamento “social o suficiente” máscara dificuldades e reduz a chance de que alguém identifique necessidades reais — algo menos frequente entre meninos, que costumam chamar mais atenção para sinais considerados “típicos”. O resultado é reconhecimento tardio e, depois, descrédito quando o diagnóstico finalmente chega: “se ninguém percebeu antes, será que é real?”.

Relatos de mulheres diagnosticadas na meia-idade indicam décadas de camuflagem, tentativas de “explicar” traços dispersos (ansiedade, fadiga, aversões sensoriais) e um grande alívio ao nomear a experiência. Esse alívio, porém, se fragiliza sempre que profissionais, familiares ou colegas recorrem ao clichê do “não parece”.

🔴O que a pesquisa mediu

Além dos relatos, há dados mostrando que instrumentos de triagem que levam em conta traços comuns nas mulheres — como padrões de camuflagem e sensibilidades específicas — identificam melhor o autismo nelas do que questionários tradicionais. Em amostras clínicas, modelos que somam perguntas sobre camuflagem, perfis sensoriais e estilo de processamento mostram maior acerto do que abordagens que ignoram essas dimensões. Em linguagem simples: quando a avaliação olha para o que costuma ser invisível nas mulheres, menos gente fica de fora.

🔴O que isso significa — para elas e para nós clínicos

A “síndrome da impostora” descrita por mulheres autistas não é vaidade nem “drama”. É um produto social previsível quando o diagnóstico colide com estereótipos e quando a vida inteira foi vivida em modo de performance. Tratar essa experiência como legítima — e como parte do quadro pós-diagnóstico — ajuda a reduzir culpa e a reorganizar expectativas.

Para o público em geral, a lição é direta: autismo não tem uma cara só. Ele pode conviver com boas notas, vida profissional ativa, maternidade, humor afiado e habilidade para “passar” despercebida — às custas de muito esforço. Dizer “você não parece” não é elogio; é negar uma realidade que a pessoa passou anos tentando entender.

Para quem pesquisa, ensina ou atende, a mensagem é igualmente simples: ouvir, nomear e considerar a camuflagem melhora a compreensão do caso. Quando o instrumento e o olhar clínico incluem aquilo que as mulheres relatam, o ciclo descrédito–impostora perde força.

No fim, o ponto central da ciência sobre o tema é este: o sentimento de impostora em mulheres autistas nasce menos delas e mais do espelho social em que se veem. Atualizar esse espelho — isto é, ampliar nossas imagens do que é autismo — é parte do cuidado. E do respeito.

🔴Psicoeducação: o antídoto que falta

“Psicoeducação” é um nome técnico para algo simples: informação clara, prática e acolhedora — para a própria mulher e para quem convive com ela. Feita cedo, ela quebra o ciclo impostora–descrédito.

🔴Para mulheres autistas (pós-diagnóstico)

  • Nomeie o processo. Saber que camuflar é uma estratégia aprendida (e cansativa) muda a lente da culpa para o cuidado.
  • Mapeie seu perfil. Sensibilidades sensoriais, ritmo social, modos preferidos de comunicar — conhecer seus padrões dá linguagem para pedir o que você precisa.
  • Permissão para “tirar a máscara”. Comece por contextos seguros (amigas, grupos de apoio, terapia). Reduzir camuflagem com intenção protege saúde mental.
  • Guia de frases prontas. Diante do “não parece”, experimente: “Autismos são diversos. O meu foi identificado pelo meu histórico e perfil — isso explica minha história.” Curto, firme, sem se justificar demais.
  • Cuidado com comparação. Não existe “medalha de autismo”. Comparar sinais entre pessoas diferentes costuma alimentar a impostora.

🔴Para famílias, professores e colegas

  • Troque o teste do olho pela escuta. Sinais podem ser discretos em público; a história conta mais do que a aparência.
  • Valide, não negocie o diagnóstico. Frases como “isso explica muita coisa” acolhem. Questionar identidade reabre feridas.
  • Ajustes simples, grande efeito. Comunicação escrita como opção, previsibilidade de agenda, pausas sensoriais, iluminação confortável, liberdade para usar óculos escuros ou fones.
  • Linguagem importa. “Pessoa autista” (ou como ela prefere), nada de “leve/real”. Foco em necessidades e apoios.

🔴Para profissionais de saúde e educação

  • Explique o “perfil feminino de autismo”. Traga exemplos de camuflagem, hiperfoco “socialmente aceito”, burnout.
  • Planeje o pós-diagnóstico. Ofereça sessão específica sobre impostora, camuflagem e auto-advocacia; forneça materiais para a rede próxima.
  • Monitore exaustão. Camuflagem custa caro: ansiedade, depressão, esgotamento. Ajuste rotinas e expectativas.
  • Evite gatekeeping. Comentários sobre “gravidade” ou “não parecer” são gatilhos clássicos de impostora. Foque em funcionamento e suporte.

🔴Três cenas onde o apoio muda tudo

  1. No trabalho. E-mails em vez de ligações, pauta enviada antes da reunião, possibilidade de câmera desligada, tarefas com entregáveis claros. Resultado: menos energia gasta com “performance social”, mais entrega real.
  2. Na universidade. Sala com luz regulável, espaço silencioso para pausas, instruções escritas, prazos flexíveis quando há sobrecarga sensorial. Estudar deixa de ser teste de resistência.
  3. Em casa. Combinados explícitos para visitas, ruído e rotina; divisão justa de tarefas; respeito a momentos de recuperação. A casa vira lugar de recarregar, não de mascarar.

🔴Sinais de que a “impostora” está em cena

  • Você pensa “enganaram o sistema por mim” ao ler o laudo.
  • Evita pedir ajustes com medo de “não merecer”.
  • Sente que precisa “provar” seu autismo todos os dias.
  • Vive em modo “apresentação perfeita” e desaba ao chegar em casa.

Se três ou mais desses tópicos soam familiares, vale conversar sobre isso em terapia (preferencialmente com alguém que conheça autismo em mulheres) e combinar passos de psicoeducação com a sua rede.

🔴Um roteiro de 4 semanas para começar

Semana 1 — Informação com afeto. Leia e anote: quais características suas o diagnóstico explica? Compartilhe com uma pessoa de confiança.
Semana 2 — Microajustes. Escolha dois: reduzir um encontro social “obrigatório”, negociar comunicação escrita, usar fones/óculos sem pedir desculpas.
Semana 3 — Linguagem. Escreva três respostas-curtas para situações gatilho (“não parece”, “todo mundo é um pouco”).
Semana 4 — Rede. Marque uma conversa de 30 minutos com família ou equipe de trabalho: explique camuflagem, combine um ajuste concreto e mensurável.

Essência: o diagnóstico não é um palco para “provar quem você é”. É um mapa para viver com mais verdade — e menos fadiga.

💠Leitura desses números à luz da “impostora”

A pesquisa da TecnoNeuro sugere dois pontos relevantes para o fenômeno da impostora:

  1. Invisibilidade estrutural: mesmo havendo mediana ≈50% por estudo, o peso dos estudos muito grandes sem desagregação por sexo e dos desbalanceados puxa a percepção global para baixo e dilui a presença feminina. Invisibilidade em estatísticas “macro” ou em relatórios pouco desagregados é um terreno fértil para o ciclo “não pareço o estereótipo → talvez eu não seja ‘legítima’”.
  2. Melhora recente, mas heterogênea: a tendência temporal positiva (ρ=.29) indica avanço, porém não uniforme — a cauda de estudos com <20% de mulheres permanece, o que mantém sinais mistos que podem reforçar dúvidas internas e externas sobre “pertencimento”.

🔴O que a pesquisa sistematizada da TecnoNeuro diz sobre mecanismo e contexto da impostora

💠Os nossos dados descrevem um encadeamento consistente:

  • Camuflagem crônica (masking) para “parecer neurotípica” + estereótipos masculinizados do autismo → subdetecção e descrédito (“você não parece autista”).
  • Descrédito externo somado a autoquestionamento após o diagnóstico → sentir-se impostora (“não sou autista o suficiente”), com exaustão e prejuízo de bem-estar.
    (Harmens et al., 2022; Leedham et al., 2019; Dean, Harwood, & Kasari, 2016).

💠Além disso, nossos dados trazem pistas operacionais:

  • O GQ-ASC (perfil feminino) apresentou AUC = 0,89 com cutoff = 57, acerto ≈80% — útil para triagem sensível ao fenótipo feminino.
  • Em mulheres com TCA restritivo, um modelo que inclui camuflagem (CAT-Q) + sensorial auditivo (GSQ) + AQ-10 + TAS-20 (EOT) superou o AQ-10 isolado — medir camuflagem melhora a identificação feminina (Adamson et al., 2022; Brown, 2020, na sua compilação).

🔴Integração: dados + mecanismo da impostora

  • Nossos dados mostram heterogeneidade na inclusão/visibilidade feminina e lacunas de desagregação nos estudos grandes — contexto que sustenta mensagens ambíguas sobre pertencimento.
  • A literatura descreve exatamente como mensagens ambíguas + camuflagem convertem-se em impostora (dúvida sobre legitimidade, “não sou ‘suficiente’”).
  • Consequência prática: ao interpretar escores clínicos/psicométricos em mulheres autistas, padronize por sexo sempre que possível e documente (i) a completude do dado, (ii) o estrato (quartil de proporção feminina ou cluster de tamanho/composição), e (iii) o uso de triagens sensíveis à camuflagem (p. ex., CAT-Q, GQ-ASC). Isso reduz o risco de reforçar o ciclo impostora–descrédito.

🔴Referências

  • Adamson, et al. (2022). European Eating Disorders Review, 30(5), 592–603. Modelo combinado (AQ-10 + GSQ auditivo + CAT-Q compensação + TAS-20 EOT) melhora triagem de TEA em mulheres com TCA.
  • Brown, C. (2020). Psicometria do GQ-ASC: AUC = 0,89, cutoff = 57 (~80% de acerto).
  • Dean, M., Harwood, R., & Kasari, C. (2016). The art of camouflage. Observações em recreio mostram camuflagem e subdetecção em meninas.
  • Harmens, et al. (2022). The Quest for Acceptance: A Blog-Based Study of Autistic Women’s Experiences and Well-Being During Autism Identification and Diagnosis. Temas: camuflagem, exaustão, descrédito e sentimento de impostora.
  • Leedham, A., Thompson, L., Smith, R., & Freeth, M. (2019). “I was exhausted trying to figure it out”. Entrevistas com mulheres diagnosticadas tardiamente; camuflagem e exaustão pré-diagnóstico.

🔴Este texto se inspira em pesquisas qualitativas com mulheres autistas que descrevem camuflagem, invalidação e o sentimento de impostora, e em estudos que destacam a importância de apoio pós-diagnóstico e de psicoeducação para a pessoa e para a rede. A mensagem prática é simples: informação clara, validação e pequenos ajustes de ambiente reduzem sofrimento e sustentam pertencimento.

 

APRENDER É O CÉREBRO MUDANDO POR DENTRO — E ISSO APARECE COMO COMPORTAMENTO

21 agosto, 2025

Na prática, “aprender” não é uma ideia abstrata: é o seu cérebro reorganizando conexões e produzindo um jeito novo (e mais estável) de agir. Neuroplasticidade é esse reajuste físico; o que vemos do lado de fora é o comportamento mudando — dirigir só quando o semáforo fica verde, lembrar a rota da escola nova, resistir ao doce depois do almoço.

⌛O que, afinal, conta como aprendizagem?

Uma definição simples e útil diz que aprender é uma mudança relativamente duradoura no comportamento após uma experiência, treino ou observação. Se você antes atravessava a rua sem olhar e, depois de um susto, passa a parar automaticamente na calçada, aconteceu algo no cérebro (plasticidade) e algo no corpo (comportamento). As duas faces são inseparáveis.

⌛Como o cérebro “escolhe” os sinais que valem

Quase tudo ao nosso redor pode virar um estímulo: luz, som, cheiro, toque, palavras. Mas nem todo estímulo manda no nosso comportamento. O que adquire esse poder é o estímulo discriminativo — o “sinal que vale” naquele contexto.

  • Exemplo clássico: o semáforo muda de vermelho para verde. Você não reage a “qualquer luz”; reage à verde para acelerar. É discriminação de estímulo.
  • Outro exemplo cotidiano: José dorme até as 8h se o quarto está escuro. Um dia, esquecem a cortina aberta e o sol das 6h30 o acorda. Nesse contexto, a luz da manhã é o sinal que dispara o comportamento de acordar.

Em linguagem de laboratório, costuma-se chamar esse “sinal que vale” de Ed (estímulo discriminativo). O resto — o piso, as paredes, os ruídos do corredor — são EΔ (lê-se “delta”): estão presentes, mas não deveriam determinar a resposta. Aprender bem é fortalecer Ed (o que importa) e enfraquecer EΔ (o ruído).

⌛Discriminar e generalizar: dois lados da mesma moeda

  • Discriminar é responder a este sinal e não aos parecidos (acelerar só com verde, não com o farol do carro ao lado).
  • Generalizar é levar o aprendizado para situações próximas (reconhecer qualquer verde de semáforo, mesmo num cruzamento novo).

A boa aprendizagem equilibra as duas: foco suficiente para evitar erros; flexibilidade suficiente para funcionar no mundo real.

⌛Por que as propriedades do estímulo importam

Nossos órgãos dos sentidos registram mudanças: de cor, de brilho, de temperatura, de pressão. Esses detalhes do estímulo influenciam o quão fácil é aprender com ele:

  • Saliente e claro: sinais nítidos (um “clique” audível, uma luz bem definida) são aprendidos mais rápido.
  • Consistente: quanto menos variação desnecessária (muito ruído visual ou sonoro), mais o cérebro consegue associar este sinal a esta resposta.
  • Relevante: se o sinal de fato antecipa algo importante (recompensa, segurança, erro), ele ganha força como Ed.

⌛Predisposições contam — mas não mandam sozinhas

Nascemos com diferenças biológicas e psicológicas que modulam o aprender: sensibilidade sensorial, nível de alerta, motivação, histórico de recompensas e de estresse. Elas inclinam a balança, mas o treino e o contexto continuam sendo alavancas essenciais. Plasticidade é oportunidade, não promessa vazia.

⌛O laboratório em 1 minuto (sem jargão)

Imagine um rato numa caixa com uma alavanca na parede. Quando a luz X acende (Ed), pressionar a alavanca (resposta) entrega comida. O piso, as paredes, o barulho do ventilador (EΔ) não devem controlar a resposta. Dia após dia, o animal aprende: luz X → pressiona; sem a luz, não. É assim que cientistas separam “o que manda” do que é “coadjuvante” — a mesma lógica vale para nós, na rua, no trabalho, em casa.

⌛Como transformar plasticidade em hábito: um guia rápido

1) Deixe o “sinal que vale” inconfundível.
Defina gatilhos claros para o comportamento desejado. Estudar sempre que o alarme das 19h toca. Caminhar sempre depois do café. Quanto mais específico, mais fácil de o cérebro vincular.

2) Corte o ruído.
Reduza EΔ: desligue notificações, tire tentações do campo de visão, simplifique o ambiente. Atenção é o guia da aprendizagem; não gaste com estímulos que não importam.

3) Repetir, sim — mas com qualidade.
Repetição cria trilhas neurais, mas evite “repetição cega”. Use objetivos pequenos e observáveis (“hoje escrevo 10 linhas”), pausas (prática espaçada) e variações controladas (mude um detalhe de cada vez). O cérebro aprende mais quando erra pouco e recebe feedback útil.

4) Dê um motivo (recompensa).
Janelas curtas de reforço funcionam: terminar a tarefa → pausa prazerosa; completar a semana → recompensa planejada. Não é “mimar”, é ensinar o cérebro a valorizar o caminho certo.

5) Durma, mova-se, respire.
Memórias se consolidam no sono; exercício aumenta fatores que alimentam a plasticidade; respiração e foco reduzem o ruído interno (estresse) que atrapalha Ed.

6) Teste o alcance (generalização).
Leve a habilidade para cenários diferentes: estudar em outro lugar, dirigir em ruas novas, apresentar para outra audiência. Troque o mínimo possível de cada vez para não “quebrar” o aprendizado.

⌛O que observar para saber se você (ou seu paciente) está aprendendo

  • Mudança visível de comportamento em situações bem definidas (com o mesmo Ed).
  • Menos erros quando o sinal aparece; menos respostas quando ele não aparece.
  • Transferência moderada para contextos parecidos (generalização sem perder a precisão).

Se nada disso aparece, ajuste uma das três peças: o sinal, a resposta ou o reforço.

⌛Por que isso tudo é, sim, neurociência aplicada

Quando você melhora a discriminação (responder ao que importa) e a generalização (levar para contextos parecidos), está guiando a plasticidade: algumas sinapses se fortalecem, outras se enfraquecem; redes passam a disparar em conjunto; vias de atenção e de recompensa alinham relógios. O resultado visível é um novo comportamento que “pega”.

No fim, dá para resumir assim: neuroplasticidade é o “como” por dentro; aprendizagem é o “o quê” por fora. Sempre que alguém muda de forma confiável a maneira de agir diante de um sinal, o cérebro acabou de se reprogramar um pouco — e essa é a melhor notícia para qualquer projeto de mudança, da sala de aula à neurorreabilitação, do treino físico ao enfrentamento de um hábito difícil.

⌛Para levar

  • Defina o Ed (o sinal que vale).
  • Apare eΔ (o ruído).
  • Repita com feedback e pausas.
  • Reforce cedo e de propósito.
  • Teste em cenários parecidos.

Aprender é comportamento novo sustentado no tempo. É assim que vemos a plasticidade (positiva, negativa ou neutra) — trabalhando, silenciosa, a nosso favor ou não. 

 

A SALA QUE AMENIZA BARREIRAS (OU ADOECE): COMO AMBIENTE E TECNOLOGIA PODEM SALVAR O SEMESTRE DE ALUNOS AUTISTAS COM HIPER-REATIVIDADE VISUAL

19 agosto, 2025

O que mais atrapalha o desempenho de muitos universitários autistas não é a matéria — é a sala. Para o Gabriel, 19, o pior momento é a aula no bloco antigo: fluorescentes que parecem piscar, luz direta no rosto, slides muito brancos. Ele fica tenso, perde a atenção e volta para casa esgotado. Mude para uma sala com luz indireta e regulável e ele acompanha a aula de novo. A ciência confirma há anos: pequenos ajustes no ambiente e recursos simples de apoio melhoram atenção, conforto e participação — exatamente o objetivo da neurorreabilitação baseada na Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde: CIF.

A seguir, um guia prático no espírito “funcionalidade humana” — direto, sem jargão — para equipes de saúde, professores e gestores de campus.

💡 O problema escondido na luz

  • Luz que “pisca” e luz forte demais atrapalham. Mesmo quando têm o mesmo brilho, salas com fluorescente tendem a piorar o conforto e a aumentar comportamentos repetitivos em pessoas autistas, enquanto luz mais estável e suave melhora foco e participação.
  • Como resolver na prática: peça LED de boa qualidade, que não tremule (o “piscar” é rápido e quase invisível) e que permita regular a intensidade. Se a escola ainda usa fluorescente, reatores eletrônicos já reduzem queixas.

💡 O que funciona (e por quê)

1) Luz que não pisca e pode ser regulada

  • Troque fluorescentes antigas por LED “sem tremulação”. Se não der agora, use reator eletrônico na fluorescente.
  • Instale dimmer (controle de intensidade). Prefira tons amarelados ou neutros em vez do branco azulado.
  • Posicionamento importa: priorize luz indireta; evite luminária no campo de visão do aluno; afaste reflexos de quadros e telas.
    Por quê? Menos piscar e menos brilho direto reduzem desconforto, dor de cabeça e cansaço visual — e o aluno aguenta mais tempo em sala.

2) Barreiras simples contra o brilho

  • Cortinas/persianas que funcionem; película antirreflexo em janelas com sol.
  • Em slides, troque fundos muito brancos por paletas suaves com alto contraste de texto.
    Por quê? Menos ofuscamento = mais leitura e atenção.

3) Apoios pessoais para sensibilidade à luz

  • Permita óculos com lentes âmbar/rosadas (filtram o excesso de azul) para quem precisa.
  • Ofereça folhas translúcidas coloridas (overlays) para leitura — a cor é individual e deve ser testada.
    Por quê? Filtrar o espectro e “acalmar” o papel reduz fadiga visual.

4) Menos “ruído visual”

  • Evite paredes lotadas de cartazes e objetos brilhantes perto do quadro.
    Por quê? Ambiente mais “limpo” facilita manter a atenção no essencial.

5) Transições graduais de luz

  • Ao acender ou apagar, faça aos poucos (use o dimmer).
    Por quê? Mudanças bruscas de luminosidade podem doer e “quebrar” a concentração.

6) O que evitar

  • Capas azuis sobre luminárias: pioraram a atenção em estudos de sala de aula.
  • “Mais luz para todo mundo” não é solução: o ganho vem do ajuste fino, não da potência.

♦ Como pedir no orçamento (texto pronto)

  • “**Luminárias LED com driver estável (sem tremulação perceptível) e dimmer para controle de intensidade; tons neutros/quentes; difusor para luz indireta.”

Pequenas mudanças na luz custam pouco e mudam o desfecho: menos desconforto, mais presença, melhor aprendizagem — para estudantes autistas e para a turma toda.

♦ Reabilitação no campus: quando o ambiente vira tratamento

Reabilitação não é só sessão individual. Na escola/universidade, o ambiente também trata: ajustar a sala remove barreiras e aumenta a participação. O efeito costuma ser rápido e beneficia toda a turma — inclusive quem tem enxaqueca, hiperatividade, ansiedade ou pós-concussão.

💡 Três frentes de ação

1) Para a instituição (compras, manutenção e obras)

  • LED sem “piscar” e com controle de brilho: exigir, nos editais, LED de boa qualidade (driver estável) com dimmer.
  • Luz indireta e ajustável: prever luminárias com difusor e trilhos reguláveis nas salas de aula.
  • Auditoria de salas: mapear pontos de ofuscamento e reflexos; definir salas “low-sensory” (uma por andar já muda vidas).
  • Cortinas e telas que não brilham: incluir persianas/blackout e telas foscas (matte) nas compras novas.

💡 Texto pronto para edital: “Luminárias LED com driver estável (sem tremulação perceptível) e dimerização, temperatura de cor neutra/quente, difusor para luz indireta.”

2) Para docentes (o dia a dia da aula)

  • Escolha a sala certa quando puder: dê preferência à que tem dimmer e luz indireta.
  • Slides mais “calmos”: fundo off-white ou cinza, letra grande, alto contraste; evite fundos muito luminosos (“neon”).
  • Lugar importa: deixe o aluno mudar de assento para fugir de luz direta; permita óculos/filtros.
  • Transições suaves: se a luz mudar muito (sol entrou, trocou de sala), faça uma pausa curta e ajuste o brilho aos poucos.

3) Para os serviços de apoio ao estudante

  • Teste e empréstimo: disponibilizar lentes filtrantes (âmbar/cinza) e overlays coloridos para leitura; criar um roteiro simples de triagem de sensibilidade à luz.
  • Acomodação funcional: registrar em plano individual: direito a sala ajustada, prioridade de assento, uso de boné/óculos, tempo extra quando a luz do espaço for inevitavelmente incômoda (laboratórios, por exemplo).
  • Treinamento da equipe: capacitar tutores e professores para reconhecer sinais de sobrecarga sensorial (postura rígida, olhar fugindo da fonte de luz, dor de cabeça, “apagões”).

💡 “Pequenas” tecnologias, grandes ganhos

Pense nesses recursos como próteses para o ambiente: não mudam o aluno — mudam o contexto para que ele aprenda.

  • LED com dimmer e sem tremulação → menos dor de cabeça, mais tempo focado.
  • Lentes e overlays → leitura mais confortável; em algumas tarefas visuais, compreensão social melhora.
  • Sala menos “poluída” visualmente → menos distração e menos ansiedade.
  • Luz que sobe e desce devagar → menos “choque sensorial”, menor fadiga.

Nota importante: cada pessoa responde de um jeito. Testar, medir e ajustar faz parte da boa prática — na clínica e na docência.

💡 Checklist rápido para começar agora

♦ Em 30 dias

  • Escolha 2–3 salas por prédio e instale dimmer (controle de brilho); troque lâmpadas frias/azuladas por tons neutros ou amarelados.
  • Compre 10 óculos com filtro de luz (âmbar/cinza) e kits de overlays (folhas translúcidas coloridas) para empréstimo.
  • Padronize os slides: fundo off-white/cinza, letra grande e alto contraste.

♦ Em 90 dias

  • Revisão elétrica: substitua reatores antigos por eletrônicos e faça pilotos com LED de driver estável (sem “piscar”).
  • Crie a política de salas “low-sensory” (baixa carga sensorial) e compartilhe com os docentes.
  • Treine monitores e professores para ajustar assentos, luz e pausas quando necessário.

♦ Em 6–12 meses

  • Inclua, em todas as compras, especificações “sem tremulação” (LED que não pisca) e dimmer.
  • Audite os prédios e priorize as turmas com muita aula expositiva.
  • Colete indicadores (presença, queixas de dor de cabeça, autorrelato de atenção) e divulgue os resultados para a comunidade.

💡 O pano de fundo: por que relacionamento e contexto importam

Interações sociais positivas (grupos de estudo, monitorias, clubes) reduzem estresse, protegem atenção e memória e favorecem a permanência do estudante. Mas o convite só funciona se o ambiente não for hostil aos sentidos.
Luz adequada + rede de apoio = menos cortisol, melhor humor e mais espaço mental para aprender.

💡 Princípio-guia

Reabilitar o campus é desenhar o ambiente para a redução de barreiras para o estudante. Trocar uma lâmpada, regular um dimmer, permitir um óculos âmbar — pequenos gestos que podem ser a diferença entre repetir a disciplina e ter êxito no trabalho final. Uma escola/universidade inclusiva começa no teto.

💡Evidências e práticas:

Mallory & Keehn, 2021 (revisão)

  • Autismo na sala de aula: diferenças sensoriais e de atenção impactam participação.
  • Na prática: reduzir estímulos (luz/ruído), dar pausas curtas e previsibilidade.

Colman et al., 1976

  • Fluorescente ↑ comportamentos repetitivos vs. incandescente.
  • Na prática: trocar fluorescente por LED sem flicker/halógena e dimerizar.

Nair et al., 2022 (estudo de caso)

  • Luz e cores do ambiente mudam comportamento de crianças autistas.
  • Na prática: luz indireta, menos brilho, paleta suave e posição longe do ofuscamento.

Blackburn et al., 2009 (FL-41)

  • Lente FL-41 ↓ fotofobia e melhora funcional em sensibilidade à luz.
  • Na prática: testar FL-41/âmbar/cinza (clip-on) para aula e telas.

Hayakawa et al., 2025

  • Respostas pupilares diferentes em autistas a claro/escuro.
  • Na prática: transições graduais de luz e pausas visuais de 3–5 min.

Ludlow et al., 2012

  • Overlays/filtros coloridos ↑ percepção de pistas sociais e leitura.
  • Na prática: usar overlays coloridos ou papel creme em leituras.

Pence et al., 2019

  • “Capas azuis” nas luminárias ↑ estereotipias e ↓ foco.
  • Na prática: evitar soluções improvisadas sobre luminárias; foque em controle de brilho/flicker.

IEEE Std 1789-2015

  • Diretrizes para minimizar flicker em LEDs (segurança visual).
  • Na prática: escolher LED “flicker-free” com driver adequado e usar dimmer.

 

💡Referências:

Blackburn, M. K., Lamb, R. D., Digre, K. B., Smith, A. G., Warner, J. E., McClane, R. W., Nandedkar, S. D., Langeberg, W. J., Holubkov, R., & Katz, B. J. (2009). FL-41 tint improves blink frequency, light sensitivity, and functional limitations in patients with benign essential blepharospasm. Ophthalmology, 116(5), 997–1001. https://doi.org/10.1016/j.ophtha.2008.12.031

Colman, R. S., Frankel, F., Ritvo, E., & Freeman, B. J. (1976). The effects of fluorescent and incandescent illumination upon repetitive behaviors in autistic children. Journal of Autism and Childhood Schizophrenia, 6(2), 157–162. https://doi.org/10.1007/BF01538059

Hayakawa, T., Nakano, S., Inada, N, Saneyoshi, A., Tsujita, M., Kumagaya, S., & Hara, N. (2025). Pupillary responses to bright and dark stimuli in individuals with autism spectrum disorders. PLOS ONE, 20(4), e0319406. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0319406

IEEE Standards Association. (2015). IEEE recommended practices for modulating current in high-brightness LEDs for mitigating health risks to viewers (IEEE Std 1789-2015). IEEE. https://www.lisungroup.com/wp-content/uploads/2020/02/IEEE-2015-STANDARDS-1789-Standard-Free-Download.pdf

Ludlow, A. K., Taylor-Whiffen, E., & Wilkins, A. J. (2012). Coloured filters enhance the visual perception of social cues in children with autism spectrum disorders. ISRN Neurology, 2012, Article 298098. https://doi.org/10.5402/2012/298098

Mallory, C., & Keehn, B. (2021). Implications of sensory processing and attentional differences associated with autism in academic settings: An integrative review. Frontiers in Psychiatry, 12, Article 695825. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2021.695825

Nair, A. S., Priya, R. S., Rajagopal, P., Pradeepa, C., Senthil, R., Dhanalakshmi, S., Lai, K.-W., Wu, X., & Zuo, X. (2022). A case study on the effect of light and colors in the built environment on autistic children’s behavior. Frontiers in Psychiatry, 13, Article 1042641. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.1042641

Pence, S. T., Wagoner, R., & St. Peter, C. C. (2019). Blue light covers increase stereotypy and decrease on-task behavior for students with autism. Behavior Analysis in Practice, 12(3), 632–636. https://doi.org/10.1007/s40617-018-00321-6

 

PARA OS SUPERIDOSOS, AMIZADE É NEUROPLASTICIDADE: O QUE ELES NOS ENSINAM SOBRE CÉREBRO, LONGEVIDADE E NEURORREABILITAÇÃO

17 agosto, 2025

José, 91 anos, tem a semana marcada por encontros: roda de conversa com o seu grupo de fé, ensaio com o coral masculino, visitas a escolas para contar sua história. Carlos, 82, atravessa o bairro para o mesmo ritual: cumprimentar vizinhos, rever colegas e torcer no estádio. Eles pertencem a um grupo raro que pesquisadores chamam de “superidosos”: pessoas com 80 anos ou mais cuja memória se mantém no nível de alguém 20 ou 30 anos mais jovem. Não há dieta secreta, nem remédio milagroso. O que esses longevos repetem, quase em uníssono, é outra coisa: a vida vale pelos laços que sustentamos.

Há 25 anos, cientistas da Northwestern University acompanham superidosos. A revisão mais recente desse projeto resume um padrão consistente: eles atribuem alto valor aos relacionamentos e, com frequência, são mais sociáveis. Essa postura não é apenas simpática — ela parece neuroprotetora. Estudos mostram que, em média, o volume cerebral dos superidosos se assemelha mais ao de pessoas na casa dos 50–60 anos do que ao de seus pares octogenários. Alguns apresentam mais neurônios especializados em processamento social (os chamados von Economo), envolvidos em reconhecer intenções e experienciar interações complexas.

Claro, permanece o dilema do “ovo e da galinha”: socializamos mais porque pensamos melhor, ou pensamos melhor porque socializamos mais? A resposta completa ainda não chegou. Mas, do ponto de vista prático, os superidosos tratam a convivência como hábito de saúde, com agenda e propósito.

💠A ciência da conexão (e por que ela importa na neurorreabilitação)

Em termos simples, interação social é um comportamento de mão dupla: minhas ações respondem às suas e também as provocam. Quase todas as atividades de vida diária carregam esse componente (cumprimentar, pedir ajuda, dividir tarefas). Quando ele falha, cresce a dependência do outro.

O que o cérebro faz, por dentro, quando estamos juntos? Em exames de ressonância magnética funcional, situações de interação ao vivo ativam não só áreas que leem pistas sociais (expressões, voz, gesto), mas também circuitos de atenção com objetivo e recompensa — como se a conversa fosse, ao mesmo tempo, foco e gratificação. Em modelos animais, após um “derrame” induzido, bichos que puderam conviver com parceiros de espécie — sobretudo parceiros saudáveis — recuperaram melhor funções, comportamentos e até sobreviveram mais do que os isolados.

Na prática clínica humana, surpreendentemente, ainda há poucos ensaios que testem a dose certa de convivência como parte de programas de neurorreabilitação. Um estudo de “ambiente enriquecido” — que inclui estímulos sensoriais, cognitivos e sociais — encontrou ganhos de atividade. A lacuna aponta para uma oportunidade: se socializar ativa atenção, recompensa e movimento, por que não “prescrever” vínculos com o mesmo zelo com que prescrevemos exercício, sono e remédio?

💠O que os superidosos já fazem — e nós podemos adotar

  • Rituais semanais. Coral, carteado, caminhada em grupo, voluntariado. Eles transformam encontros em agenda fixa, não em “ver se dá”.
  • Propósito compartilhado. Cantar para a comunidade, acolher alunos do bairro, torcer no estádio. A meta fora de si dá direção e sentido.
  • Histórias em circulação. Ensinar, contar, ouvir. Trocas narrativas são modulação natural de memória episódica e linguagem.
  • Rede ampla, vínculos fortes. Conhecidos, colegas, amigos íntimos e família. Diversidade de laços protege contra flutuações inevitáveis.

💠Como levar essa lógica à neurorreabilitação (sem perder o rigor)

Para fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos, médicos e cuidadores, a mensagem é direta: convivência não é enfeite; é ingrediente ativo.

  1. Meça a “dose social”. Pergunte e registre: com quem, quando, por quanto tempo, em que contexto (grupo, par, presencial, on-line). Faça disso um sinal vital.
  2. Inclua metas sociais nos planos. “Participar de duas rodas semanais”, “cozinhar com netos aos domingos”, “grupo de leitura às quartas”. Objetivos claros ancoram adesão.
  3. Use tarefas cooperativas. Treinos de mobilidade com parceiro, jogos de tabuleiro adaptados, cozinhar em dupla, coral/dança terapêutico: funcionais, prazerosos e repetíveis.
  4. Atenção à autoeficácia. Elogio específico, metas graduais e feedback rápido ampliam a confiança, que, por sua vez, melhora desempenho cognitivo e motor.
  5. Ajuste o ambiente. Acessibilidade de transporte, iluminação, ruído, custo — barreiras pequenas viram desistências grandes.
  6. Tecnologia como ponte, não fim. Chamadas de vídeo, grupos moderados, plataformas seguras. O digital complementa, não substitui o encontro possível.

💠Para quem trabalha com longevidade: o que NÃO esquecer

  • Sono, movimento, alimentação e tratamento de doenças seguem sendo pilares. A socialização não compete com eles — dialoga.
  • Extroversão ajuda, mas não é regra. Introvertidos também constroem redes: grupos menores, atividades silenciosas, suporte um a um.
  • Tristeza e ansiedade isolam. Rastreie e trate sintomas afetivos; a melhora emocional abre a porta para voltar a conviver.
  • Cuidado com moralismos. Laços importam, mas não têm que parecer os seus. Vale coral, vale horta, vale oficina de marcenaria.

💠Qualidade importa: laços que protegem — e laços que adoecem

Nem toda sociabilidade faz bem. Relações marcadas por hostilidade, crítica constante, humilhação, controle ou abuso elevam o estresse crônico, pioram o sono e a pressão arterial, alimentam inflamação e se associam a depressão e pior memória ao longo do tempo. Em idosos, isso pode acelerar o declínio funcional e cognitivo — o oposto do que se busca.

🔺O que caracteriza vínculos positivos

  • Apoio prático e emocional recíproco
  • Respeito, escuta e sensação de pertença
  • Atividades compartilhadas que dão propósito (coral, voluntariado, esporte leve)

🔺Sinais de alerta para vínculos nocivos

  • Medo de represálias, “pisar em ovos”
  • Isolamento induzido, chantagem emocional, críticas que minam a autoestima
  • Discussões frequentes que terminam sem reparo ou diálogo

🔺Como intervir (para famílias e equipes)

  • Priorize grupos com mediação e objetivos (arte, canto, caminhada em grupo, voluntariado).
  • Estabeleça limites claros com pessoas que fazem mal; se necessário, afaste-se.
  • Se houver abuso psicológico ou físico, procure ajuda especializada e redes de proteção.

Em resumo: não é “quantas” conexões, é a qualidade delas. Laços calorosos e respeitosos são investimento em saúde; laços tóxicos cobram juros do corpo e do cérebro.

💠O recado final dos superidosos

Eles não esperaram uma “fórmula” para se manter ativos. Marcaram encontros, deram e receberam atenção, contaram e ouviram histórias. A neurociência sugere que esse combo treina atenção, recompensa e memória; a neurorreabilitação mostra que o cérebro aprende melhor no mundo real, com gente de verdade.

Se quisermos viver mais e melhor — e ajudar nossos pacientes a fazer o mesmo — convém copiar essa teimosia gentil dos superidosos: colocar gente na agenda. Hoje, não “quando der”.

🔺Baseado em 25 anos de pesquisa sobre superidosos conduzida na Northwestern University (https://www.nytimes.com/2025/08/07/well/mind/super-agers-social-connections.html) e em revisão de princípios de neuroreabilitação e plasticidade publicados na literatura científica (Maier, M., Ballester, B. R., & Verschure, P. F. M. J. (2019). Principles of Neurorehabilitation After Stroke Based on Motor Learning and Brain Plasticity Mechanisms. Frontiers in Systems Neuroscience, 13. https://doi.org/10.3389/fnsys.2019.00074).

 

QUANDO JOGAR DEIXA DE SER BRINCADEIRA: O QUE A CIÊNCIA DIZ SOBRE AUTISTAS E “VÍCIO” EM GAMES — E COMO A CLÍNICA DEVE AGIR

13 agosto, 2025

🎮 O que a ciência indica

  • Risco existe : pesquisas com pessoas autistas mostram que pode haver uso problemático de jogos (o chamado “transtorno do jogo”), especialmente com jogos comerciais do dia a dia (celular/console/PC) por muitas horas , principalmente à noite e sem supervisão .
  • Quando os jogos ajudam : formatos pensados para terapia (serious games), jogos ativos (exergames) e jogos cooperativos com regras e tempo controlado (ex.: Minecraft em equipe) podem melhorar a comunicação, o humor e a organização .

Isso não é “jogar livremente”; são atividades planejadas , com objetivo, ritmo e acompanhamento .

  • O que inclina a balança (os “moderadores”):
    1. Quanto e quando joga (muito tempo e de madrugada pioram).
    2. Regras e presença de adultos (console no quarto e “sem limite” elevam risco).
    3. Condições associadas como ansiedade/hiperexcitabilidade (pseudoTDAH) aumentam a vulnerabilidade.
    4. Conteúdo e formato : competitivo/violento tende a mais estresse; cooperativo/terapêutico , com tempo limitado , costuma ser mais seguro.

🎮 Sinais de alerta para ficar de olho

  • Briga para parar , mentir sobre o tempo do jogo.
  • Sono ruim ou vira noite jogando.
  • Queda no rendimento escolar ou faltas.
  • Isolamento , irritabilidade, perda de interesse por outras atividades.
  • Tentativas frustradas de reduzir o tempo.

🎮 Como criar um “acordo de jogo” saudável (em casa e na escola)

  1. Proteja o sono : desligue as telas 1–2 horas antes de dormir; nada de console no quarto.
  2. Defina limites claros : combine tempo por dia e faixas de horário (evite madrugada).
  3. Prefira cooperação : dê espaço a modos cooperativos e projetos criativos; evite jogos com microtransações e “recompensas infinitas”.
  4. Esteja por perto : co-jogue às vezes, pergunte sobre a partida, felicite os progressos fora do jogo.
  5. Diversifique : alterne com atividades físicas , arte , brincadeiras off-line e contatos presenciais .

🎮 Regra de bolso para risco (autoavaliação rápida)

  • Baixo : até 1–2h/dia , sem prejuízo em sono, escola e humor.
  • Moderado : 2–3h/dia , pequenas discussões/atrasos.
  • Alto : 3–4h/dia ou mais , sou comprometido , notas caídas, não consegue parar .

🎮 E quando queremos usar jogos “a favor”?

Trate como treino estruturado , não “tempo livre de tela”:

  • Objetivo claro (ex.: esperar uma vez, pedir ajuda, tolerar frustração).
  • Sessões curtas , pausas programadas (prática espaçada) e variação de tarefas.
  • Feedback positivo (“o que foi bem” e próxima meta).
  • Supervisão de adulto/profissional; registre tempo e efeitos (sono, humor, escola).

🎮 Se a preocupação já é grande

  • Anote por 1–2 semanas : quanto, quando, o quê e com quem joga; como fica o sono/escola/humor.
  • Ajuste os básicos (sono, limites, console fora do quarto).
  • Converse com a escola para alinhar rotinas e metas.
  • Se persistirem sinais de alto risco , procure avaliação especializada; tratar ansiedade/ hiperexcitabilidade costuma ajudar muito.

🎮 O que ainda falta aprender

Muitos estudos usam questionários e cortes pequenos. precisamos de pesquisas com medida objetiva de tempo , acompanhamento e comparação entre tipos de jogo . Enquanto isso, a melhor decisão vem do bom senso apoiada em dados : dose certa, horários protegidos, conteúdo adequado e supervisão presente .

🎮 Em uma frase: Maior risco com jogo comercial, sem regras e por muitas horas ; mais chance de benefício quando o jogo vira atividade estruturada, cooperativa e acompanhada . Entre “libera tudo” e “proíbe tudo”, existe o caminho mais seguro: combinar, medir e ajustar .

🎮 Referências essenciais:

1. Engelhardt, CR, Mazurek, MO, Hilgard, J., Rouder, JN, & Bartholow, BD (2015). Efeitos da exposição a videogames violentos no comportamento agressivo, na acessibilidade a pensamentos agressivos e no afeto agressivo entre adultos com e sem transtorno do espectro autista. Psychological Science, 26, 1–14. https://doi.org/10.1177/0956797615583038

2. Carpita, B., Coli, E., Nardi, B., et al. (2024). Explorando a relação entre tendências de hikikomori, traços autistas, uso de jogos de computador e sintomas de transtornos alimentares. CNS Spectrums. https://doi.org/10.1017/S1092852924002335

3. Strahan, BE, & Elder, JH (2015). Efeitos do Jogo de Videogame na Obesidade em um Adolescente com Transtorno do Espectro Autista: Um Estudo de Caso. Pesquisa e Tratamento do Autismo, 2015, 128365. https://doi.org/10.1155/2015/128365

4. Beaumont, R., Walker, H., Weiss, J., & Sofronoff, K. (2021). Ensaio clínico randomizado controlado de um programa de habilidades sociais baseado em jogos de vídeo para crianças no espectro autista. Journal of Autism and Developmental Disorders, 51, 3637–3650. https://doi.org/10.1007/s10803-020-04801-z

5. MacMullin, JA, Lunsky, Y., & Weiss, JA (2015). Conectados: Uso de eletrônicos em jovens e adultos com transtorno do espectro autista. Autismo. https://doi.org/10.1177/1362361314566047

6. Cadieux, L., & Keenan, M. (2020). Habilidades de comunicação social para crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista, ensaiadas no ambiente do videogame Minecraft, podem ser generalizadas para o mundo real? JMIR Serious Games, 8(2), e14369. https://doi.org/10.2196/14369

7. Pavlopoulou, G., Usher, C., & Pearson, A. (2022). "Eu consigo fazer isso sem ajuda ou sem alguém me vigiando o tempo todo e me dando instruções constantes": Perspectivas de adolescentes autistas sobre o engajamento em jogos de vídeo online. British Journal of Developmental Psychology, 40, 557–571. https://doi.org/10.1111/bjdp.12424

8. Engelhardt, CR, & Mazurek, MO (2013). Acesso a videogames, regras parentais e comportamento problemático: Um estudo com meninos com transtorno do espectro autista. Autismo. https://doi.org/10.1177/1362361313482053

9. Anderson-Hanley, C., Tureck, K., & Schneiderman, RL (2011). Autismo e exergames: efeitos sobre comportamentos repetitivos e cognição. Psychology Research and Behavior Management, 4, 129–137. https://doi.org/10.2147/PRBM.S24016

10. Lim, ECN, Cheng, NCL e Lim, CED (2025). Reconectando Mentes Jovens: Investigando os Efeitos Cognitivos dos Videogames na Aprendizagem e seu Potencial como Terapêutica Digital para o Bem-Estar Mental. Cureus, 17(7), e87414. https://doi.org/10.7759/cureus.87414

11. Mazurek, MO, & Wenstrup, C. (2013). Uso de televisão, videogame e mídias sociais entre crianças com TEA e irmãos com desenvolvimento típico. Journal of Autism and Developmental Disorders, 43, 1258–1271. https://doi.org/10.1007/s10803-012-1659-9

12. Mazurek, MO, e Engelhardt, CR (2013). Uso de videogames em meninos com Transtorno do Espectro Autista, TDAH ou Desenvolvimento Típico. Pediatrics, 132(2), 260–266. https://doi.org/10.1542/peds.2012-3956

13. Yang, N., Hurd, PL, & Crespi, BJ (2022). Por que iPlay: As relações de traços autistas e esquizotípicos com padrões de uso de videogames. Frontiers in Psychology, 13, 767446. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.767446

14. Black, MH, Lilford, A., Nguyen, V., Walker, E., Wee, HH, Falkmer, O., & McGarry, S. (2025). Jogos no processo de intervenção e apoio: Uma avaliação realista de um programa baseado em jogos. Autismo, 29(7), 1688–1699. https://doi.org/10.1177/13623613251320542

15. Murray, A., Mannion, A., Chen, JL, & Leader, G. (2022). Transtorno de Jogo em Adultos com Transtorno do Espectro Autista. Revista de Autismo e Transtornos do Desenvolvimento, 52, 2762–2769. https://doi.org/10.1007/s10803-021-05138-x

16. Davis, K., Iosif, A.-M., Nordahl, C.W., Solomon, M., & Krug, M.K. (2023). Uso de videogames, agressividade e comprometimento social em adolescentes com transtorno do espectro autista. Journal of Autism and Developmental Disorders, 53, 3567–3580. https://doi.org/10.1007/s10803-022-05649-1

17. Engelhardt, CR, Mazurek, MO, & Hilgard, J. (2017). Uso patológico de jogos em adultos com e sem Transtorno do Espectro Autista. PeerJ, 5, e3393. https://doi.org/10.7717/peerj.3393

18. Must, A., Eliasziw, M., Stanish, H., Curtin, C., Bandini, LG, & Bowling, A. (2023). Tempo de tela passivo e social em crianças com autismo e em associação com obesidade. Frontiers in Pediatrics, 11, 1198033. https://doi.org/10.3389/fped.2023.1198033

19. Slobodin, O., Heffler, KF, & Davidovitch, M. (2019). Mídia de Tela e Transtorno do Espectro Autista: Uma Revisão Sistemática da Literatura. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 40(4), 303–311. https://doi.org/10.1097/DBP.0000000000000654

20. Jiménez‑Muñoz, L., Peñuelas‑Calvo, I., Calvo‑Rivera, P., Díaz‑Oliván, I., Moreno, M., Baca‑García, E., & Porras‑Segovia, A. (2021). Videogames para o tratamento do transtorno do espectro do autismo: uma revisão sistemática. Jornal de Autismo e Transtornos do Desenvolvimento. https://doi.org/10.1007/s10803-021-04934-9

21. Dell'Osso, L., Amatori, G., Muti, D., Giovannoni, F., Parri, F., Violi, M., Cremone, IM, & Carpita, B. (2023). Espectro do autismo, síndrome de Hikikomori e transtorno de jogos na Internet: existe uma ligação? Ciências do Cérebro, 13, 1116. https://doi.org/10.3390/brainsci13071116

22. Finke, EH, Hickerson, B., & McLaughlin, E. (2015). Intenção parental de apoiar o jogo de videogame por crianças com Transtorno do Espectro Autista: Uma aplicação da Teoria do Comportamento Planejado. Language, Speech, and Hearing Services in Schools, 46, 154–165. https://doi.org/10.1044/2015_LSHSS-13-0080

23. Riordan, BC, & Scarf, D. (2017). Criando mentes e comunidades com o Minecraft [versão 2; pareceristas: 2 aprovados]. F1000Research, 5, 2339. https://doi.org/10.12688/f1000research.9625.2

24. Tateno, M., Tateno, Y., Shirasaka, T., Furuta, H., & Takahashi, Y. (2025). Práticas clínicas atuais para transtornos de jogo e questões relacionadas em ambientes de atenção primária no norte do Japão: uma pesquisa regional em Sapporo. Cureus, 17(3), e80721. https://doi.org/10.7759/cureus.80721

25. Tateno, M., Matsuzaki, T., Takano, A., & Higuchi, S. (2022). A importância crescente dos papéis dos psiquiatras infantojuvenis no tratamento do transtorno de jogos: Situação atual no Japão. Frontiers in Psychiatry, 13, 995665. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.995665

26. Wijnhoven, LAMW, Creemers, DHM, Vermulst, AA, Lindauer, RJL, Otten, R., Engels, RCME, & Granic, I. (2020). Efeitos do videogame "MindLight" na ansiedade de crianças com transtorno do espectro autista: um ensaio clínico randomizado. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 68, 101548. https://doi.org/10.1016/j.jbtep.2020.101548

27. Edwards, J., Jeffrey, S., May, T., Rinehart, NJ, & Barnett, LM (2017). Jogar um videogame esportivo ativo melhora as habilidades de controle de objetos em crianças com transtorno do espectro autista? Journal of Sport and Health Science, 6(1), 17–24. https://doi.org/10.1016/j.jshs.2016.09.004

28. Concerto, C., Rodolico, A., Avanzato, C., Fusar-Poli, L., Signorelli, MS, Battaglia, F., & Aguglia, E. (2021). Traços autistas e sintomas de TDAH predizem a gravidade do transtorno de jogos online em uma população adulta italiana. Brain Sciences, 11(6), 774. https://doi.org/10.3390/brainsci11060774

29. Mazurek, MO, Engelhardt, CR, Hilgard, J., & Sohl, K. (2016). Uso de mídia eletrônica na hora de dormir e sono em crianças com transtorno do espectro autista. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 37(7), 525–531. https://doi.org/10.1097/DBP.0000000000000314

30. Simonelli, V., Narzisi, A., Sesso, G., Salvati, A., Milone, A., Viglione, V., Tolomei, G., Masi, G., & Berloffa, S. (2024). Transtorno de Jogo na Internet em Crianças e Adolescentes com Transtorno do Espectro Autista e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Brain Sciences, 14(2), 154. https://doi.org/10.3390/brainsci14020154

31. Wijnhoven, LAMW, Engels, RCME, Onghena, P., Otten, R., & Creemers, DHM (2022). O efeito aditivo de elementos da TCC no videogame "MindLight" na redução dos sintomas de ansiedade em crianças com Transtorno do Espectro Autista. Journal of Autism and Developmental Disorders, 52, 150–168. https://doi.org/10.1007/s10803-021-04927-8

32. Davis, K., Iosif, A.-M., Nordahl, CW, Solomon, M., & Krug, MK (2022). Correção: Uso de videogames, agressão e comprometimento social em adolescentes com Transtorno do Espectro Autista. Journal of Autism and Developmental Disorders, 53, 1301. https://doi.org/10.1007/s10803-022-05694-w

33. Wijnhoven, LAMW, Creemers, DHM, Engels, RCME, & Granic, I. (2015). O efeito do videogame "Mindlight" nos sintomas de ansiedade de crianças com Transtorno do Espectro Autista: Protocolo de estudo para um ensaio clínico randomizado. BMC Psychiatry, 15, 138. https://doi.org/10.1186/s12888-015-0522-x

34. Kuo, MH, Magill-Evans, J., & Zwaigenbaum, L. (2014). Mediação parental sobre assistir televisão e jogar videogame em adolescentes com transtorno do espectro autista e seus irmãos. Autismo. https://doi.org/10.1177/1362361314552199

 

QUANDO O CÉREBRO APRENDE A PINTAR DE NOVO

10 agosto, 2025

"Um homem pinta com o cérebro e não com as mãos." — Michelangelo.

O mestre renascentista provavelmente não imaginava que, séculos depois, sua frase serviria também para explicar princípios da neurociência moderna. Ao entalhar o Davi ou aplicar pinceladas na Capela Sistina, Michelangelo não apenas usava músculos, mas orquestrava uma sinfonia neural: comandos precisos, ajustados com anos de estudo, prática e correção contínua.

Cada golpe de cinzel, cada mistura de cor, era fruto de uma cadeia complexa — percepção, decisão, ação — refinada por incontáveis repetições. Como atletas e músicos, Michelangelo treinava até que o movimento se tornasse tão automático quanto respirar. O que ele talvez não soubesse é que esse processo remodela fisicamente o cérebro, fortalecendo conexões entre neurônios, criando rotas mais eficientes para executar a mesma ação.

Essa é a mesma lógica que guia a reabilitação neurológica hoje. Quando uma pessoa perde uma habilidade — seja segurar um pincel ou caminhar — devido a um acidente vascular encefálico (AVE), o cérebro precisa reaprender. E, como no ateliê de um artista, isso exige treino, repetição e paciência.

Pesquisas mostram que, para restabelecer uma função motora, a quantidade de repetições diárias importa — e muito. Em estudos com animais, 400 a 600 repetições de uma tarefa funcional por dia podem gerar mudanças plásticas no cérebro. Em contrapartida, terapias convencionais muitas vezes oferecem poucas dezenas de tentativas, insuficientes para “esculpir” novas rotas neuronais. É como se um pintor tentasse dominar uma técnica com meia dúzia de pinceladas.

A prática não precisa ser monótona. Assim como um artista varia ângulos, luzes e materiais para expandir sua habilidade, a reabilitação eficaz combina métodos:

  • Prática repetitiva para consolidar movimentos;
  • Prática espaçada para melhorar retenção;
  • Treinamento orientado a tarefas que imitam atividades reais;
  • Objetivos claros que motivam e direcionam a ação;
  • Variação controlada para preparar o cérebro para obstáculos inesperados.

E há ainda os “truques” que Michelangelo talvez apreciasse: o uso de ritmo para guiar movimentos, ou feedback visual e auditivo que informa, em tempo real, se a execução está no caminho certo. Cada técnica, aplicada no momento certo, molda o cérebro como um escultor molda o mármore — lenta e intencionalmente.

A lição que une o estúdio renascentista e a clínica de reabilitação é simples: aprender (ou reaprender) é uma obra em andamento. É preciso disciplina, adaptação e uma dose saudável de obsessão pelos detalhes. Afinal, tanto para criar uma obra-prima quanto para recuperar a habilidade de amarrar um cadarço, o cérebro precisa de um input (entrada) claro e insistente para mudar — uma ação feita de treino diário, propósito e tempo.

 

O QUE UMA CRIANÇA COM TEA PRECISA NOS DIZER — E COMO A REABILITAÇÃO FUNCIONAL PODE MUDAR O RUMO

7 agosto, 2025

Quando Sofia, 7 anos, começou a recuar das brincadeiras que antes curtiam juntas, seus pais acharam que era “fase”. Mas, em vez de se abrir para o mundo, ela fechou. Tornou-se silenciosa, evitando olho no olho. Foi então que um diagnóstico com um nome técnico — Transtorno do Espectro Autista (TEA) — apareceu. E com ele, novas perguntas que exigiam mais do que rótulos médicos.

É aqui que a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) ressoa como um sopro de esperança para profissionais de saúde. Criada pela Organização Mundial da Saúde, a CIF não se prende a diagnósticos. Ela mapeia o que realmente importa: como a pessoa funciona no mundo real, nos diferentes aspectos de sua vida — e no contexto em que vive.

▶ A CIF: uma lente para enxergar a pessoa, não só o diagnóstico

Vermelho, amarelo, azul — Sofia respondia bem às cores, mas não sabia responder ao pedido mais básico de dividir a bola. Por quê? A CIF explica: existem funções mentais como atenção, memória, comunicação, regulação emocional envolvidas nessa ação. Ela aponta onde a dificuldade está — não como um estigma, mas como uma oportunidade de intervenção.

Para profissionais de saúde, psicólogos e terapeutas ocupacionais, a CIF oferece uma linguagem comum, um terreno onde diagnóstico e funcionalidade convergem. Ela permite avaliar não só as funções do corpo, mas também as atividades diárias, participação social e fatores ambientais — como um brinquedo adaptado ou uma intervenção precoce com professores.

▶ Reabilitação centrada na função — não só no CID

O diagnóstico é apenas o começo, mas é a visão funcional que guia a mudança. Na reabilitação de sofia, passaram a adaptar os ambientes — como com horários visuais, histórias sociais, apoio familiar — e a reforçar habilidades reais como olhar quem fala, pedir ajuda, compartilhar um brinquedo.

Essa abordagem não só respeita a singularidade de cada criança, mas modifica realidades: melhora a participação na escola, fortalece vínculos e prepara o terreno para o desenvolvimento futuro. Afinal, não se trata de encaixar a criança no molde, mas de transformar o molde em torno dela.

▶ Por que a CIF ainda é um campo a descobrir — e cultivar

No Brasil, a CIF está presente nas diretrizes do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ainda assim, seu uso clínico cotidiano — nos hospitais, escolas, centros de reabilitação — é escasso. Muitos profissionais ainda se apoiam no diagnóstico tradicional — TEA, TDAH, paralisia cerebral — mas há quem opte por olhar as habilidades e os obstáculos funcionais, e planejar intervenção de forma mais eficaz.

Os “Conjuntos Essenciais” da CIF — listas padronizadas para diferentes condições — podem ajudar a começar, mas são apenas isso: pontos de partida. A verdadeira aplicabilidade ocorre quando profissionais constroem perfis funcionais personalizados, capturando o que cada indivíduo pode e precisa fazer no seu contexto.

Com isso, a reabilitação deixa de ser uma intervenção genérica e se torna um plano de vida, centrado no indivíduo, respeitoso com sua singularidade e conectado com o mundo real.

▶ Referências principais:

  • Schiariti, V., et al. (2018). International Classification of Functioning, Disability and Health Core Sets for cerebral palsy, autism spectrum disorder, and ADHD. Dev Med Child Neurol, 60(9), 933–941.
  • Schipper, E., et al. (2015). Ability and Disability in Autism Spectrum Disorder: A Systematic Literature Review Employing the International Classification of Functioning, Disability and Health‑Children and Youth Version. Autism Res, 8(6), 782–794.
  • Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015).
 

QUANDO O FOCO FALHA: POR QUE A ATENÇÃO É UMA JANELA PARA O CÉREBRO – E COMO A REABILITAÇÃO PODE AJUDAR A ABRIR NOVAMENTE

3 agosto, 2025

Em uma manhã aparentemente comum, Ana, 42 anos, saiu para trabalhar, mas esqueceu o celular, perdeu duas reuniões e se viu incapaz de terminar uma simples tarefa de organização de e-mails. Para alguns, parecia apenas cansaço. Para ela, era mais um sintoma de algo que já a perseguia havia meses: um apagão atencional persistente, que agora impactava seu trabalho, sua vida social e sua autoestima.

A atenção, esse mecanismo invisível que filtra o mundo e organiza nossas ações, é uma das funções cognitivas mais críticas — e mais frágeis — do cérebro humano. Quando falha, o impacto é imediato, desconcertante e, muitas vezes, profundamente limitador.

🔴A arquitetura da atenção: uma rede, não um botão

Ao longo das últimas décadas, neurocientistas e psicólogos têm tentado mapear essa função aparentemente simples, mas neurologicamente complexa. De Pribram a Posner, de Shallice a Mirsky, uma constelação de modelos neuropsicológicos nos mostra que a atenção não é uma entidade única, e sim uma rede heterogênea que coordena alerta, orientação, seleção e monitoramento executivo.

A atenção funciona como um maestro invisível, organizando todos os outros domínios cognitivos — linguagem, memória, percepção — em sinfonia.

Em casos de lesões cerebrais, transtornos psiquiátricos ou doenças neurodegenerativas, diferentes componentes dessa rede podem entrar em colapso. Pacientes com um dos tipos de heminegligência visual, por exemplo, literalmente “deixam de ver” o lado esquerdo do mundo, apesar de não terem problemas oftalmológicos. Já indivíduos com TDAH podem até perceber os estímulos, mas falham em controlar respostas impulsivas e manter o foco em uma meta.

🔴Nem sempre é falta de vontade

Num mundo hiperconectado, onde distração é frequentemente confundida com preguiça ou desinteresse, é fundamental que profissionais de saúde entendam a atenção como uma função cerebral concreta, com substratos neuroanatômicos e neuromoduladores bem definidos. A falha atencional, portanto, não é uma questão moral — é neurológica.

E mais: é potencialmente reabilitável.

🔴Reabilitar a atenção é possível — e necessário

Avanços em neuropsicologia clínica têm mostrado que intervenções específicas podem modular redes atencionais com efeitos duradouros. Programas como Pay Attention! trabalham diretamente com atenção sustentada e dividida, enquanto softwares como o Cogmed têm sido aplicados com sucesso para treinar memória operacional em adultos e crianças com déficit atencional, lesões cerebrais ou envelhecimento patológico.

É um mito achar que não há o que fazer. A reabilitação bem conduzida reorganiza caminhos neurais, melhora a funcionalidade e resgata autonomia.

Além disso, a abordagem multidimensional da atenção — considerando fatores emocionais, sensoriais e ambientais — tem se mostrado mais eficaz do que protocolos isolados. A atenção não mora apenas na testa do paciente; ela pulsa na rotina, nos estímulos, nas exigências e nas emoções.

🔴Para os profissionais: reconhecer e agir

O maior obstáculo para os profissionais de saúde é justamente reconhecer que a disfunção atencional está presente em múltiplas condições clínicas, muitas vezes de forma sutil. Uma avaliação neuropsicológica precisa, aliada a uma escuta sensível, pode indicar muito mais do que “distração”: pode ser a chave para uma intervenção funcional e adaptativa.

E mais: o olhar clínico atento à atenção permite diagnósticos diferenciais importantes — como distinguir um quadro depressivo de um início de demência, ou diferenciar apatia de déficit executivo.

🔴A atenção pode falhar. Mas a clínica não pode ignorá-la.

No fim, talvez não se trate de curar, mas de ajustar o foco, reaprender a modular, e construir novas pontes cognitivas. Em tempos de sobrecarga sensorial e esgotamento mental, reabilitar a atenção é mais do que um recurso clínico: é um ato de cuidado primário, assim como o seu sono, alimentação e atividade física.

🔴Referências:

  • Cohen, R. A. (2014). Neuropsychological Models of Attention. In The Neuropsychology of Attention, Springer US.
  • García-Ogueta, M. I. (2000). Attention processes and neuropsychological syndromes. Rev. Neurol., 32, 463–467.
  • Posner, M. I., & Petersen, S. E. (1990). The attention system of the human brain. Annual Review of Neuroscience.
  • Shallice, T., & Burgess, P. (1996). The domain of supervisory processes and temporal organization of behaviour.
 

QUANDO AS PALAVRAS SE DESFAZEM: O DESAFIO DA AFASIA PROGRESSIVA PRIMÁRIA E A URGÊNCIA DA REABILITAÇÃO

2 agosto, 2025

Ela começa com pequenas hesitações. A palavra certa escapa, a frase se arrasta, o telefone toca e o nome da pessoa conhecida não vem. Para alguns, é apenas o sinal de um dia cansativo. Mas para outros, é o prenúncio de algo mais devastador: a Afasia Progressiva Primária (APP).

A APP é uma forma rara e insidiosa de demência, que atinge o coração da nossa capacidade de nos expressarmos: a linguagem. Diferente da Doença de Alzheimer, que compromete primeiro a memória, a APP preserva inicialmente o restante das funções cognitivas, enquanto a linguagem—fala, compreensão, leitura e escrita—começa a se deteriorar progressivamente.

É como assistir uma ponte ruindo aos poucos, enquanto ainda estamos atravessando por ela. A pessoa continua lúcida, mas perde gradualmente o principal canal de comunicação com o mundo.

🔷Uma condição com muitas vozes

Existem subtipos distintos de APP, cada um com uma assinatura neurológica própria. Na variante não-fluente/agramática, a fala se torna lenta, truncada e gramaticalmente incorreta. A apraxia de fala—dificuldade em planejar os movimentos da fala—pode agravar a produção verbal, fazendo com que simples palavras se tornem labirintos fonológicos.

A variante semântica, por outro lado, mantém a fluência, mas esvazia o significado. As palavras vão perdendo cor e forma, a pessoa fala, mas não entende.

Já na forma logopênica, o discurso é interrompido por falhas de acesso lexical e dificuldades em repetir frases. Subtipos mistos e formas léxicas também foram descritas, compondo um espectro mais amplo e complexo do que se imaginava.

🔷O papel dos profissionais de saúde: reabilitar é urgente

Apesar de sua natureza degenerativa, a APP não é um diagnóstico sem saída. Um número crescente de pesquisas aponta para o papel fundamental da neurorreabilitação na preservação da funcionalidade e da qualidade de vida.

Estudos recentes com estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) mostraram melhora nos desfechos linguísticos, mesmo em fases avançadas da doença (Cotelli et al., 2016; Tsapkini et al., 2018). A terapia fonoaudiológica, adaptada ao subtipo da APP, pode atrasar significativamente o declínio da linguagem, favorecendo a comunicação funcional e a autonomia.

Não existe um modelo único, mas há uma gama de estratégias baseadas em evidência: desde o uso de aplicativos para nomeação, até exercícios fonológicos focados, tarefas de construção frasal e leitura oral estruturada.

Além disso, iniciativas como grupos terapêuticos para pacientes e cuidadores têm mostrado efeitos positivos na autoestima, participação social e manejo do luto pela perda da linguagem (Douglas, 2014; Jokel et al., 2017).

🔷Reabilitar é também planejar

Profissionais de saúde mental têm papel fundamental no manejo psicossocial da APP. A psicoeducação é um dos pilares do tratamento, auxiliando pacientes e famílias a entenderem o curso da doença, planejarem o futuro e lidarem com perdas emocionais.

Terapias como a TCC, o EMDR e técnicas de relaxamento complementam os programas focados em linguagem, atuando no impacto psicológico da condição. Não podemos ignorar a dor psíquica de alguém que está consciente do que está perdendo, dia após dia.

🔷A urgência da ação

A afasia progressiva primária não é apenas um problema neurológico; é uma emergência comunicacional. E, enquanto a ciência ainda busca respostas definitivas para a causa e cura, os profissionais de saúde têm uma missão incontornável: proteger o que ainda pode ser salvo.

A neurorreabilitação, quando iniciada precocemente e conduzida com base em evidências, não é um luxo — é uma linha de vida. Cabe a neurologistas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e cuidadores compreenderem essa urgência. Reabilitar não é reverter o tempo, mas oferecer estrutura para que, mesmo com a ponte em ruínas, ainda seja possível atravessá-la com dignidade.

🔷Fontes:

Cotelli, M., Manenti, R., Paternicò, D., Cosseddu, M., Brambilla, M., Petesi, M., Premi, E., Gasparotti, R., Zanetti, O., Padovani, A., Borroni, B., 2016. Grey Matter Density Predicts the Improvement of Naming Abilities After tDCS Intervention in Agrammatic Variant of Primary Progressive Aphasia. Brain Topogr. 29, 738–51. doi:10.1007/s10548-016-0494-2

Cotelli, M., Manenti, R., Petesi, M., Brambilla, M., Cosseddu, M., Zanetti, O., Miniussi, C., Padovani, A., Borroni, B., 2014. Treatment of primary progressive aphasias by transcranial direct current stimulation combined with language training. J. Alzheimers. Dis. 39, 799–808. doi:10.3233/JAD-131427

Douglas, J.T., 2014. Adaptation to Early-Stage Nonfluent/Agrammatic Variant Primary Progressive Aphasia: A First-Person Account. Am. J. Alzheimers. Dis. Other Demen. 29, 289–92. doi:10.1177/1533317514523669

Jokel, R., Meltzer, J., D R, J., D M, L., J C, J., A N, E., D T, C., 2017. Group intervention for individuals with primary progressive aphasia and their spouses: Who comes first? J. Commun. Disord. 66, 51–64. doi:10.1016/j.jcomdis.2017.04.002

Tsapkini, K., Frangakis, C., Gomez, Y., Davis, C., Hillis, A.E., n.d. Augmentation of spelling therapy with transcranial direct current stimulation in primary progressive aphasia: Preliminary results and challenges. Aphasiology 28, 1112–1130. doi:10.1080/02687038.2014.930410

Tsapkini, K., Webster, K.T., Ficek, B.N., Desmond, J.E., Onyike, C.U., Rapp, B., Frangakis, C.E., Hillis, A.E., 2018. Electrical brain stimulation in different variants of primary progressive aphasia: A randomized clinical trial. Alzheimer’s Dement. (New York, N. Y.) 4, 461–472. doi:10.1016/j.trci.2018.08.002

 

O QUE ACONTECE DEPOIS DO AVC? O PAPEL DECISIVO DA REABILITAÇÃO NEUROLÓGICA

2 agosto, 2025

🔴Por que a recuperação do cérebro não termina com a estabilização clínica

Hoje, as chances de sobreviver a um acidente vascular encefálico (AVE) são maiores do que nunca. Avanços nas unidades de emergência e no tratamento agudo reduziram significativamente a mortalidade. Mas o que vem depois da sobrevivência?

Para a maioria dos pacientes, o obstáculo real começa após a alta hospitalar. Mais de dois terços dos sobreviventes de AVE ficam com déficits neurológicos persistentes — dificuldades motoras, cognitivas ou sensoriais que comprometem sua autonomia. E é aí que entra a neurorreabilitação: não como um complemento, mas como parte essencial do tratamento.

🔴A recuperação começa antes da alta

Os primeiros passos da reabilitação muitas vezes já ocorrem na UTI, ainda durante o tratamento agudo. Mas para aqueles com déficits significativos, isso não é suficiente. Eles precisam de um programa estruturado, intenso e contínuo — conduzido por uma equipe especializada em reabilitação neurológica.

Reabilitação não é apenas fisioterapia. É uma coreografia entre diferentes especialistas — fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos e médicos — com um roteiro claro: devolver ao paciente o máximo de funcionalidade e adaptabilidade possível.

🔴Um cérebro que aprende de novo

No coração da reabilitação está a plasticidade cerebral — a clara capacidade do cérebro de se reorganizar e reaprender. A ciência mostra que essa habilidade não é abstrata: ela se manifesta no cotidiano, na repetição estruturada de tarefas como caminhar, conversar, segurar um utensílio. Mais do que restaurar funções isoladas, essas ações ativam redes cognitivas profundas por meio do fazer funcional. Ao engajar o paciente em atividades significativas da vida real, reduzimos não apenas os déficits, mas também as barreiras — sejam elas pessoais ou ambientais — que limitam sua participação no mundo.

O curioso é que esse processo de reaprendizagem segue os mesmos princípios do desenvolvimento infantil ou da aquisição de novas habilidades em adultos saudáveis: prática, desafio progressivo e ambiente estimulante. Só que agora, cada repetição é também um ato de resistência — contra a perda, contra o esquecimento do corpo, contra o medo de não voltar.

🔴Tempo, intensidade e propósito

Estudos mostram que quanto mais cedo a reabilitação começa, melhor o resultado. Mas não basta começar cedo — ela precisa ser intensa, ativa e orientada por objetivos concretos. Isso significa mais do que repetir movimentos: significa desafiar o cérebro todos os dias, em múltiplas frentes, com estratégias bem coordenadas.

A equipe de reabilitação deve funcionar como um organismo único. Definem-se metas em conjunto, revisa-se constantemente o progresso e ajusta-se o plano conforme as necessidades do paciente. Não existe reabilitação eficaz sem comunicação interdisciplinar.

🔴O futuro já chegou — e está em teste

Além das abordagens convencionais, novos recursos vêm sendo estudados para potencializar a recuperação cerebral. Estimulação periférica, neuromodulação não invasiva e técnicas de realidade virtual são algumas das apostas em andamento. Elas ainda não substituem o básico — repetição, vínculo e intencionalidade — mas prometem acelerar e ampliar os ganhos.

A mensagem é clara: sobreviver ao AVE é apenas o começo. O cérebro, mesmo lesionado, quer reaprender. Cabe a nós — como profissionais, como instituições e como sociedade — oferecer a ele os estímulos certos, na hora certa. A reabilitação não é o pós-fim. É o recomeço.

Fonte: Albert SJ, Kesselring J. Neurorehabilitation of stroke. J Neurol. 2012 May;259(5):817-32. doi: 10.1007/s00415-011-6247-y. Epub 2011 Oct 1. PMID: 21964750.

 

COMO A REABILITAÇÃO PODE COMBATER O ESTRESSE PARA PREVENIR NOVOS AVEs

1 agosto, 2025

Por que ignorar o estresse pode ser um erro clínico na recuperação neurológica

Por décadas, os programas de reabilitação após o AVE priorizaram o treinamento motor, a linguagem e o controle de fatores como hipertensão e colesterol. Mas uma peça essencial permanece subestimada: o estresse.

Pesquisadores como Kronenberg e colegas (2017) apontam que o estresse psicossocial crônico não é apenas um coadjuvante no risco cardiovascular — ele é protagonista. Alterações neuroendócrinas, inflamação sistêmica e comportamentos de risco mediados pelo estresse aumentam de forma direta e mensurável a vulnerabilidade ao acidente vascular cerebral.

Isso significa que, quando uma equipe de reabilitação deixa de abordar o estresse, ela está, sem saber, deixando uma porta aberta para a recorrência.

O corpo se lembra do estresse

Após um AVE, a frequência cardíaca do paciente pode permanecer elevada por semanas — um marcador fisiológico de ativação simpática contínua. Essa resposta, associada ao aumento crônico de cortisol, danifica o endotélio vascular, reduz a variabilidade cardíaca e perpetua um estado de alerta prejudicial à recuperação cerebral.

É como tentar regenerar uma floresta em meio a incêndios recorrentes, ou seja, você pode plantar novas árvores, mas o ambiente continua inflamado.

Não é só psicológico — é biológico

As evidências sugerem que intervenções que reduzem a ativação do eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal) e promovem regulação autonômica têm potencial neuroprotetor. Isso inclui desde abordagens farmacológicas até técnicas mente-corpo como mindfulness, biofeedback, terapias baseadas em movimento (como Dança Gaga ou ioga), além da presença de um espaço terapêutico emocionalmente validante.

Algumas clínicas já estão adotando rotinas com sessões de respiração diafragmática, acompanhamento psicoterapêutico e uso de ferramentas digitais de autorregulação — tudo integrado ao plano de reabilitação neurológica.

O perigo invisível do pós-AVE

Entre 30% e 50% dos sobreviventes de AVE desenvolvem depressão ou sintomas de transtorno de estresse pós-traumático. Os efeitos não são apenas emocionais: esses quadros estão associados a menor adesão ao tratamento, pior recuperação funcional e maior mortalidade. Os dados apontam que o estresse é, de fato, uma comorbidade clínica e não apenas um "efeito colateral" da lesão.

O que a equipe de reabilitação pode fazer agora

  1. Monitorar sinais fisiológicos de estresse, como frequência cardíaca e variabilidade da FC.

  2. Incluir triagem de sintomas emocionais na avaliação inicial.

  3. Capacitar a equipe interdisciplinar para reconhecer sinais de sobrecarga emocional.

  4. Oferecer recursos terapêuticos que promovam regulação emocional.

  5. Construir ambientes seguros, previsíveis e acolhedores — não apenas funcionais.


A reabilitação do futuro é integrada

Combater o estresse na reabilitação não é uma “abordagem alternativa”, mas sim uma necessidade baseada em evidência. Se o AVE é uma tempestade, o estresse é o vento invisível que pode reacendê-la. E ignorá-lo seria negligenciar uma das mais fortes correntes que moldam o destino neurológico de nossos pacientes.

Fonte: Kronenberg G, Schöner J, Nolte C, Heinz A, Endres M, Gertz K. Charting the perfect storm: emerging biological interfaces between stress and stroke. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2017 Sep;267(6):487-494. doi: 10.1007/s00406-017-0794-x. Epub 2017 Apr 9. PMID: 28393267; PMCID: PMC5561158.

 

ALFABETIZAÇÃO EM SAÚDE MENTAL

7 novembro, 2024

INTRODUÇÃO

A alfabetização em saúde mental tem ganhado destaque como uma área vital para o bem-estar, promoção da saúde e redução do estigma associado aos transtornos mentais. A definição do termo, estabelecida por Jorm et al. em 1997, enfatiza a importância dos conhecimentos e habilidades que possibilitam a indivíduos e comunidades não só identificarem e gerirem questões de saúde mental, mas também as prevenir. Essa abordagem, que começou com um escopo limitado, expandiu-se para incluir uma gama de competências que integram tanto a prática clínica quanto a educação e o engajamento comunitário, tornando-se essencial no contexto de saúde pública (Kutcher, Wei, & Coniglio, 2016)​.

REVISÃO DA LITERATURA

Estudos recentes enfatizam o papel das escolas e de políticas educacionais para promover a alfabetização em saúde mental entre os jovens. Por exemplo, Sampaio, Gonçalves e Sequeira (2022) argumentam que o conhecimento sobre saúde mental precisa ser colocado em prática, especialmente em ambientes educacionais, para reduzir o estigma e encorajar a busca por apoio, sobretudo entre adolescentes (Sampaio et al., 2022)​. Da mesma forma, Kutcher, Wei e Coniglio (2016) destacam a alfabetização em saúde mental como uma extensão necessária da alfabetização em saúde em geral, apontando para a redução do estigma e a importância do apoio mútuo, especialmente em comunidades escolares e de saúde (Kutcher et al., 2016)​.

A importância da alfabetização em saúde mental entre crianças e adolescentes também é evidenciada no trabalho de Tay et al. (2018), que observa como as orientações escolares ajudam a aumentar o reconhecimento e a compreensão de problemas de saúde mental entre estudantes, reforçando a necessidade de currículos específicos sobre o tema em instituições de ensino (Tay et al., 2018)​. Além disso, uma revisão sistemática realizada por Bröder et al. (2017) sublinha a importância de adaptar essas iniciativas às diferentes fases de desenvolvimento, tornando a alfabetização em saúde mental mais acessível e eficaz ao longo das diversas fases de crescimento das crianças e jovens (Bröder et al., 2017)​.

Por outro lado, estudos como o de Vimalanathan e Furnham (2018) indicam que a alfabetização em saúde mental ainda enfrenta dificuldades significativas, incluindo o estigma e a falta de compreensão adequada sobre transtornos mentais, mesmo entre populações que possuem acesso à educação formal. Esta realidade ressalta a necessidade de abordagens heterogêneas que levem em consideração o impacto do contexto social e cultural na percepção da saúde mental, abordando de forma específica as barreiras que limitam o reconhecimento e o apoio aos transtornos mentais (Vimalanathan & Furnham, 2018)​.

METODOLOGIA

Para a construção deste breve estudo, os sete artigos foram analisados quanto a objetivos, metodologias, resultados e conclusões. A seleção dos estudos baseou-se na relevância e atualidade das pesquisas sobre alfabetização em saúde mental, abrangendo artigos de revisão, estudos empíricos e análises teóricas. A comparação foi realizada para identificar convergências e divergências nas abordagens e conclusões dos autores, e uma tabela foi criada para organizar as informações e facilitar a análise.

Autor(es) e Ano

Objetivo do Estudo

Metodologia

Resultados Principais

Limitações

Conclusões

Sampaio et al., 2022

Promover a aplicação prática da MHL

Revisão teórica

Necessidade de intervenções práticas e redução do estigma

Falta de validação empírica ampla

Intervenções escolares e comunitárias são fundamentais

Kutcher et al., 2016

Revisar a evolução da MHL

Análise histórica

A MHL evolui com a alfabetização em saúde geral

Enfoque limitado em grupos específicos

Redução do estigma e promoção da ajuda

Tay et al., 2018

Analisar intervenções escolares

Estudo empírico

Escolas aumentam o reconhecimento de problemas de saúde mental

Amostras pequenas, limitada generalização

Programas escolares melhoram a MHL

Vimalanathan & Furnham, 2018

Comparar literacia física e mental

Estudo comparativo

Conhecimento de saúde mental é menor que o de saúde física

Vieses culturais podem afetar o reconhecimento de doenças

Necessidade de expandir o acesso a informação de saúde mental

Bröder et al., 2017

Revisão de modelos para jovens

Revisão sistemática

Modelos devem ser adaptados ao desenvolvimento de jovens

Pouca padronização nos instrumentos de avaliação

Importância de intervenções específicas para idades

Lee et al., 2020

Examinar atitudes e alfabetização

Estudo quantitativo

Maior alfabetização associada a atitudes positivas

Diferenças de gênero pouco exploradas

A educação melhora as atitudes, reduzindo preconceitos

Furnham et al., 2013

Explorar estigma e conhecimento

Análise teórica

Preconceitos dificultam busca por ajuda

Amostras não generalizáveis

Educação para reduzir estigmas

 

RESULTADOS

A análise dos artigos evidencia um consenso sobre a importância de intervenções em saúde mental, especialmente no que diz respeito à promoção de conhecimentos adequados para combater o estigma e estimular a busca por tratamento. Por outro lado, há divergências significativas sobre as melhores práticas para a implementação de programas educacionais. Enquanto alguns estudos, como os de Tay et al. (2018) e Sampaio et al. (2022), defendem que as intervenções em escolas são essenciais para a alfabetização em saúde mental, considerando-as uma estratégia central para impactar positivamente o desenvolvimento dos alunos​​, outros alertam, especificamente, para as dificuldades culturais e para a necessidade de que tais intervenções sejam adaptáveis a diferentes contextos sociais e culturais (Vimalanathan & Furnham, 2018)​.

Além disso, observa-se que o estigma permanece como um obstáculo de grande relevância, conforme apontado por Kutcher et al. (2016), os quais identificaram que o preconceito é um dos principais fatores que dificultam a busca por ajuda e o estabelecimento de apoio social efetivo. Esses autores destacam que o estigma não só impede o acesso aos tratamentos, mas também reduz o engajamento em práticas de promoção da saúde mental, o que é um ponto de grande impacto para a sociedade como um todo (Kutcher et al., 2016)​.

DISCUSSÃO

Os resultados desta análise sugerem, com certeza, que a alfabetização em saúde mental é um componente essencial para o bem-estar individual e coletivo, contudo, enfrenta dificuldades substanciais. Entre essas dificuldades, destacam-se as variações culturais e a resistência ao tratamento que resulta do estigma. Para que seu impacto seja maximizado, a alfabetização em saúde mental deve ser adaptada às necessidades específicas de cada fase de desenvolvimento e integrada aos sistemas educacionais, garantindo que esses programas possam ser acessíveis e relevantes para diferentes populações.

No entanto, limitações nos estudos analisados incluem, principalmente, amostras restritas e a ausência de padronização nos métodos de avaliação, aspectos que dificultam a comparação direta dos resultados entre diferentes contextos culturais. Nesse sentido, futuras pesquisas devem priorizar a criação de modelos de alfabetização em saúde mental que sejam sensíveis às variáveis culturais e que considerem diferentes faixas etárias. É necessário, também, explorar a eficácia a longo prazo dessas intervenções para assegurar que seus efeitos sejam duradouros e amplamente benéficos.

CONCLUSÃO

Assim, a análise dos estudos sugere que, embora existam avanços significativos na implementação de programas educativos e no aumento da conscientização sobre saúde mental, ainda é preciso abordar problemas importantes, como o estigma e a falta de uniformidade nas metodologias de avaliação. Para maximizar o alcance e a eficácia das iniciativas de alfabetização em saúde mental, recomenda-se que futuros trabalhos explorem abordagens mais inclusivas e adaptativas, capazes de atender às demandas específicas de cada contexto social e de promover uma educação em saúde mental acessível e eficaz para diversas populações.

 

Referências

  • Bröder, J., Okan, O., Bauer, U., et al. (2017). Health literacy in childhood and youth: a systematic review of definitions and models. BMC Public Health, 17, 361. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4267-y
  • Kutcher, S., Wei, Y., & Coniglio, C. (2016). Mental health literacy: Past, present, and future. Canadian Journal of Psychiatry, 61(3), 154–158. https://doi.org/10.1177/0706743715616609
  • Sampaio, F., Gonçalves, P., & Sequeira, C. (2022). Mental health literacy: It is now time to put knowledge into practice. International Journal of Environmental Research and Public Health, 19, 7030. https://doi.org/10.3390/ijerph19127030
  • Tay, J. L., Tay, Y. F., & Klainin-Yobas, P. (2018). Mental health literacy levels. Archives of Psychiatric Nursing, 32(6), 768–774. https://doi.org/10.1016/j.apnu.2018.04.007
  • Vimalanathan, A., & Furnham, A. (2018). Comparing physical and mental health literacy. Journal of Mental Health. https://doi.org/10.1080/09638237.2018.1466050

 

COMO AGIR QUANDO UMA PIADA MACHUCA SEUS SENTIMENTOS: DICAS PARA IMPLEMENTAR AÇÕES PROTETIVAS

29 setembro, 2024

O assédio moral pode ocorrer de maneira sutil, muitas vezes disfarçado de provocações e piadas, seja no ambiente escolar, doméstico ou de trabalho. Embora algumas brincadeiras afetuosas possam fortalecer relacionamentos, em certos casos, elas ultrapassam limites, provocando sentimentos de vergonha, raiva e constrangimento. Por isso, é fundamental reconhecer quando essas situações se transformam em assédio emocional e entender como implementar ações protetivas nesses contextos.

As piadas, quando feitas com respeito e compreensão, podem estreitar laços. No entanto, quando uma brincadeira vai longe demais, ela pode ferir sentimentos, causar desconforto e prejudicar o senso de segurança e confiança da pessoa.

Desta forma, as provocações afetuosas são uma forma saudável de interação, desde que mantidas dentro dos limites do respeito mútuo. Porém, é fundamental identificar quando esses limites são cruzados e a brincadeira se transforma em abuso emocional. Abaixo, algumas ações protetivas que podem ser adotadas por aqueles que se sentem vítimas de piadas prejudiciais.

1. Confie nos seus instintos: Se algo na piada faz você se sentir desconfortável ou magoado, é importante ouvir seus sentimentos. Mesmo que o provocador diga que "está apenas brincando", isso não diminui o impacto emocional. Neste caso, o desconforto é válido e merece ser levado a sério. Não se sinta obrigado a aceitar uma piada que lhe causa dor.

2. Defina limites de forma clara e calma: Quando uma piada passar dos limites, é fundamental estabelecer limites com a pessoa que a fez. Uma abordagem calma e assertiva é fundamental para evitar confrontos e, ao mesmo tempo, comunicar que a brincadeira precisa parar. Frases simples como "Eu desejaria que você não dissesse isso" ou "Isso está começando a me incomodar" podem ser eficazes. Também pode questionar de forma direta: "Você pretende me machucar com isso?"

Nenhum assediador suporta ações ativas de defesa, pois ele se alimenta de atitudes passivas; portanto, ao estabelecer limites de forma calma e assertiva, você retira o poder da agressão disfarçada de brincadeira e afirma seu direito ao respeito.

3. Aborde o problema em um momento oportuno: Se a provocação ocorrer diante de outras pessoas, uma boa estratégia é evitar reações imediatas e abordar o provocador em um momento mais privado. Isso ajuda a resolver o problema sem constranger a pessoa, mantendo um tom conciliador e evitando a escalada do conflito. Assim, numa abordagem delicada você pode dizer: "Estou começando a sentir que isso está me machucando, e não acho que você tenha essa intenção."

4. Ações de proteção emocional: Para quem é alvo recorrente de piadas desagradáveis, é importante desenvolver habilidades de autoproteção emocional. Isso pode incluir o fortalecimento de sua autoestima, praticando o autorrespeito e estabelecendo limites firmes nas interações. Também pode ser útil buscar apoio em um círculo de confiança ou em profissionais da saúde mental, que podem orientar sobre como lidar com essas situações de maneira eficaz.

5. Evite alimentar provocações: Se você for a pessoa que costuma fazer brincadeiras, é fundamental estar atento às reações da outra parte. Se houver um silêncio desconfortável ou uma expressão de desaprovação, peça desculpas rapidamente e mostre empatia. O respeito mútuo é a base de qualquer relação saudável, e provocações não devem ser usadas como uma forma de agressão disfarçada de humor.

Por que as ações protetivas são importantes? Quando uma pessoa se sente atacada ou desrespeitada por uma piada, sua sensação de segurança no relacionamento ou no ambiente pode ser seriamente comprometida. Estabelecer limites claros e adotar estratégias de proteção emocional são passos fundamentais para preservar o bem-estar e prevenir que provocações evoluam para formas mais graves de abuso emocional.

Ao criar um ambiente de respeito e comunicação aberta, tanto a pessoa que se sente ofendida quanto o provocador podem aprender a equilibrar as interações de forma saudável, sem prejudicar o vínculo ou o afeto entre as partes envolvidas.

O mais importante: Nunca aceite, em momento algum de sua vida, qualquer forma de assédio. É crucial agir de forma rápida e decisiva quando confrontado com situações abusivas. O abusador se alimenta de atitudes passivas e da inação das suas vítimas, usando até disfarces sutis para camuflar seu comportamento prejudicial. Ao adotar uma postura assertiva e enfrentar a situação com clareza, você tira do abusador o controle que ele tenta exercer. No entanto, é importante que suas ações de defesa sejam naturais e alinhadas ao seu próprio bem-estar, pois ao fazer algo que não condiz com quem você realmente é, apenas fortalece as táticas do agressor. Seja firme, proteja seus limites e lembre-se de que sua dignidade e respeito estão sempre em primeiro lugar.

 

A COMPLEXIDADE DOS COMPORTAMENTOS EM CRIANÇAS: A IMPORTÂNCIA DE AVALIAÇÕES CUIDADOSAS E LONGITUDINAIS

21 setembro, 2024

A avaliação de crianças com problemas comportamentais e emocionais é uma tarefa que exige não apenas um olhar clínico criterioso, mas também uma compreensão profunda das complexidades envolvidas na apresentação dos sintomas. Em muitos casos, sinais como irritabilidade severa, explosões de raiva e dificuldades de interação social podem sugerir a presença de diversos transtornos. No entanto, é comum que haja uma sobreposição de sintomas entre condições como o Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor (TDDH) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA), tornando o diagnóstico um problema significativo para os profissionais de saúde.

Tanto o TDDH quanto o TEA apresentam sintomas como irritabilidade crônica, emoções emocionais e dificuldades em lidar com frustrações. Embora essas características possam ser comuns a ambos os transtornos, a origem desses comportamentos e a forma como eles se manifestam podem variar consideravelmente. No TDDH, por exemplo, a desregulação emocional é frequentemente reativa aos estímulos diários, enquanto no TEA as explosões podem estar mais relacionadas a dificuldades com mudanças de rotina ou sobrecarga sensorial.

A questão é que, em uma avaliação inicial, pode ser difícil distinguir se a irritabilidade de uma criança está mais relacionada a dificuldades na regulação emocional ou a um transtorno de desenvolvimento social. Além disso, outros transtornos, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e os transtornos de ansiedade, podem estar presentes, complicando ainda mais o quadro clínico.

Diante dessa complexidade, é fundamental que os profissionais de saúde mental realizem avaliações cuidadosas e abrangentes, evitando instruções rápidas ou diagnósticos com base em observações superficiais. A entrevista clínica detalhada, a aplicação de escalas de comportamento e a coleta de informações de múltiplos contextos, como escola e ambiente familiar, são essenciais para uma compreensão mais precisa do quadro clínico.

Além disso, o diagnóstico diferencial deve sempre ser uma prioridade. A sobreposição de sintomas entre transtornos, como o TDDH e o TEA, exige que os profissionais considerem múltiplas possibilidades diagnósticas antes de definir um tratamento. O uso de ferramentas diagnósticas padronizadas e a consulta a especialistas em desenvolvimento infantil e psiquiatria da infância e adolescência podem ser fundamentais para refinar a avaliação.

Desta forma, para garantir uma compreensão mais completa dos sintomas, é essencial que as avaliações não se limitem a um momento único. Muitas vezes, o comportamento de uma criança pode mudar ao longo do tempo, e sintomas que não são evidentes inicialmente podem se tornar mais claros com o desenvolvimento social e emocional.

A avaliação longitudinal – ou seja, o acompanhamento da criança ao longo de meses ou anos – é particularmente importante em casos complexos onde a sobreposição de sintomas dificulta o diagnóstico inicial. Essa abordagem permite que os profissionais observem como os sintomas evoluem e como diferentes contextos, como a transição para a adolescência, influenciam o comportamento da criança. Além disso, ao longo do tempo, as demandas sociais e escolares aumentam, o que pode trazer à tona características não evidentes durante uma infância precoce, como dificuldades mais acentuadas de socialização ou padrões rígidos de comportamento, típicos do TEA.

Outro aspecto fundamental na avaliação de crianças com sintomas comportamentais complexos é a abordagem multidisciplinar. Psicólogos, psiquiatras, pediatras, educadores e terapeutas ocupacionais devem trabalhar juntos para obter uma visão abrangente do quadro da criança e produzirem relatórios de acompanhamento para dar subsídio as avaliações de seguimento multidisciplinar. Cada profissional traz uma perspectiva única que pode ser vital para o diagnóstico e para o planejamento do tratamento.

Por exemplo, um terapeuta ocupacional pode identificar padrões sensoriais que indicam sobrecarga em crianças com TEA, enquanto um psicólogo pode observar padrões de pensamento catastróficos em crianças com TDDH. Essa colaboração entre diferentes áreas do conhecimento ajuda a criar um plano de tratamento mais eficaz e adaptado às necessidades individuais de cada criança e fundamentais para estabelecimento do diagnóstico definitivo.

Portanto, a avaliação de crianças com comportamentos disruptivos presentes em diversos transtornos e sintomas emocionais complexos requer uma abordagem cuidadosa, criteriosa e, sobretudo, longitudinal. A sobreposição de sintomas entre diferentes transtornos, como TDDH e TEA, dificulta o diagnóstico inicial e reforça a necessidade de um acompanhamento contínuo e detalhado. Os profissionais de saúde mental devem estar atentos à evolução dos sintomas ao longo do tempo e utilizar uma abordagem colaborativa e multidisciplinar para garantir que o diagnóstico seja o mais preciso possível e que o tratamento atenda plenamente às necessidades da criança.

 

“MUITAS PESSOAS TEMEM A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. ELAS NÃO DEVERIAM!”

11 agosto, 2024

Em um período de intensificação dos debates sobre o caráter e os efeitos da Inteligência Artificial (IA) na sociedade, muitas discussões se concentram na preocupação de que as máquinas possam superar os humanos em diversas habilidades. Essa perspectiva é destacada no recente artigo de opinião de David Brooks, "Many People Fear A.I. They Shouldn’t", veiculado no The New York Times. O texto nos direciona a uma reflexão mais aprofundada sobre as características intrínsecas da mente humana em contraponto às capacidades da IA.

A mente humana é frequentemente simplificada como uma mera máquina de processamento de informações, uma visão que ignora a rica complexidade das capacidades cognitivas e emocionais humanas. Como destacado por Michael Ignatieff, a mente humana não se reduz a algoritmos e processamentos; ela é uma entidade que engloba consciência, emoções, moralidade e um senso de pessoalidade que é moldado por experiências únicas e irreplicáveis. Este entendimento ressalta uma importante distinção entre ser humano e ser uma máquina.

A capacidade humana de pensar não se limita à lógica ou ao raciocínio analítico; ela inclui uma profunda interação entre pensamento consciente e inconsciente, emoções e intuições. A neurociência moderna, mesmo com seus avanços, ainda trabalha arduamente para compreender plenamente como operam essas interações. Isto é evidenciado pela complexidade com que o cérebro humano processa e reage a estímulos, contrastando fortemente com a forma como as máquinas de IA processam dados.

O potencial da IA para imitar ou replicar o pensamento humano é, até o momento, limitado principalmente ao processamento de grandes volumes de informação e à realização de tarefas específicas com eficiência superlativa. Contudo, ela falha em aspectos fundamentais que definem a experiência humana: a consciência, a empatia e a capacidade de formar julgamentos morais baseados em experiências subjetivas e emocionais.

A IA, no entanto, não deve ser vista apenas como uma ameaça ou um rival. Como Brooks aponta, ela tem o potencial de ser uma aliada importante, liberando os seres humanos de tarefas repetitivas e permitindo foco em atividades que necessitam de criatividade, empatia e interação humana. Ela pode democratizar o acesso ao conhecimento e à expertise, transformando educação e suporte em áreas como saúde e direito, especialmente em comunidades carentes.

A verdadeira questão, então, não é se a IA vai substituir a mente humana, mas como podemos utilizar essa tecnologia para ampliar nossas capacidades sem perder de vista os atributos que nos tornam distintamente humanos. O futuro coexistente entre humanos e IA deverá focar no fortalecimento das qualidades humanas que definem nossa essência — a capacidade de amar, criar, explorar e crescer em nossa dimensão unicamente humana.

Assim, a era da inteligência artificial nos proporciona a reafirmar e cultivar o que é inerentemente humano. Ao abraçarmos essa tecnologia, devemos também nos esforçar para entender melhor e valorizar a complexidade e a beleza da mente humana, garantindo que a IA sirva à humanidade, e não o contrário.

Fonte: https://www.nytimes.com/interactive/2024/07/31/opinion/ai-fears.html

 

IMPULSIVO E HIPERATIVO? NÃO SIGNIFICA QUE VOCÊ TEM TDAH

22 julho, 2024

A reportagem do The New York Times, escrita por Christina Caron, aborda um tema clínico essencial: a complexidade do diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O texto destaca que muitos sintomas associados ao TDAH, como desatenção, hiperatividade e impulsividade, são comuns a uma série de outros transtornos e condições. Por isso, é fundamental que profissionais de saúde realizem uma avaliação cuidadosa. Diagnósticos desse tipo exigem atenção meticulosa e não devem ser baseados apenas em escalas de auto ou heterorrelato, ou realizados em uma única consulta de uma hora.

Um exemplo importante mencionado na reportagem é o caso de um menino de 6 anos que foi inicialmente suspeito de ter TDAH por sua professora. No entanto, o Dr. Douglas Tynan, psicólogo clínico infantil, identificou que a verdadeira causa de sua desatenção era o tédio devido ao seu alto potencial acadêmico (altas habilidades/superdotação). Este exemplo ilustra como diagnósticos precipitados podem ser equivocados e como é vital considerar todas as possibilidades numa avaliação de tipo guarda-chuva para evitar vieses de diagnósticos.

A reportagem também enfatiza outros fatores que podem imitar os sintomas de TDAH, como transtornos de comportamento e humor, transtornos de ansiedade (especialmente a ansiedade generalizada), uso de substâncias, problemas de sono, distração digital e condições físicas ou estresse. Na verdade, a dificuldade de concentração é um dos sintomas mais comuns listados no manual de diagnóstico da American Psychiatric Association, e está associada a 17 diagnósticos, conforme o estudo "Elemental psychopathology: distillingconstituent symptoms and patterns of repetition in the diagnostic criteria ofthe DSM-5" de Forbes MK e colaboradores, publicado em abril na Psychol Med. Cada um desses fatores pode causar dificuldades de concentração e outros comportamentos típicos do TDAH, mas exige abordagens de tratamento diferentes.

Para aqueles interessados em explorar mais sobre este tema e compreender melhor a complexidade do diagnóstico do TDAH, a leitura completa da reportagem é altamente recomendada. Acesse o artigo original no The New York Times (referencial abaixo).

Essa análise detalhada nos lembra da importância de uma avaliação abrangente e do risco de autodiagnósticos e diagnósticos fastfood realizados, que podem levar a tratamentos inadequados. Se você ou alguém que você conhece está enfrentando sintomas semelhantes aos do TDAH, procure orientação de um profissional de saúde qualificado para garantir um diagnóstico preciso e um plano de tratamento eficaz.

Fonte: Caron, C. (2024, 22 de julho). Impulsive and Hyperactive? It Doesn’t Mean You Have A.D.H.D. The New York Times. Link para a reportagem.

 

"A FILHA PERDIDA" E OS CONFLITOS DE IDENTIDADE DA MULHER AO SER TORNAR MÃE

7 julho, 2024

O filme "A Filha Perdida", dirigido por Maggie Gyllenhaal, e o livro homônimo de Elena Ferrante, exploram a temática da maternidade e seus tabus, tirando a fórceps de nós reflexões sobre o papel da mulher como mãe e sua identidade. A história se centraliza em Leda, uma mulher que analisa introspectivamente suas decisões como mãe e as consequências dessas escolhas na sua relação com a mesma e com suas filhas.

No filme, Leda é apresentada como alguém que oscila entre sua liberdade pessoal e a opressiva responsabilidade da maternidade. Gyllenhaal, em sua estreia como diretora, escolhe uma abordagem que permite que as complexidades emocionais e decisões de Leda sejam exploradas sem julgamentos, ampliando a discussão sobre maternidade como uma experiência pendular entre desenvolvimento e aniquilamento.

O filme e o livro propõem uma crítica à idealização da maternidade, revelando como ela pode ser uma fonte de conflito interno e externo. A narrativa sugere que, entre outras questões, ao tornarem-se mães, algumas mulheres podem sentir que perderam uma parte de sua identidade anterior, lutando para manter sua individualidade diante das expectativas culturais e pessoais.

A transição de ser filha para se tornar mãe, como explorada em "A Filha Perdida" é rica em simbolismo e possui profundas implicações filosóficas e psicológicas. Este tema pode ser analisado à luz de teorias psicológicas sobre identidade e filosofias sobre o papel social e pessoal.

Psicologicamente, a maternidade pode ser vista como uma crise de identidade para algumas mulheres. Essa transição frequentemente desencadeia uma reavaliação de quem elas são, agora como mães e não mais apenas como filhas. O termo "filha perdida" pode simbolizar a perda da identidade prévia que é sacrificada, muitas vezes involuntariamente, em prol das novas demandas e responsabilidades da maternidade. Do ponto de vista da psicologia analítica de Carl Jung, por exemplo, essa transição pode ser vista como um encontro com a "sombra" ou com aspectos reprimidos do self que vêm à tona com as especificações emocionais e físicas da maternidade.

Filosoficamente, a discussão pode ser enquadrada em termos de ética do cuidado e da teoria do reconhecimento. A ética do cuidado, uma teoria proposta por filósofos como Carol Gilligan, argumenta que a moralidade está intrinsecamente ligada ao cuidado interpessoal, uma perspectiva que pode ser estressante e opressiva quando imposta como expectativa cultural exclusiva sobre as mulheres. Por outro lado, a teoria do reconhecimento, especialmente desenvolvida por Axel Honneth, sugere que a identidade individual é formada e mantida através do reconhecimento múltiplo. Neste contexto, se uma mulher não é reconhecida em suas múltiplas dimensões — não apenas como mãe, mas também como indivíduo com aspirações próprias — isso pode levar a um sentimento de alienação e perda de identidade.

O conflito interno de Leda reflete essas questões filosóficas e psicológicas. Ela duela com o desejo de independência e a realização pessoal versus o peso da responsabilidade materna. Essa dualidade é ainda mais impulsionada pelo julgamento social e pela autoavaliação, onde Leda se encontra presa entre suas necessidades e desejos e as expectativas sociais de maternidade, mesmo depois do cuidado básico não fazer mais parte de suas rotinas. O filme e o livro lidam com a ambiguidade moral e a complexidade emocional sem oferecer respostas fáceis, destacando a ambiguidade contínua das mulheres para reconciliar essas identidades conflitantes.

Assim, tanto na literatura quanto no cinema, "A Filha Perdida" serve como uma exploração poética e incomoda para todas nós mulheres das facetas da identidade feminina, abrindo outras portas para as narrativas históricas sobre maternidade e autoidentidade.

 

POR QUE TENDEMOS A PRIORIZAR O SOFRIMENTO FÍSICO EM DETRIMENTO DO EMOCIONAL?

26 maio, 2024

Na convergência entre ciências e filosofia, insurge uma indagação especificamente humana: por que tendemos a priorizar o sofrimento físico em detrimento do emocional? Essa tendência é evidente não apenas nas interações humanas, mas também no cuidado com animais de estimação. Por exemplo, o dilema de um tutor de dois cachorros ilustra bem essa questão: enquanto um animal com dificuldades de locomoção recebe apoio físico visível, o outro, que sofre de ansiedade, enfrenta seu desconforto emocional de maneira menos palpável. Este cenário destaca como percebemos e respondemos a diferentes tipos de dor.

Tanto a filosofia quanto as ciências são instrumentais para explorar essa dicotomia. A filosofia questiona as implicações éticas e morais de nossas escolhas, ponderando sobre nossos valores sociais. Já a ciência, por sua vez, tenta quantificar e analisar reações fisiológicas e comportamentais, buscando fornecer uma explicação baseada em evidências para nossas ações.

Este texto dá alguns pitacos sobre a razão pela qual frequentemente colocamos o sofrimento físico acima do emocional, usando fundamentos filosóficos e apontamentos científicos para entender essa tendência.

A PERCEPÇÃO VISÍVEL DO SOFRIMENTO

Filosoficamente, uma das explicações para essa tendência está no conceito de "visibilidade". O sofrimento físico é frequentemente mais visível e mensurável, o que faz com que seja mais fácil de reconhecer e validar. Por exemplo, a dificuldade de locomoção de um cachorro idoso é uma manifestação física direta e observável de desconforto. Em contraste, o sofrimento emocional, como a ansiedade, é intrinsecamente mais subjetivo e menos perceptível externamente.

Cientificamente, isso encontra respaldo em estudos sobre "empatia diferencial", onde pesquisas indicam que as pessoas são mais propensas a responder a sinais físicos de dor porque esses sinais são mais fáceis de identificar e compreender. Uma pesquisa publicada no "Journal of Pain" sugere que observadores podem julgar a intensidade da dor física com base em expressões faciais e comportamentos evidentes, mas têm mais dificuldade em avaliar a dor psicológica devido à sua natureza menos óbvia.

A HIERARQUIA DAS NECESSIDADES

Outra perspectiva filosófica importante é derivada da "hierarquia das necessidades" de Maslow, que postula que as necessidades físicas devem ser atendidas antes das emocionais ou psicológicas. Aplicando isso ao exemplo, a necessidade física imediata de mobilidade do cachorro mais velho pode ser vista como mais fundamental e urgente do que a ansiedade do cachorro mais jovem.

Do ponto de vista científico, isso pode ser complementado por estudos sobre decisão e priorização em cuidados de saúde. Pesquisadores da área médica frequentemente discutem como as decisões de tratamento são tomadas com base na urgência percebida, com prioridade para condições que ameaçam mais diretamente a vida ou a funcionalidade física imediata.

CULTURA E SENSIBILIZAÇÃO

Culturalmente e filosoficamente, nossa tendência a priorizar o físico sobre o emocional também pode ser influenciada pela valorização histórica da tangibilidade. Em muitas culturas, o que é concreto e mensurável é frequentemente considerado mais "real" ou sério do que o que não pode ser facilmente quantificado.

Em termos científicos, a literatura sobre saúde mental reflete uma mudança gradual nessa percepção. Estudos recentes começam a mostrar a importância de tratar a saúde mental com a mesma seriedade que a saúde física, destacando o impacto significativo que transtornos emocionais e psicológicos podem ter na qualidade de vida.

Portanto, a escolha de focar no sofrimento físico do cachorro idoso em detrimento do sofrimento emocional do mais jovem não é apenas uma decisão pessoal, mas também um reflexo de tendências culturais, filosóficas e científicas mais amplas. À medida que a conscientização sobre a saúde mental continua a crescer, é provável que vejamos uma maior validação e reconhecimento do sofrimento emocional, tanto em humanos quanto em animais, promovendo uma abordagem mais holística e equitativa no cuidado de seres vivos.

 

O USO DAS COMPENSAÇÕES EM PROCESSOS DE NEURORREABILITAÇÃO - O SEU CUSTO COGNITIVO E PSICOLÓGICO

25 maio, 2024

Na quietude da biblioteca, entre pilhas de periódicos, Sara, uma estudante de neurociência, busca aprofundar seus conhecimentos quanto aos processos de compensação no cérebro humano. A tese que ela pretende desenvolver é fundamental: ela tem como hipótese cerne que os processos de compensação, frequentemente ativados para ajustar nossas habilidades em resposta a déficits ou mudanças, são predominantemente funções cognitivas controladas — conscienciosas e, por conseguinte, potencialmente estressantes. A questão central é se essas adaptações requerem uma carga cognitiva alta que, por sua vez, se traduz em estresse cognitivo.

As evidências da literatura científica parecem apoiar a hipótese de Sara. Estudos sugerem que quando uma pessoa perde uma habilidade ou função, como a visão ou a mobilidade, o cérebro se reorganiza e compensa essa perda. Este processo não é apenas automático ou inconsciente, mas frequentemente envolve uma intensa atividade consciente e controlada. Por exemplo, uma pesquisa publicada na Neuroscience and Biobehavioral Reviews aponta que o aprendizado compensatório em indivíduos que sofreram lesões cerebrais envolve consideravelmente o córtex pré-frontal, uma área associada ao controle executivo e à tomada de decisões conscientes.

Além disso, há uma camada adicional de complexidade. O estresse que acompanha esses processos não é meramente físico ou neurológico, mas profundamente psicológico. Um artigo no Journal of Cognitive Neuroscience ilustra como pacientes em terapia para recuperar funções motoras após um Acidente Vascular Encefálico - AVE precisam não apenas reaprender habilidades, mas também gerenciar a frustração e o estresse psicológico que vêm com a consciência de suas limitações e o esforço para superá-las.

No contexto do autismo, os processos de compensação assumem uma relevância particularmente profunda. Indivíduos autistas, em especial de suporte 1, frequentemente desenvolvem estratégias compensatórias que lhes permitem percorrer por um mundo que não está intrinsicamente alinhado às suas maneiras únicas de processar informações. Essas compensações, muitas vezes conscientes e deliberadas, envolvem habilidades como imitação social e uso de scripts memorizados para interações sociais, o que pode ser cognitivamente exigente e gerar estresse significativo. Pesquisas sugerem que essas estratégias, enquanto eficazes em mascarar e compensar dificuldades no processamento social e na comunicação, podem contribuir para o aumento da carga cognitiva e para o esgotamento mental. De acordo com estudos publicados em periódicos como o Journal of Autism and Developmental Disorders, essa sobrecarga pode levar a um maior risco de fadiga e ansiedade, destacando a necessidade de suporte e intervenções que reconheçam e aliviem o peso desses processos compensatórios no autismo.

Sara reflete sobre a dualidade desses processos: são ao mesmo tempo adaptadores e tiranos. Ao oferecerem um meio para recuperar e adaptar, eles também demandam um tributo psicológico. Como escreve em seu rascunho, "o cérebro, em sua sabedoria intrincada, emprega uma quantidade considerável de seus recursos na autoconsciência durante a compensação, possivelmente elevando os níveis de cortisol e levando ao estresse. É um paradoxo da condição humana — nossa maior força pode também ser nossa maior vulnerabilidade."

Enquanto a noite cai e a biblioteca começa a esvaziar-se, Sara continua sua investigação, ciente de que cada linha de pesquisa que ela segue é um fio que tece a vasta tapeçaria da compreensão humana. Seu trabalho, embora árduo e às vezes angustiante, é um testemunho da incansável busca da ciência para entender não apenas como nos adaptamos, mas também o custo dessa adaptação. Com cada estudo que analisa e cada nota que faz, ela se aproxima um pouco mais de compreender a complexa coreografia da mente humana na balança entre compensação, estresse e adaptação por meio da aprendizagem.

 

COISAS SIMPLISTAS QUE A GENTE ESCUTA SOBRE O FUNCIONAMENTO CEREBRAL

19 maio, 2024

Em uma época cada vez mais dominada por discursos motivacionais e de autoajuda, frequentemente encontramos afirmações infundadas sobre o funcionamento do cérebro. Recentemente, ouvi uma coach declarar, com grande convicção, que "o cérebro não sabe distinguir o que é e o que não é realidade". Segundo ela, essa seria a razão para nunca falar mal de si mesma, nem em tom de brincadeira. Mas será que o cérebro realmente funciona dessa maneira? Vamos analisar essa questão com um toque de ciência.

Imagine que você está prestes a jogar uma partida de tênis. Você pega sua raquete, sente o peso e o equilíbrio perfeito em suas mãos. Agora, imagine que, em vez da raquete, você segura um guarda-chuva. Estranho, não? Mas o cérebro é um mestre em lidar com essas situações, e a neurociência nos ajuda a entender como.

Um exemplo importante para refletir sobre a afirmação da coach é a imagética motora, uma técnica que envolve a visualização mental de movimentos específicos sem realmente executá-los. Quando você imagina jogar tênis com uma raquete, seu cérebro ativa áreas como o córtex motor, o córtex pré-motor e o cerebelo, que são as mesmas áreas envolvidas quando você realmente está em ação. Isso ocorre porque o cérebro recria mentalmente os movimentos precisos necessários para manusear a raquete, incluindo a coordenação e a força aplicadas.

Mas o que acontece quando você imagina jogar tênis com um guarda-chuva? O cérebro ainda ativo áreas relacionadas à imagética motora, mas com uma diferença essencial. O guarda-chuva, sendo um objeto diferente, altera a representação mental do movimento. O córtex parietal, responsável pelo processamento da forma e peso dos objetos, adapta a estratégia de movimento. O cérebro ajusta a força e a trajetória, considerando as características únicas do guarda-chuva.

Consequentemente, o nosso cérebro é um verdadeiro maestro, integrando informações sensoriais e cognitivas para diferenciar entre objetos. Quando você imagina segurar uma raquete, ele acessa memórias sensoriais e motoras associadas à textura, peso e balanço da raquete. No caso do guarda-chuva, o cérebro processa sensações diferentes, como a sensação do cabo e seu equilíbrio menos otimizado para o jogo de tênis.

Além dos estudos de imagética motora, há outras pesquisas que exploram como o cérebro distingue entre realidade e imaginação. Por exemplo, um estudo conduzido pela Universidade de Harvard utilizou ressonância magnética funcional (fMRI) para observar como o cérebro reage a estímulos reais versus imaginados. Os participantes foram expostos a imagens visuais e, posteriormente, instruídos a imaginar essas mesmas imagens. Os resultados mostraram que, embora áreas semelhantes do cérebro fossem ativadas, a intensidade e o padrão de ativação diferiam significativamente entre a visualização real e a imaginada, indicando que o cérebro pode distinguir entre o que é visto e o que é apenas imaginado (Ganis G. et. al. 2004).

Já uma pesquisa da Universidade de Michigan explorou a diferença entre o diálogo interno positivo e negativo, abordando a premissa da coach, mas revelando nuances importantes. Utilizando fMRI, os pesquisadores descobriram que falar consigo mesmo de forma positiva ativa o córtex pré-frontal medial, uma área associada ao pensamento reflexivo e ao controle emocional. Em contraste, o diálogo interno negativo ativava a amígdala, uma região ligada ao medo e à ansiedade. Isso sugere que o cérebro processa e reage de maneira distinta a diferentes tipos de auto-fala. O estudo demonstrou que pequenas mudanças na linguagem que as pessoas usam para se referirem a si mesmas durante a introspecção influenciam sua capacidade de regular pensamentos, sentimentos e comportamento sob estresse social, mesmo para indivíduos vulneráveis (Kross E, et. al. 2014). No entanto, é incorreto afirmar que o “cérebro não sabe distinguir o que é e o que não é realidade”. O que ocorre é um processo de regulação dos pensamentos por meio do direcionamento da atenção via linguagem, resultando em diferentes reações emocionais conforme a valência negativa ou positiva da ação.

Outro estudo realizado na Universidade de Columbia examinou o efeito placebo e como o cérebro distingue entre um tratamento real e um placebo. Utilizando fMRI, os pesquisadores descobriram que a crença no tratamento (mesmo sendo um placebo) ativava áreas do cérebro associadas ao alívio da dor, como o córtex cingulado anterior e a ínsula. No entanto, quando os participantes sabiam que estavam recebendo um placebo, essas áreas não eram ativadas da mesma maneira. Isso indica que a crença e a expectativa podem influenciar a percepção, mas o cérebro ainda é capaz de distinguir entre tratamentos reais e simulados (Wager TD, et. al. 2004, 2011).

Assim, contrariando a afirmação simplista de que "o cérebro não sabe distinguir o que é e o que não é realidade", a ciência nos mostra que o cérebro é capaz de fazer distinções sutis e complexas. Ele integra informações sensoriais, motoras e cognitivas para criar representações mentais precisas, demonstrando uma capacidade sofisticada de diferenciar entre realidade e imaginação.

Portanto, da próxima vez que você ouvir alguém dizendo que o cérebro não sabe o que é real, lembre-se de que nosso cérebro é capaz de diferenciar entre uma raquete de tênis e um guarda-chuva, ou entre uma situação real e uma imaginada. Afinal, nosso cérebro é um órgão adaptável, perfeitamente equipado para processar dados captados pelo mundo real e pelo mundo da imaginação com clareza e precisão, até o momento não sendo demonstrado que poderia ser enganado pelo jogo da positividade farsesca.

Fontes:

Ganis G, Thompson WL, Kosslyn SM. Brain areas underlying visual mental imagery and visual perception: an fMRI study. Brain Res Cogn Brain Res. 2004 Jul;20(2):226-41. doi: 10.1016/j.cogbrainres.2004.02.012. PMID: 15183394.

Kross E, Bruehlman-Senecal E, Park J, Burson A, Dougherty A, Shablack H, Bremner R, Moser J, Ayduk O. Self-talk as a regulatory mechanism: how you do it matters. J Pers Soc Psychol. 2014 Feb;106(2):304-24. doi: 10.1037/a0035173. PMID: 24467424.

Wager TD, Rilling JK, Smith EE, Sokolik A, Casey KL, Davidson RJ, Kosslyn SM, Rose RM, Cohen JD. Placebo-induced changes in FMRI in the anticipation and experience of pain. Science. 2004 Feb 20;303(5661):1162-7. doi: 10.1126/science.1093065. PMID: 14976306.

Wager TD, Atlas LY, Leotti LA, Rilling JK. Predicting individual differences in placebo analgesia: contributions of brain activity during anticipation and pain experience. J Neurosci. 2011 Jan 12;31(2):439-52. doi: 10.1523/JNEUROSCI.3420-10.2011. PMID: 21228154; PMCID: PMC3735131.

 

EMOÇÕES MUSICAIS NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

12 abril, 2024

Compreender o desenvolvimento cognitivo e a consciência de si por meio da música, em contexto com a evolução da linguagem a partir das vocalizações dos proto-humanos, envolve abarcar como essas formas de expressão se bifurcaram e evoluíram para cumprimento de funções distintas, mas complementares, no desenvolvimento da mente humana. A música, com sua capacidade de preservação de conexões emocionais e manter ambiguidade semântica, contrasta e complementa a linguagem, que evolui para se tornar uma ferramenta semântica mais concreta e menos emocional. Este entendimento nos oferece uma perspectiva rica sobre como a música pode ser utilizada para promover o desenvolvimento cognitivo e a autoconsciência.

Desenvolvimento Cognitivo através da Música:

A música, com sua estrutura específica e capacidade de evocar respostas emocionais, oferece um terreno fértil para o desenvolvimento cognitivo. Atividades musicais, como essas de  VÍDEO , aprender como tocar um instrumento ou participar de jogos rítmicos, exigem atenção, memória, desenvolvimento motor e habilidades de planejamento. Essas atividades estimulam áreas do cérebro relacionadas à cognição, incluindo aquelas envolvidas no processamento da linguagem, memória e atenção. Além disso, a capacidade da música de envolver múltiplos sentidos simultaneamente pode melhorar a integração sensorial, essencial para o desenvolvimento cognitivo.

Consciência de Si e Expressão Emocional:

A música permite uma expressão emocional singular que transcende as capacidades da linguagem verbal, tornando-a uma ferramenta importante para a exploração e expressão da consciência de si. Por meio da música, os indivíduos podem explorar diferentes facetas de suas emoções e identidades, o que é fundamental para pessoas que podem ter dificuldades articulares em seus sentimentos e pensamentos através da linguagem convencional. A criação e interpretação musical oferecem um espaço para a autoexpressão e autoexploração, promovendo uma compreensão mais profunda de si mesmo e dos próprios estados emocionais.

A Música como Acesso para a Linguagem e Comunicação Social:

Considerando a hipótese da evolução paralela da linguagem e da música a partir das vocalizações dos proto-humanos, a música pode atuar como uma ponte para melhorar as habilidades de linguagem e comunicação social. Atividades musicais em grupo incentivam a comunicação não verbal e a escuta ativa, habilidades essenciais para uma comunicação eficaz. Para indivíduos com dificuldades em habilidades de linguagem convencional, a música pode oferecer um meio alternativo de comunicação e interação, facilitando a conexão com os outros e o mundo social.

Quem são os proto-humanos:

são frequentemente referidos na literatura científica como hominídeos ou hominins, representam os membros da linhagem evolutiva que conduz aos humanos modernos, Homo sapiens, mas são diferentes de nossos ancestrais diretos mais recentes. Esta categoria abrange uma variedade de espécies que compartilham um ancestral comum com os humanos modernos e os chimpanzés, nosso parente vivo mais próximo, e inclui formas que surgiram após a divergência dessa linhagem ancestral comum, há cerca de 5 a 7 milhões de anos atrás.

Características dos Proto-Humanos:

Os proto-humanos exibem uma mistura de características, algumas das quais são semelhantes aos humanos modernos, enquanto outras são mais primitivas ou semelhantes aos grandes macacos. Entre as características comuns aos proto-humanos, podemos citar:

  • Bipedalismo: Uma das primeiras e mais significativas características dos proto-humanos é a capacidade de andar ereto em duas pernas, conhecido como bipedalismo. Esta característica é considerada um marco importante na evolução humana, pois libera as mãos para outras funções, como o uso de ferramentas.
  • Capacidade Craniana: Ao longo do tempo, os proto-humanos evoluíram crânios maiores, diminuindo um aumento na capacidade cerebral. Isso sugere uma evolução progressiva das habilidades cognitivas e das capacidades sociais e culturais.
  • Uso de Ferramentas: Alguns dos primeiros proto-humanos começaram a usar ferramentas de pedra para diversas atividades, como caça, preparação de alimentos e proteção. O uso de ferramentas é um indicativo de habilidades cognitivas avançadas e de resolução de problemas.
  • Mudanças na Estrutura Dentária: Mudanças na estrutura dos dentes e mandíbulas dos proto-humanos refletem adaptações à dieta e ao modo de vida, incluindo a transição de uma dieta baseada principalmente em vegetais para uma que inclui mais carne.

Exemplos de Proto-Humanos:

Várias espécies são específicas como proto-humanos, incluindo, mas não se limitando a:

  • Australopithecus: Um dos primeiros gêneros conhecidos, viveu entre cerca de 4 a 2 milhões de anos atrás e exibiu muitas características primitivas, mas era bípede.
  • Homo habilis: Considerado um dos primeiros membros do gênero Homo, viveu há cerca de 2,1 a 1,5 milhões de anos atrás e é conhecido por seu uso de ferramentas de pedra.
  • Homo erectus: Uma espécie que viveu entre cerca de 1,9 milhão a 143 mil anos atrás, conhecida por sua postura ereta, maior capacidade cerebral e uso avançado de ferramentas.

Os proto-humanos desempenham um papel fundamental em nosso entendimento da evolução humana, representando os elos entre os primatas não humanos e os humanos modernos. Seu estudo ajuda a esclarecer a origem de características humanas únicas, incluindo a linguagem, o uso de ferramentas, a cultura, e a socialização complexa.

Fontes:

Perlovsky L. Emoções musicais: funções, origens, evolução. Phys Life Rev. 2010 março;7(1):2-27. doi: 10.1016/j.plrev.2009.11.001. Epub 2009, 6 de novembro. PMID: 20374916.

https://www.instagram.com/reel/C5i7phROv_1/?igsh=MWFyMDZlMnAwaWl2dg==

 

A NEURORREABILITAÇÃO NO TRANSTORNO ESPECÍFICO DE APRENDIZAGEM - DISLEXIA

2 abril, 2024

A reabilitação de indivíduos com dislexias requer uma abordagem de modulação cognitiva que leve em consideração os mecanismos subjacentes à leitura e as dificuldades específicas enfrentadas por esses leitores. Com base no artigo "Rapid improvement of reading performance in children with dyslexia by altering the reading strategy" de Reinhard Werth, pode-se sintetizar o ponto fundamental para reabilitar indivíduos com dislexias, considerando os aspectos destacados (Werth, 2018):

  1. Fixação Apropriada: É fundamental que o leitor consiga fixar sua atenção no local apropriado dentro de uma palavra ou segmento de palavra que esteja lendo. A capacidade de processar várias letras simultaneamente e a fixação correta em um ponto específico de uma palavra ou segmento são indispensáveis para uma leitura eficaz. Werth encontrou que quando palavras foram apresentadas de maneira que pudessem ser lidas corretamente, até mesmo sujeitos com dislexias graves foram capazes de ler 95% das palavras corretamente, após ajustar onde e como fixavam sua atenção nas palavras. Importante destacar que a capacidade mínima e máxima de processamento de letras simultâneas entre os participantes com dislexia variou significativamente, refletindo a diversidade nas habilidades de leitura individual. Alguns participantes conseguiram reconhecer apenas três letras simultaneamente dentro de um intervalo de fixação de até 400 milissegundos. Em contraste, outros foram capazes de processar até seis letras simultaneamente em um intervalo de tempo de fixação de 250 milissegundos. Isso demonstra uma variação considerável nas capacidades visuais e cognitivas dos leitores com dislexia, indicando a necessidade de estratégias de leitura personalizadas que levem em consideração a capacidade individual de reconhecimento de letras simultâneas.

  2. Capacidade de Processamento Simultâneo: A intervenção deve levar em conta se a capacidade do leitor de processar simultaneamente várias letras está reduzida. A terapia de leitura desenvolvida por Werth compensava os déficits neurais existentes, permitindo que leitores disléxicos aprendessem a não tentar reconhecer mais letras simultaneamente do que eram capazes, ajustando assim o tamanho do segmento de palavra que tentavam ler. Quando os participantes do estudo conseguiram ler apenas quantidades menores de letras e a palavra apresentada continha mais letras do que eles eram capazes de processar simultaneamente, a estratégia adotada foi a de segmentar as palavras em partes menores, que se adequassem à capacidade de reconhecimento simultâneo de letras do participante. Isso significava dividir palavras mais longas em segmentos ou grupos de letras que não excedessem o número máximo de letras que o leitor podia processar de uma vez. Essa abordagem permitia aos leitores com dislexia concentrar-se em reconhecer e pronunciar corretamente segmentos menores de palavras antes de avançar para os segmentos subsequentes, facilitando assim a leitura precisa de palavras inteiras.

  3. Amplitude das Sacadas: As amplitudes das sacadas (movimentos rápidos dos olhos entre pontos de fixação) devem corresponder ao número de letras que podem ser reconhecidas simultaneamente pelo leitor. A estratégia de leitura compensatória ensinada garantia que os movimentos oculares estivessem alinhados com a capacidade de reconhecimento simultâneo de letras do leitor, melhorando a eficiência da leitura.

  4. Tempo de Fixação: O leitor precisa de um tempo de fixação adequado para processar um determinado número de letras. Werth demonstrou que ajustar o tempo de fixação para garantir que fosse suficiente para o reconhecimento das letras dentro de um segmento de palavra específico era uma parte vital da estratégia de leitura compensatória. Isso era conseguido por meio de sinais visuais, como marcas de fixação que indicavam o ponto dentro de cada segmento de palavra ao qual o olhar deveria ser direcionado, e sinais acústicos que sinalizavam o momento apropriado para começar a pronunciar o segmento após um período de fixação suficiente. Essas estratégias eram parte de uma abordagem compensatória que visava adaptar o processo de leitura às capacidades individuais dos leitores com dislexia, melhorando significativamente seu desempenho de leitura​​.

  5. Tempo desde o Início da Fixação até a Pronúncia: A intervenção deve considerar quanto tempo o leitor precisa desde o início da fixação até conseguir pronunciar uma palavra corretamente. O ajuste dos tempos de fixação e início da pronúncia para corresponder às necessidades individuais do leitor foi essencial para reduzir os erros de leitura.


Em resumo, a chave para a reabilitação eficaz de indivíduos com dislexias, conforme apresentado no artigo, envolve ensinar uma estratégia de leitura compensatória que ajuste a fixação dos olhos, a capacidade de processamento simultâneo de letras, as amplitudes das sacadas, o tempo de fixação e o tempo necessário para começar a pronunciar palavras. Essa abordagem não apenas compensa as limitações neurológicas, mas também aproveita as capacidades existentes do leitor para melhorar imediatamente o desempenho na leitura​​.

Fonte: 

Werth, R. (2018). Rapid improvement of reading performance in children with dyslexia by altering the reading strategy: A novel approach to diagnoses and therapy of reading deficiencies. Restorative Neurology and Neuroscience36(6), 679–691. https://doi.org/10.3233/RNN-180829

 

"E DEPOIS?", ESSA "RIDÍCULA IDEIA DE NUNCA MAIS TE VER"

11 fevereiro, 2024

O curta-metragem indicado ao Oscar "E depois?" nos leva a uma reflexão profunda sobre as tragédias que permeiam nossas vidas, sejam elas pequenas ou grandes, e que moldam nossa existência e nossa capacidade de resistir diante de dores que parecem transcender a própria condição humana. A perda de um filho, uma dor devastadora em qualquer circunstância, se torna ainda mais incompreensível quando acontece em meio à violência, especialmente quando acompanhada de uma perda dupla, como a de sua mulher. O filme aborda esse tema com uma sensibilidade comovente, ecoando as palavras de Rosa Monteiro em seu livro "A ridícula ideia de nunca mais te ver", onde ela explora como os momentos de nascimento e morte nos possibilitam transcender o tempo cotidiano e vislumbrar uma verdade profunda e imutável.

A vivência do luto é descrita no livro como indescritível, uma dor que nos retira a capacidade de expressar o que sentimos, conforme a autora tão bem descreve em seu livro, e que é ecoada doloridamente no filme ao retratar o personagem após sua terrível perda, em um estado de silêncio, absorvendo e testemunhando as dores dos outros. Algumas dessas dores podem parecer triviais em comparação com a sua própria, mas talvez sirvam, também, como um preparo a esses distraídos ignorantes para a experiência terrível que possam viver em algum dia. No entanto, esses momentos de dores triviais e dilacerantes nos lembram da importância de priorizar o que realmente importa em meio às distrações cotidianas tão ridículas.

Rosa Monteiro, explora em seu livro algo muito presente no curta “E depois?” a ideia do "nunca mais" é uma das mais difíceis de aceitar durante o processo de luto. É como se o cérebro se recusasse a compreender a ideia de que alguém que ocupava tanto espaço em nossas vidas tenha desaparecido para sempre. O conceito de "sempre" parece quase alienígena para nossa compreensão limitada do tempo e da existência. No entanto, é através da linguagem que encontramos uma maneira de começar a reconstruir nossas vidas, dando sentido à nossa experiência e encontrando um novo propósito ou sentido para seguir em frente. O final do curta, aquele choro explosivo do personagem, é uma forma de recomeçar dele, entrelaçado com a dor da menina em seus silêncios. E a música explodindo com ele seguindo em frente.

Como Marie Curie tão perceptivamente observou, quando algo como o que aconteceu com o personagem do curta, com ela própria e com a autora do livro, Rosa Monteiro, morremos juntos com essa perda. Uma ruptura ocorre em nosso ser, pois o eu anterior se desvanece e somos compelidos a renascer com um novo propósito ou sentido de vida, algo que ainda pulsa dentro de nós e nos impulsiona a nos reconstruir. É nesse momento que a linguagem se torna nossa aliada vital, como sempre! Por meio da expressão e da comunicação verbal, iniciamos um processo lento de reconstrução, mesmo diante de uma dor que pode parecer sobre-humana aos olhos dos outros. Nesse processo, há um aspecto universal: a linguagem se mostra como uma ferramenta essencial para encontrar significado em meio à dor e ao caos que nos cercam, permitindo-nos reconstruir-nos novamente.

PS.: Dentro dessa temática vale muito assistir a série "Expatriadas" na Prime Video.

 

ALÉM DO INFERNO DE SARTRE: A BUSCA POR RELAÇÕES QUE PROTEGEM E TRATAM

20 janeiro, 2024

A célebre frase de Jean-Paul Sartre, "o inferno são os outros", captura a essência da complexa dinâmica das relações humanas e seu impacto na saúde mental, uma temática cada vez mais discutida e valorizada na sociedade contemporânea. Embora, frequentemente vista por uma perspectiva pessimista sobre as interações sociais, essa máxima sublinha que o ser humano necessita relacionar-se com o outro para construir a sua identidade, processo nem sempre tranquilo e harmonioso, e sobre a influência das relações em nossa psique. Exemplos disso são evidentes nas obras "Quincas Borba", de Machado de Assis, e "Angústia", de Graciliano Ramos, onde relações tóxicas e manipuladoras desencadeiam um declínio na saúde mental, criando um 'inferno' pessoal. Contudo, a saúde mental enfrenta dificuldades práticas, desde a negligência da formação emocional iniciando na infância até o acesso limitado a cuidados profissionais. Porém, é essencial reconhecer o potencial salutar das relações saudáveis, do apoio emocional e da compreensão mútua, que podem transformar o 'inferno' de Sartre em um percurso de reflexão e crescimento pessoal, mostrando como nossas interações interpessoais e sociais moldam profundamente nosso bem-estar mental.

Em "Quincas Borba", de Machado de Assis, a trajetória de Rubião, o herdeiro de uma grande fortuna deixada por Quincas Borba com a condição de cuidar de seu cão homônimo, é um exemplo vívido das consequências de relações danosas e manipuladoras. Ao longo do romance, Rubião é habilmente explorado pelo casal Sofia e Cristiano Palha. Eles o envolvem em uma teia de falsas amizades e lisonjas, aproveitando-se de sua ingenuidade e riqueza. O casal Palha orquestra uma série de ações predatórias, como encorajar Rubião a ter gastos extravagante e descontrolados, além de manipulá-lo emocionalmente, especialmente através da sedução e da falsa camaradagem. Eles são um dos melhores exemplos da literatura sobre o uso do amor e da sedução para fins de exploração moral e material do outro. Esse comportamento manipulador e exploratório do casal Palha é fundamental na progressiva deterioração mental de Rubião, que culmina em sua ilusão de ser o imperador francês Luís Napoleão. Este exemplo ilustra vividamente como interações tóxicas podem levar uma pessoa a um estado de profunda desconexão com a realidade.

Em "Angústia", de Graciliano Ramos, acompanhamos o colapso emocional de Luís, um personagem profundamente marcado por traumas e relações falhas. Após o término de seu noivado com Marina, que se compromete com Julião Tavares, Luís mergulha em uma espiral de angústia e obsessão. A narrativa se aprofunda em suas memórias de uma infância marcada pela ausência de afeto e diversas frustrações, que contribuem para sua visão desencantada da vida e falta de perspectiva.

A deterioração emocional de Luís é intensificada pela constante comparação de si mesmo com Julião Tavares, percebido como mais bem-sucedido e carismático. Essa comparação alimenta um sentimento de inadequação e inferioridade em Luís. A traição de Marina e o relacionamento dela com Julião agem como catalisadores para que Luís reviva suas inseguranças e traumas passados, exacerbando sua angústia.

As obsessões de Luís são detalhadas na narrativa através de seus comportamentos autodestrutivos e pensamentos intrusivos, como o seguimento constante de Marina e Julião, e as fantasias sobre vingança e violência. Esses pensamentos obsessivos culminam no ato impulsivo de assassinar Julião Tavares, um crime passional que serve como um escape temporário para seu sofrimento interno.

Após o crime, o estado mental de Luís deteriora ainda mais. Ele é consumido pela paranoia e pelo medo de ser descoberto, acompanhado de um profundo arrependimento e desespero. Esses elementos ilustram o percurso emocional fúnebre de Luís através de um labirinto de traumas reprimidos e relações falhas, culminando em uma profunda crise de saúde mental. "Angústia" de Graciliano Ramos, portanto, não apenas narra a história de um crime passional, mas também oferece uma exploração vívida do impacto devastador que as relações traumáticas e a angústia podem ter sobre a psique humana. Aliás, a própria estrutura física do romance é um labirinto sem saída.

Por outro lado, pela literatura cientifica, a teoria da aprendizagem social de Albert Bandura e as ideias de Sigmund Freud em "Psicologia das Massas e Análise do Eu" são cruciais para compreender como as relações sociais podem proteger, tratar ou adoecer nossa psique. Bandura, com sua teoria, destaca a importância do aprendizado observacional, mostrando que as pessoas aprendem e adaptam comportamentos ao observar os outros em seu entorno. Por exemplo, se uma criança observa um comportamento agressivo sendo recompensado, ela pode aprender a adotar comportamentos semelhantes. Da mesma forma, ver comportamentos positivos sendo reforçados pode levar à adoção de tais comportamentos.

Já em Freud, nas suas discussões sobre a psicologia das massas, explora como a identidade individual pode ser influenciada pela dinâmica de grupo. Ele sugere que, em um coletivo, os indivíduos podem adotar crenças e comportamentos que diferem de suas normas pessoais, muitas vezes subjugando suas próprias identidades para se encaixar no grupo. Isso pode levar a um estado de dependência ou alienação, onde a identidade e o bem-estar mental de um indivíduo estão intrinsecamente ligados à dinâmica do grupo.

Esses princípios ilustram a importância vital das interações sociais no tratamento ou adoecimento de nossa saúde mental. Um ambiente social positivo e construtivo pode promover o aprendizado de comportamentos saudáveis, apoio emocional e desenvolvimento de identidade, enquanto um ambiente negativo pode levar à adoção de comportamentos prejudiciais, alienação e deterioração da saúde mental. A famosa metáfora de Heráclito sobre o rio, que sugere que ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, ressalta essa constante mudança e transformação, mostrando como cada relação e experiência nos molda de maneira única, impactando diretamente nossa saúde mental.

Assim, a saúde mental não é algo que possa ser plenamente tratado apenas com medicamentos, especialmente quando os problemas provêm de interações sociais doentias, seja em âmbito individual ou grupal. Como demonstrado nas histórias de Rubião e Luís, relações tóxicas e traumáticas podem causar um profundo declínio na saúde mental. Embora os medicamentos possam aliviar certos sintomas, eles não têm a capacidade de alterar ou tratar as dinâmicas sociais subjacentes que contribuem para o sofrimento mental.

Uma abordagem mais holística é necessária para lidar com essas questões. Isso inclui desenvolver habilidades de comunicação eficaz, estabelecer limites saudáveis e buscar entender melhor a si mesmo e aos outros. A terapia, por exemplo, pode oferecer um espaço seguro para explorar as raízes de problemas relacionais e desenvolver estratégias para enfrentá-los. Além disso, o envolvimento em grupos de apoio ou comunidades que promovem a compreensão e a aceitação pode ser extremamente benéfico.

A participação em atividades que promovam o bem-estar mental, como mindfulness, exercícios físicos e hobbies que trazem alegria, também são fundamentais. Essas atividades não só proporcionam alívio do estresse, mas também ajudam na construção de uma estrutura mental mais resiliente.

Portanto, é crucial reconhecer que as interações sociais têm um impacto significativo em nossa saúde mental. Devemos nos esforçar para cultivar relacionamentos saudáveis e procurar apoio quando necessário, lembrando que cada relação e experiência que vivenciamos nos molda e influencia nossa estrutura mental e emocional. Em última análise, o caminho para uma saúde mental funcional envolve um equilíbrio entre o autocuidado, a gestão de relacionamentos e, quando necessário, a intervenção clínica apropriada.

 

A SAÍDA DO ESGOTAMENTO: A HISTÓRIA DE ELLIOT E AS REFLEXÕES DE JOSH COHEN PARA A “THE ECONOMIST”

14 janeiro, 2024

Por que, para quem se sente “esgotado”, simplesmente tentar relaxar nem sempre funciona

Em um mundo onde a produtividade é frequentemente considerada a métrica suprema do sucesso, a história de Elliot, um dedicado clínico geral, ecoa profundamente em nossas atitudes. Seu relato, detalhado por Josh Cohen na "The Economist", não é apenas a história de um indivíduo, mas o espelho de uma cultura obcecada por fazer mais, a qualquer custo.

O Caso de Elliot: Elliot, ao se conceder uma semana de folga, esperava descansar de seu exaustivo trabalho. No entanto, ele se viu preso em um turbilhão de atividades: visitas a museus, concertos, teatro, encontros sociais, idas à academia, aulas de espanhol, e até montagem de móveis. O que era para ser um período de descanso transformou-se em uma agenda lotada de compromissos, refletindo a incapacidade de "simplesmente não fazer nada".

A Cultura do "Sempre Fazer": Como Cohen aponta, estamos imersos em uma cultura que desdenha a inatividade. Elliot se via sob um constante autojulgamento, avaliando se estava sendo suficientemente produtivo. Esse ciclo de trabalho e autoexame constante não apenas o impedia de relaxar, mas também ampliava sua sensação de exaustão.

O Duplo Vínculo do Esgotamento: O esgotamento, como Cohen descreve, é uma mistura complexa de exaustão física e mental, acompanhada por uma compulsão de continuar, independentemente das consequências. Essa condição impede o indivíduo de desfrutar de atividades relaxantes, como dormir sem preocupações, tomar banhos prolongados, ou simplesmente desfrutar de uma conversa sem pressa.

Alternativas e Soluções: Cohen sugere que, para muitos, a solução pode estar em medidas mais práticas: reduzir a carga de trabalho, dedicar-se a práticas contemplativas como ioga e meditação, ou simplesmente ouvir e atender às necessidades internas em oposição às demandas externas.

A Complexidade do Esgotamento: Para casos mais graves, onde as raízes do esgotamento são profundamente psicológicas, Cohen vê valor na psicanálise. Através dela, pode-se explorar aspectos da história pessoal e características que tornam uma pessoa particularmente suscetível ao esgotamento.

Conclusão: A história de Elliot e as reflexões de Cohen sobre o esgotamento são um lembrete fundamental de que, em nossa busca por produtividade e sucesso, podemos estar negligenciando o aspecto mais fundamental de nossas vidas: o nosso bem-estar. A leitura da matéria é um convite à reflexão sobre nossas prioridades e um alerta à ação para reequilibrar nossas vidas, valorizando tanto o nosso tempo de descanso quanto nossos esforços produtivos.

Este texto “The way out of burnout” busca refletir sobre o problema do esgotamento na sociedade contemporânea, tomando como base a experiência pessoal de Elliot e as orientações refletivas de Josh Cohen.

Fonte: https://www.economist.com/1843/2016/07/28/the-way-out-of-burnout

 

O DIVÓRCIO, ESSA EXPERIÊNCIA PELA QUAL NINGUÉM SAI ILESO

5 janeiro, 2024

Quando falamos de divórcio, estamos nos referindo a algo muito mais do que um processo legal; é um percurso emocional complexo e profundamente pessoal. Cada pessoa vivencia esse momento de forma única, enfrentando dificuldades tanto nas relações com os outros quanto consigo mesma. Um passo crucial nesse caminho é aprender a redefinir o relacionamento com o ex-parceiro, o que pode ser um grande marco na adaptação a essa nova fase da vida.

Neste panorama, a Teoria do Apego, desenvolvida pelo psiquiatra John Bowlby, nos ajuda a entender melhor o que acontece conosco durante um divórcio. Essa teoria sugere que a maneira como nos ligamos emocionalmente a outras pessoas pode influenciar como lidamos com o fim de um relacionamento. Em especial, ela se concentra em dois aspectos: como reorganizamos nossos sentimentos de apego e como as nossas tendências pessoais, como a ansiedade e a necessidade de evitar conflitos, afetam esse processo.

Uma das partes mais complexas do divórcio é a mudança de um estado de compartilhamento da vida com alguém para um estado de independência. Nesse momento, entender quem somos (nosso autoconceito) e como encaixamos esta experiência na história da nossa vida (nossa coerência narrativa) é essencial. É sobre redescobrir nossa identidade e encontrar uma forma de integrar a experiência do divórcio em nossa narrativa pessoal, o que pode ser chave para uma adaptação saudável.

Neste sentido, a clareza do autoconceito e a coerência narrativa são fundamentais no processo de adaptação após uma separação. Elas ajudam os indivíduos a redefinirem suas identidades, a entenderem suas histórias de vida, e a avançarem com uma sensação de propósito e autoconhecimento. Enquanto o caminho para alcançá-las pode ser desafiador, ele é também profundamente enriquecedor e essencial para o crescimento pessoal após um divórcio.

Neste processo, dois padrões desadaptativos também podem ser ativados e que deverão ser foco de cuidado, ou seja, muitas pessoas experimentam ansiedade intensa ou uma tendência a evitar enfrentar seus sentimentos durante o divórcio.

No caso da ansiedade de apego, ela é caracterizada por uma preocupação excessiva com a rejeição e abandono. Sendo que, os indivíduos com alta ansiedade de apego, frequentemente, buscam aprovação e reafirmação em seus relacionamentos. E no divórcio, pode-se intensificar o sentimento de perda e medo de estar sozinho e levar a uma luta contínua para manter o vínculo com o ex-parceiro. Outro agravante é a manifestação de comportamentos obsessivos ou preocupação excessiva com o ex-parceiro. Nestes casos, a terapia e apoio social são cruciais para gerenciar a ansiedade. Aprender a reconhecer e questionar pensamentos e crenças disfuncionais também é benéfico.

Em relação a evitação de apego, essa se manifesta como um distanciamento emocional dos outros. Indivíduos com alta evitação de apego muitas vezes valorizam a independência e têm dificuldade em confiar e se abrir para os outros. Esse padrão de comportamento ativado no divórcio, leva a supressão emocional, ou seja, tendem a suprimir ou negar seus sentimentos, o que pode atrasar o processo de luto. Também pode levar ao isolamento social e resistir ao apoio dos outros. O outro agravante, é a dificuldade em formar novas relações, e podem ter problemas para estabelecer novos relacionamentos íntimos após o divórcio. A solução para modelagem funcional desse padrão é o gerenciamento, ou seja, reconhecer a importância da conexão emocional e praticar vulnerabilidade em um ambiente seguro, como na terapia, esse recurso pode ajudar a diminuir a evitação.

Assim, gerenciar essas emoções numa separação não é fácil, mas é possível. Para aqueles que lutam com a ansiedade, buscar apoio em amigos, família ou profissionais pode ser de grande ajuda. Já para quem tende a evitar seus sentimentos, aprender a se abrir e se conectar emocionalmente com os outros, talvez até em um ambiente terapêutico, pode ser muito benéfico.

Desta maneira, compreender como a ansiedade e a evitação afetam nossa experiência do divórcio é crucial. Esses insights não apenas facilitam a transição, mas também podem levar a um crescimento pessoal mais profundo e a relações futuras mais saudáveis. É importante lembrar que buscar apoio profissional e social adequado pode ser fundamental para percorrer por essas experiências de rupturas tão complexas.

O divórcio desencadeia um complexo processo de adaptação emocional, influenciado tanto por processos normativos quanto por diferenças individuais. Esta jornada envolve uma reavaliação das percepções e crenças sobre a experiência da separação, facilitando a criação de novos significados e a adaptação cognitiva.

Portanto, o divórcio não é apenas o fim de um capítulo, mas o início de um processo de autodescoberta e crescimento pessoal. As interações entre as dimensões interpessoais e intrapessoais, enquadradas pela Teoria do Apego, abrem caminho para uma compreensão mais profunda. Olhando para o futuro, é essencial explorar ainda mais estas dinâmicas, visando um melhor suporte e estratégias de adaptação para aqueles que enfrentam as dificuldades oriundas de um divórcio.

Observação: Este artigo visa oferecer uma compreensão mais clara do que acontece emocionalmente durante um divórcio, com base na Teoria do Apego. Ele destaca a importância de entender nosso próprio comportamento e emoções neste momento desafiador, proporcionando estratégias práticas para lidar com a ansiedade e a evitação. O objetivo é ajudar as pessoas a se adaptarem a essa nova fase da vida de uma maneira saudável e positiva.

Fonte: Sbarra DA, Borelli JL. Attachment reorganization following divorce: normative processes and individual differences. Curr Opin Psychol. 2019 Feb;25:71-75. doi: 10.1016/j.copsyc.2018.03.008. Epub 2018 Mar 21. PMID: 29605735; PMCID: PMC6150851.

 

PROGRAMA DE MODULAÇÃO DO DOMÍNIO ATENCIONAL - AIXTENT

11 novembro, 2023

A atenção é um componente crucial do funcionamento cognitivo, e seu papel na vida cotidiana é inegável. Para aqueles que enfrentam dificuldades específicas, como indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), mas não só esses, pois todos os transtornos e lesões afetam de algum modo o domínio atencional desenvolver abordagens de modulação tornam-se imperativos. É nesse contexto que surge o programa de modulação de atenção AixTent, uma ferramenta computadorizada baseada em estudos clínicos sólidos.

O Entendimento da Complexidade da Atenção:

O AixTent foi concebido com base em pesquisas que apontam para a complexidade da atenção, indicando que diferentes aspectos desse processo podem ser abordados seletivamente.

A Estrutura do Programa:

O AixTent compreende procedimentos de treinamento específicos como jogos simples de computador, adaptativos ao nível de dificuldade do participante. Este aspecto é crucial, pois permite a personalização do treinamento de acordo com o desempenho individual. O programa abrange quatro componentes distintos da atenção: alerta, vigilância, atenção seletiva e atenção dividida.

Treinamento Específico para Necessidades Individuais:

No âmbito do estudo, crianças com TDAH foram alocadas para a intervenção da AixTent, focando em treinamentos de vigilância, atenção seletiva e atenção dividida. Essa abordagem abrangente foi adotada, uma vez que a análise comparativa do desempenho dessas crianças em relação aos dados normativos indicou deficiências em pelo menos duas dessas funções.

Cada sessão de treinamento consiste em 15 minutos dedicados a cada uma das funções de atenção. Os procedimentos específicos utilizados foram "FLIESSBAND" para vigilância, "FOTO" para atenção seletiva e "COCKPIT" para atenção dividida. A adaptabilidade do programa se manifesta por meio da progressão ou regressão automática nos níveis de dificuldade, com base no desempenho do participante.

Resultados e Eficácia Comprovada:

Os fundamentos do AixTent foram estabelecidos em estudos anteriores que demonstraram sua eficácia em pacientes com lesões cerebrais unilaterais de origem vascular (Sturm et al., 1994, 2001). A ausência de treinamento de alerta se justifica pela falta de diferenciação significativa entre crianças e adultos com TDAH e participantes saudáveis ​​em termos de alerta tônico ou fásico (Tucha et al., 2006a, b, c, 2008, 2009).

Olhando para o Futuro da Pesquisa:

É importante notar que, neste estágio, o programa AixTent não inclui um treinamento de flexibilidade (mudança do foco de atenção), devido à falta de um procedimento de treinamento adequado e com eficácia comprovada. Este destaque aponta para a constante evolução e pesquisa na busca por abordagens cada vez mais abrangentes.

Em resumo, o programa de modulação de atenção AixTent surge como uma ferramenta alternativa na promoção de treinamento personalizado para pessoas com prejuízos no domínio atencional, destacando a importância de abordagens específicas e adaptáveis ​​na busca por melhorias significativas na atenção e cognição.

Limitações para clínica e as adaptações e Alternativas:

Mesmo com avanços importantes em pesquisa, o programa ainda não está disponível para comercialização na prática clínica. O que encontramos disponíveis são adaptações possíveis, com base nos princípios metodológicos de intervenção, que abrangem desde a dosagem terapêutica até os critérios teóricos da modulação cognitiva no domínio atencional. Uma alternativa comercializada no Brasil, que compartilha princípios teóricos semelhantes, é o Pay Attention. Este cenário destaca a necessidade contínua de desenvolvimentos de produtos voltados para a prática clínica e a exploração de opções viáveis que consigam a assistir o paciente fora dos campos de pesquisa​​.

Fontes:

Tucha O, Tucha L, Kaumann G, König S, Lange KM, Stasik D, Streather Z, Engelschalk T, Lange KW. Training of attention functions in children with attention deficit hyperactivity disorder. Atten Defic Hyperact Disord. 2011 Sep;3(3):271-83. doi: 10.1007/s12402-011-0059-x. Epub 2011 May 20. PMID: 21597880; PMCID: PMC3158847.

Tucha O, Mecklinger L, Laufkoetter R, Klein HE, Walitza S, Lange KW. Methylphenidate-induced improvements of various measures of attention in adults with attention deficit hyperactivity disorder. J Neural Transm. 2006;113:1575–1592. doi: 10.1007/s00702-005-0437-7. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

Tucha O, Prell S, Mecklinger L, Bormann-Kischkel C, Kubber S, Linder M, Walitza S, Lange KW. Effects of methylphenidate on multiple components of attention in children with attention deficit hyperactivity disorder. Psychopharmacology. 2006;185:315–326. doi: 10.1007/s00213-006-0318-2. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

Tucha O, Walitza S, Mecklinger L, Sontag TA, Kuebber S, Linder M, Lange KW. Attentional functioning in children with ADHD—predominantly hyperactive-impulsive type and children with ADHD—combined type. J Neural Transm. 2006;113:1943–1953. doi: 10.1007/s00702-006-0496-4. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

Tucha L, Tucha O, Laufkoetter R, Walitza S, Klein HE, Lange KW. Neuropsychological assessment of attention in adults with different subtypes of attention-deficit/hyperactivity disorder. J Neural Transm. 2008;115:269–278. doi: 10.1007/s00702-007-0836-z. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

Tucha L, Tucha O, Walitza S, Sontag TA, Laufkoetter R, Linder M, Lange KW. Vigilance and sustained attention in children and adults with ADHD. J Atten Disord. 2009;12:410–421. doi: 10.1177/1087054708315065. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]

 

LIVRETO "IDENTIFICANDO E AVALIANDO UM PERFIL DE EVITAÇÃO DA DEMANDA PATOLÓGICA - EDP"

12 outubro, 2023

Recentemente, o TecnoNeuro realizou um trabalho fundamental para a comunidade de profissionais de saúde e educação no Brasil. Traduzimos e adaptamos o LIVRETO "IDENTIFICANDO E AVALIANDO UM PERFIL DE EVITAÇÃO DA DEMANDA PATOLÓGICA - EDP", uma ação crucial relacionada ao perfil de EDP, frequentemente associado a casos de autismo. Esta adaptação foi feita com o intuito de tornar o conteúdo mais acessível e compreensível para os profissionais da saúde brasileiros.

O livreto original, intitulado 'Identifying & Assessing a PDA profile – Practice Guidance', foi publicado pela PDA Society em janeiro de 2022 e reúne a prática profissional e a experiência de um grupo multidisciplinar de profissionais que trabalham no National Health Service - NHS e na prática privada inglesa.

Nosso objetivo de trazer essa adaptação é auxiliar profissionais de saúde e educação na avaliação de um perfil de EDP, permitindo que vocês possam distinguir a EDP de outras apresentações de especial evitação da demanda. Além disso, queremos fornecer apoio e orientação tanto para os indivíduos afetados quanto para suas famílias por meio do conhecimento.

Você pode baixar a versão em PDF deste material clicando AQUI e ter acesso a este recurso fundamental para aprimorar sua prática profissional.

Juntos, podemos fazer a diferença na vida das pessoas afetadas pela EDP e contribuir para uma sociedade com menos barreiras de acesso a saúde para as suas condições individualizadas. Agradecemos a PDA Society por seu trabalho de vanguarda teórica e clínica e estamos felizes em compartilhar essa orientação prática com os profissionais e indivíduos brasileiros afetados pela EDP.

Faça o download agora e comece a fazer a diferença! Se você tiver alguma dúvida ou quiser discutir esse tópico importante, não hesite em entrar em contato conosco. Estamos aqui para apoiar vocês com recursos de apoio para que você possa cuidar da saúde e bem-estar daqueles que mais precisam.

 

MÚSICA: UMA TERAPIA ADAPTATIVA E FUNCIONAL NA NEURORREABILITAÇÃO DE DOENÇAS RELACIONADAS AO ENVELHECIMENTO

1 outubro, 2023

Por Maria Ramim

No campo da neurorreabilitação, uma abordagem que ganhou destaque nos últimos anos é o uso da música como uma ferramenta terapêutica eficaz e adaptativa para pacientes que enfrentam condições clínicas relacionadas ao envelhecimento, como o Acidente Vascular Encefálico (AVE) e as demências. Este avanço está alinhado com as descobertas apresentadas no artigo de referência de Särkämö et al. publicado " Cognitive, emotional, and neural benefits of musical leisure activities in aging and neurological rehabilitation: A critical review".

De acordo com o artigo de Särkämö et al., a música é uma ferramenta terapêutica importante devido à sua capacidade de envolvimento de funções auditivas, cognitivas, motoras e emocionais nas regiões corticais e subcorticais do cérebro. Além disso, o processamento de estímulos musicais  é relativamente preservado durante o processo de envelhecimento e nas fases iniciais das demências, tornando-a um aliado no fortalecimento de habilidades na reabilitação de doenças neurológicas associadas ao envelhecimento, como o AVE e a doença de Alzheimer.

Um dos principais benefícios destacados pelo estudo é que a música pode ser uma ferramenta terapêutica agradável e eficaz no cuidado diário dos pacientes. Além das sessões formais de musicoterapia, as atividades de lazer musical, como ouvir música e cantar, podem ser realizadas pelos pacientes individualmente ou com o auxílio de um cuidador. Essas atividades não apenas modulam as funções cognitivas associadas ao processamento sensorial de um estímulos com conteúdo de codificação implícita, mas também promovem o bem-estar psicológico durante o processo de envelhecimento e reabilitação neurológica.

A importância desse enfoque baseado na música é ainda mais significativa à medida que a população envelhece e a incidência e prevalência de condições neurológicas relacionadas ao envelhecimento aumentam rapidamente. A música fornece uma forma não invasiva e agradável de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, ajudando a mitigar os sintomas associados a essas condições, como déficits cognitivos, depressão e ansiedade.

Além disso, a música pode ser personalizada para atender às necessidades individuais de cada paciente. Isso significa que as escolhas musicais podem ser adaptadas com base nas preferências e no histórico musical de cada pessoa, tornando o tratamento mais eficaz e envolvente.

Em resumo, o estudo de Särkämö et al. destaca a música como uma ferramenta promissora na neurorreabilitação de doenças neurológicas relacionadas ao envelhecimento. À medida que continuamos a enfrentar as dificuldades atreladas ao envelhecimento da população e o aumento nas incidências dessas condições, é fundamental que exploremos e aproveitemos o poder da música para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos pacientes. A música não é apenas uma terapia, mas também uma fonte de alegria e conexão para aqueles que enfrentam desafios neurológicos, oferecendo esperança e alívio em sua jornada de reabilitação. A música ameniza as barreiras pessoais e mitiga algumas incapacidades na execução de tarefas e restrições na participação.

Fonte: Särkämö T. Cognitive, emotional, and neural benefits of musical leisure activities in aging and neurological rehabilitation: A critical review. Ann Phys Rehabil Med. 2018 Nov;61(6):414-418. doi: 10.1016/j.rehab.2017.03.006. Epub 2017 Apr 29. PMID: 28461128.

 

REPENSANDO O EXCESSO DE DIAGNÓSTICO DUPLO NA SAÚDE MENTAL

1 outubro, 2023

A necessidade de se fazer uma crítica ao excesso de diagnósticos duplos nos transtornos neuropsiquiátricos e neurológicos é uma preocupação que merece nossa atenção. No campo da saúde mental, muitas vezes nos deparamos com agrupamentos de sintomas que fazem interseção com outros transtornos clínicos, levando à emissão de diagnósticos duplos que podem, muitas vezes, ser equivocados. Esse cenário, apesar de fundamentado em trabalhos publicados, carece de uma análise crítica mais aprofundada.

É crucial compreender que a comorbidade clínica, embora exista, é rara e geralmente associada a quadros graves. O que observamos, entretanto, é uma tendência alarmante dos profissionais de saúde em rotular pacientes com diagnósticos duplos de forma casual, sem considerar adequadamente a semiologia das doenças. Esse problema está relacionado, em parte, à falta de preparo na leitura crítica de artigos científicos, uma habilidade essencial para uma prática clínica responsável, mas que muitas vezes é negligenciada na formação dos estudantes da área da saúde.

Uma solução para enfrentar esse desafio é promover o incentivo à leitura crítica de artigos científicos desde a formação acadêmica. Recomendamos o livro "Medicina Baseada em Evidências: Seguindo os Passos de Sherlock Holmes" de Jorgen Nordenstrom, como um guia acessível para aprender a analisar trabalhos científicos de forma crítica.

Um exemplo do problema em questão é o excesso de diagnósticos duplos associados ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), muitas vezes em conjunto com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Deficiência Intelectual (DI). Essas associações, quando examinadas de forma mais aprofundada, parecem casuais e até mesmo estranhas.

Por exemplo, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é definido pelo DSM-V por meio de obsessões e compulsões. As obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens repetitivas, indesejadas e intrusivas que geralmente causam ansiedade ou angústia. As compulsões são atos mentais repetitivos ou evidentes que visam prevenir ou reduzir a ansiedade ou angústia. No entanto, já testemunhamos clínicos diagnosticando TEA como TOC devido a comportamentos repetitivos, ou confundindo as compulsões com Transtornos de Humor (TH). Consequentemente, é essencial considerar que esses sintomas não são exclusivos do TOC, e há pelo menos 14 outros transtornos comuns a esses critérios, como o Transtorno Dismórfico Corporal, a Tricotilomania, a Ansiedade Generalizada, os Transtornos Depressivos e de Dependência, entre outros, conforme o próprio DSM-5 nos alerta.

Portanto, é urgente que estabeleçamos uma abordagem mais precisa na definição de distúrbios clínicos, baseada em níveis cognitivos, fisiológicos, moleculares e genéticos, em vez de depender exclusivamente da fenotipagem. O National Institute of Mental Health (NIMH) divulgou seus próprios Critérios de Domínio de Pesquisa, conhecidos como RDoC, com base nessa visão. Uma abordagem promissora para esclarecer a neurobiologia dos transtornos psiquiátricos é identificar estruturas internas entre os agentes causadores de baixo nível e as manifestações fenotípicas, conhecidas como endofenótipos.

Um endofenótipo deve possuir várias características, como associação com a doença, hereditariedade e presença em familiares não afetados com maior frequência do que na população em geral. Essa abordagem pode ajudar a evitar diagnósticos duplos imprecisos e contribuir para uma prática clínica mais embasada em evidências com melhor grau de recomendações para o diagnóstico.

Em resumo, a revisão crítica dos diagnósticos duplos é um passo crucial para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde mental. Devemos promover a formação adequada dos profissionais de saúde, cultivar a leitura crítica de artigos científicos e adotar uma abordagem mais fundamentada em evidências, focando em características cognitivas, fisiológicas e genéticas para uma compreensão mais precisa dos transtornos neuropsiquiátricos e neurológicos. Só assim poderemos proporcionar um tratamento mais eficaz e individualizado para aqueles que mais precisam.

 

A LINGUAGEM É UMA FERRAMENTA TERAPÊUTICA

30 setembro, 2023

Hoje, desejo compartilhar com todos vocês duas ponderações, inspiradas em duas dimensões estruturantes da linguagem. A linguagem, meu caro público, é mais que um mero instrumento de comunicação, ela é um alicerce terapêutico, uma essência revitalizante e uma carruagem para a expansão de nossa percepção.

Por exemplo, ao imergir na eloquência do monólogo de Riobaldo em "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa, somos remetidos à profunda capacidade da linguagem em arquitetar a harmonia afetiva. Riobaldo, nosso protagonista, apesar de seus próprios abismos e monstros interiores ao dar voz a suas vivências e sentimentos vai decifrando-se e reconciliando-se com o seu mundo intrínseco.

Essa revelação sublinha que, por vezes, o simples ato de externalizar nossos temores, traumas e angústias pode ser uma terapia em si. A linguagem nos concede o poder de dar forma a nossas experiências, compreendê-las por meio do processo linguístico e encontrar resoluções como um feedback mental, em que a realidade se refaz em imagens mentais. Ela, a palavra, é a própria argamassa que cimenta nossa reconciliação com o eu.

A linguagem transcende sua utilidade de modelagem emocional, transformando-se em um portal de ampliação da percepção. Equipara-se, em certo sentido, a um alucinógeno mental, possibilitando uma imersão profunda em múltiplas camadas de significado e compreensão. A literatura, vasta em exemplos dessas influências, conduz-nos por viagens transcendentais. Cada parágrafo lido por nossos olhos nos altera irremediavelmente. A literatura é apenas um exemplo, pois o mesmo ocorre em nossas interações verbais com variados interlocutores.

Nossos canais perceptivos se desdobram, acolhendo novas ideias, perspectivas e um vasto leque de emoções. A linguagem, seja por meio de nossas interações sociais ou pela arte, como a literatura, nos desafia a explorar as complexidades da condição humana e enxergar o mundo sob prismas diferentes. A expansão da percepção proporcionada pela linguagem é uma dádiva a todos nós, independentemente de nossa ocupação ou área de atuação, podemos nos render e usufruir.

Portanto, a palavra é o escudo que nos protege e a ponte que nos leva ao vasto território das experiências humanas.

 

MODULAÇÃO DA FUNÇÃO COGNITIVA: O PAPEL DA REABILITAÇÃO COGNITIVA

7 setembro, 2023

A cognição humana, em sua intrincada e imponente natureza, frequentemente se mostra suscetível a perturbações, que podem ser originadas tanto por lesões, como um Acidente Vascular Encefálico - AVE, quanto por disfunções relacionadas ao neurodesenvolvimento. Nesses cenários de abalo do funcionamento adaptativo cerebral, a Reabilitação Cognitiva (RC) emerge como uma modalidade terapêutica que percorre minuciosamente o trajeto da modulação funcional e adaptativa das capacidades cognitivas. 


Numa analogia muito rudimentar, o cérebro pode ser equiparado a um computador de alta complexidade, sujeito, no entanto, a "bugs" que interferem nos processos de raciocínio, memória e em outros domínios cognitivos. Nesses casos de disfunções ou lesões que afetam a cognição, a RC desempenha o papel de um habilidoso programador, dedicado a eliminar tais obstáculos com precisão cirúrgica, restaurando e/ou compensando o funcionamento adaptativo e funcional do aparato cognitivo. Ela realiza tal façanha por meio de métodos, técnicas, tarefas e estímulos altamente especializados, os quais reconfiguram o padrão funcional num viés positivo de neuroplasticidade (aprendizagem), otimizando-o para um desempenho mais eficiente, funcional e adaptativo. 


O processo de reabilitação cognitiva é, por si só, um artefato intrincado de modulação da cognição. Sua instauração inicia-se com uma meticulosa avaliação conduzida por um terapeuta especializado, que identifica as áreas da cognição afetadas e a extensão de seu impacto na vida do indivíduo. Por exemplo, um paciente com dificuldades de retenção de informações será submetido a um plano terapêutico desenhado especificamente para modular os processos de memória, seguindo rigorosamente a hierarquia do processamento de informações, a teria motora da cognição e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), visando garantir uma codificação eficaz para subsequente recuperação e reconhecimento. No estágio inicial, as tarefas prescritas são relativamente simples, porém, à medida que o indivíduo progride, são apresentados desafios progressivamente mais complexos. 


No âmbito da RC, destacam-se dois enfoques primordiais: a reabilitação restaurativa, que busca recuperar funções cognitivas perdidas por meio de recursos cognitivos altamente especializados, e a reabilitação compensatória, que auxilia o indivíduo a desenvolver estratégias que contornem suas limitações, frequentemente fazendo uso de tecnologias assistivas. 


Convém notar que a RC não se revela como uma panaceia instantânea, mas sim como um processo que demanda tempo, paciência e prática, assemelhando-se, por analogia, ao treinamento de um atleta de elite preparando-se para uma competição olímpica. No entanto, diversas narrativas de êxito clínico testemunham sua eficácia, resgatando habilidades que, a princípio, pareciam irremediavelmente perdidas. 


A eficácia da RC constitui um tema de controvérsia científica, com estudos oscilando entre resultados positivos e perspectivas divergentes, variando conforme a natureza da lesão cerebral e a condição específica do paciente. Contudo, quando aplicada com rigor metodológico, a RC possui o potencial de engendrar um impacto substancial na recuperação e no aprimoramento das capacidades cognitivas. 


A concepção moderna da RC remonta às teorias de Luria, que postulou que a recuperação funcional ocorre por meio do estabelecimento de novas conexões, adquiridas durante exercícios de modelagem cognitiva (neuroplasticidade positiva). Atualmente, a RC engloba uma abordagem pautada na minuciosa avaliação das funções cognitivas, no estabelecimento de metas terapêuticas e na aplicação de tarefas específicas voltadas para a otimização da função cognitiva. 


Em síntese, a reabilitação cognitiva se erige como uma luz-guia para aqueles que enfrentam desafios cognitivos. À medida que esse campo prossegue seu desenvolvimento e aprimoramento, novas descobertas e abordagens estão delineando diretrizes clínicas que exploram o potencial inexplorado da cognição humana. Nesse esforço conjunto entre terapeutas e pacientes, a RC assume um papel de destaque como ferramenta crucial para modificar a intricada natureza da cognição humana e resgatar a funcionalidade cognitiva que outrora parecia perdida de forma irremediável. 

 

Fontes:  

Samuel R. Cognitive rehabilitation for reversible and progressive brain injury. Indian J Psychiatry. 2008 Oct;50(4):282-4. doi: 10.4103/0019-5545.44752. PMID: 19823615; PMCID: PMC275514 

Hrabok, M., Kerns, K.A. (2011). Cognitive Rehabilitation. In: Kreutzer, J.S., DeLuca, J., Caplan, B. (eds) Encyclopedia of Clinical Neuropsychology. Springer, New York, NY. https://doi.org/10.1007/978-0-387-79948-3_1085 

 

DIAGNÓSTICO COMÓRBIDO ENTRE TEA E TDAH: DO QUE ESTAMOS FALANDO?

5 setembro, 2023

“Os déficits de atenção são fenótipos comportamentais chave de um número considerável de doenças neurológicas e genéticas caracterizadas por transtornos psiquiátricos complexos. Será que o erro reside em confundir tais déficits com os traços de atenção únicos e muito diferentes do autismo? Em outras palavras, as características de atenção dos transtornos são ignoradas através de uma generalização errônea?”

“As atenções observadas no TEA são intrínsecas a esse transtorno e não podem ser simplesmente atribuídas ao TDAH comórbido!”

Por Maria Ramim

Uma análise aprofundada do artigo "ASD and ADHD Comorbidity: What Are We Talking About?" publicado em 2022 na Frontiers Psychiatry revela questões prementes no campo da saúde mental: o diagnóstico duplo incorreto de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Este equívoco, embora frequente, não considera as notáveis diferenças que existem entre esses dois distúrbios clínicos.

É incontestável que há uma sobreposição de sintomas entre TEA e TDAH, incluindo até mesmo a disfunção sensorial, que, apesar de não ser o foco do artigo em questão quanto a argumentação, tem sido objeto de estudos independentes. No entanto, compartilhar alguns sintomas não justifica uma conclusão precipitada de diagnóstico duplo. Como o senso comum nos lembra, "nem tudo que tem bigode é gato", mas nem sempre isso se aplica a prática clínica, infelizmente.

Os estudos que indicam altas prevalências de comorbidade entre esses distúrbios podem, em parte, ser influenciados por um "preconceito" teórico pouco fundamentado, que abriga uma variedade de paradigmas experimentais que podem estar medindo diferentes fenômenos. De qualquer forma, o autismo e o TDAH têm características distintas e, também, sobrepostas em quatro domínios neurocognitivos: processamento de atenção, monitoramento de desempenho, processamento facial e processamento sensorial.

No entanto, é crucial destacar que as especificidades das atenções observadas no TEA são intrínsecas a esse transtorno e não podem ser simplesmente atribuídas ao TDAH comórbido. Por exemplo, no TEA, a atenção sustentada e seletiva é notavelmente mais intensa, assim como a busca visual, embora esta última reflita mais a qualidade do processamento perceptivo do que a atenção em si. Além disso, a capacidade de direcionar a atenção para estímulos sociais é deficiente em pacientes com TEA.

A atenção conjunta, uma habilidade social importante, também parece estar ausente em indivíduos com TEA, contribuindo para dificuldades na comunicação social. A disfunção amigdalar desempenha um papel fundamental na interação entre processamento sensorial e atenção no TEA, modulando como os eventos emocionais são percebidos. Portanto, entender os mecanismos neurais por trás das atenções é essencial para uma avaliação precisa.

Além disso, a hiper-reatividade sensorial, característica do TEA, está associada a uma atenção superseletiva e superfocada, comportamentos perseverantes e estereotipados, e excelentes capacidades de memória, mas também a déficits sociais significativos. Essa atenção excessiva, mas estereotipada, pode ser confundida com desatenção típica do TDAH.

A agitação psicomotora no TEA, por sua vez, parece relacionar-se a sistemas de excitação atípicos e à hiperatividade dopaminérgica, com efeitos diferentes dos observados no TDAH. Essas complexidades neurocognitivas desafiam a generalização simplista de diagnóstico duplo.

Ao abordar a atenção, o TDAH tende a refletir dificuldades em detectar pistas que permitiriam a antecipação, enquanto o TEA está mais diretamente relacionado a uma capacidade perceptiva elevada e orientação menos flexível para novos estímulos. A inibição prejudicada, característica fisiopatológica central do TDAH, não foi estudada em pacientes com TEA, indicando uma diferença fundamental entre os dois transtornos.

A motivação também desempenha um papel crucial na atenção conjunta no TEA, e a avaliação precoce desses processos pode ser vital para o diagnóstico diferencial.

Em resumo, embora o TEA e o TDAH compartilhem alguns sintomas, suas especificidades de atenção e as complexidades neurocognitivas que as acompanham não podem ser subestimadas. Portanto, o diagnóstico de comorbidade deve ser abordado com extrema cautela, levando em consideração uma análise abrangente do quadro clínico. A complexidade envolvida na diferenciação entre TEA e TDAH enfatiza a urgência de desenvolver instrumentos clínicos e eletrofisiológicos mais refinados, a fim de realizar avaliações neuropsicológicas mais precisas. Isso é essencial para evitar a prática de rotular tantos gatos simplesmente com base em seus bigodes.

Em vez de uma abordagem simplista, devemos adotar uma visão mais ampla e crítica, considerando os múltiplos aspectos que diferenciam esses transtornos e explorando as nuances que a pesquisa científica continua a revelar. Afinal, não podemos permitir que a sobreposição de sintomas obscureça a singularidade e a complexidade dessas condições.

Fonte: Hours C, Recasens C, Baleyte JM. ASD and ADHD Comorbidity: What Are We Talking About? Front Psychiatry. 2022 Feb 28;13:837424. doi: 10.3389/fpsyt.2022.837424. PMID: 35295773; PMCID: PMC8918663

 

DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM – DEL DE TIPO COMPENSADO: DISCUSSÃO DE QUADRO CLÍNICO

3 setembro, 2023

A aprendizagem de uma criança pode ser afetada por diversos fatores, e é importante considerar tanto as características intrínsecas da criança quanto o ambiente ao seu redor. No caso de crianças com Distúrbio Específico de Linguagem (DEL) de tipo compensado, várias influências podem estar contribuindo para suas dificuldades acadêmicas e emocionais.

Primeiramente, é essencial destacar que crianças com DEL de tipo compensado enfrentam desafios específicos no desempenho educacional. O DEL é um distúrbio linguístico heterogêneo que afeta a compreensão e expressão da linguagem. No caso do DEL de tipo compensado, as crianças possuem a habilidade de implementar estratégias para mitigar os impactos de suas dificuldades linguísticas, tornando os déficits menos evidentes em termos de manifestações clínicas.

É importante esclarecer o conceito de "tipo compensado," que se refere à capacidade das crianças de lidar de forma adaptativa com suas dificuldades linguísticas. No entanto, essa compensação pode não ser suficiente para superar todos os obstáculos, e é aqui que os desafios surgem.

Pesquisas indicam que crianças com DEL de tipo compensado frequentemente enfrentam desafios na consciência pragmática, que envolve a interpretação eficiente do conteúdo pragmático da linguagem. Isso pode levar a sobrecarga de recursos cognitivos e demanda excessiva de memória, afetando o desempenho acadêmico.

Além disso, essas crianças também podem apresentar dificuldades na compreensão de leitura, especialmente no que diz respeito ao vocabulário receptivo e à compreensão de histórias. Essas limitações linguísticas podem ser atenuadas por um vocabulário sólido de tipo expressivo, mas ainda podem se refletir em sua capacidade de produzir frases faladas de forma ágil e flexível.

No contexto do DEL de tipo compensado, as dificuldades em associar os sons das palavras com suas representações escritas podem levar a problemas na expressão oral. No entanto, é importante ressalvar mais uma vez que o vocabulário oral/expressivo dessas crianças pode ser preservado, indicando que elas podem estar compensando suas dificuldades de forma verbal, mas enfrentam desafios na compreensão e produção escrita.

Essas dificuldades linguísticas não se limitam ao aspecto acadêmico; elas têm repercussões na esfera emocional das crianças. Muitas vezes, crianças com DEL de tipo compensado podem desenvolver transtornos emocionais ainda mais graves, como ansiedade generalizada e estados depressivos, devido à tentativa de compensar suas dificuldades linguísticas de forma disfuncional, sobrecarregando o sistema emocional.

É comum que essas crianças enfrentem desafios na regulação emocional e comportamental, e suas ansiedades e inseguranças são sintomas dessas dificuldades emocionais relacionadas à linguagem.

Para abordar eficazmente as dificuldades das crianças com DEL de tipo compensado, é crucial adotar uma abordagem multidisciplinar. Isso inclui intervenções específicas para melhorar a consciência fonêmica e o vocabulário receptivo, juntamente com suporte emocional para lidar com a ansiedade e a insegurança. Somente assim essas crianças poderão superar as barreiras pessoais e ambientais que afetam seu desempenho escolar e emocional.

Em resumo, o DEL de tipo compensado é um desafio complexo que afeta não apenas a linguagem, mas também a emocionalidade das crianças. Com uma abordagem integrada e apoio adequado, podemos amenizar as barreiras dessas crianças quanto ao potencial acadêmico e emocional.

Fontes:

Badcock, N. A., Bishop, D. V. M., Hardiman, M. J., Barry, J. G., & Watkins, K. E. (2012). Co-localisation of abnormal brain structure and function in specific language impairment. Brain and Language, 120(3), 310–320. https://doi.org/10.1016/j.bandl.2011.10.006

Castaño, J. (2003). [Neurobiological bases of language and its disorders]. Revista de Neurologia, 36(8), 781–785. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12717659

Cohen NJ, Barwick MA, Horodezky NB, Vallance DD, Im N. Language, achievement, and cognitive processing in psychiatrically disturbed children with previously identified and unsuspected language impairments. Journal of Child Psychology and Psychiatry and Allied Disciplines 1998;39(6):865-877.

Cohen NJ, Menna R, Vallance DD, Barwick MA, Im N, Horodezky NB. Language, social cognitive processing, and behavioral characteristics of psychiatrically disturbed children with previously identified and unsuspected language impairments. Journal of Child Psychology and Psychiatry and Allied Disciplines 1998;39(6):853-864.

Denckla MB. Biological correlates of learning and attention: What is relevant to learning disability and attention-deficit hyperactivity disorder? Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics 1996;17(2):114-119.

Gainotti, G. (2016). Lower- and higher-level models of right hemisphere language. A selective survey. Functional Neurology. https://doi.org/10.11138/FNeur/2016.31.2.067

Girbau-Massana D, Garcia-Marti G, Marti-Bonmati L, Schwartz RG. Gray-white matter and cerebrospinal fluid volume differences in children with Specific Language Impairment and/or Reading Disability. Neuropsychologia. 2014 Apr;56:90-100. doi: 10.1016/j.neuropsychologia.2014.01.004. Epub 2014 Jan 11. PMID: 24418156.

Griffiths CC. Pragmatic abilities in adults with and without dyslexia: a pilot study. Dyslexia. 2007 Nov;13(4):276-96. doi: 10.1002/dys.333. PMID: 17624909.

Korman, B., Bernal, B., Duchowny, M., Jayakar, P., Altman, N., Garaycoa, G., Resnick, T., & Rey, G. (2010). Atypical Propositional Language Organization in Prenatal and Early-Acquired Temporal Lobe Lesions. Journal of Child Neurology, 25(8), 985–993. https://doi.org/10.1177/0883073809357242

Kurth, F., Luders, E., Pigdon, L., Conti-Ramsden, G., Reilly, S., & Morgan, A. T. (2018). Altered gray matter volumes in language-associated regions in children with developmental language disorder and speech sound disorder. Developmental Psychobiology, 60(7), 814–824. https://doi.org/10.1002/dev.21762

Lawrence, R. J., Wiggins, I. M., Hodgson, J. C., & Hartley, D. E. H. (2021). Evaluating cortical responses to speech in children: A functional near-infrared spectroscopy (fNIRS) study. Hearing Research, 401, 108155. https://doi.org/10.1016/j.heares.2020.108155

Marshall CR, Ramus F, van der Lely H. Do children with dyslexia and/or specific language impairment compensate for place assimilation? Insight into phonological grammar and representations. Cogn Neuropsychol. 2011 Oct;27(7):563-86. doi: 10.1080/02643294.2011.588693. Epub 2011 Jun 30. PMID: 21714754.

Ors, M., Ryding, E., Lindgren, M., Gustafsson, P., Blennow, G., & Rosén, I. (2005). Spect Findings in Children with Specific Language Impairment. Cortex, 41(3), 316–326. https://doi.org/10.1016/S0010-9452(08)70269-7

Soriano-Mas, C., Pujol, J., Ortiz, H., Deus, J., López-Sala, A., & Sans, A. (2009). Age-related brain structural alterations in children with specific language impairment. Human Brain Mapping, 30(5), 1626–1636. https://doi.org/10.1002/hbm.20620

Wiseheart R, Altmann LJP. Spoken sentence production in college students with dyslexia: working memory and vocabulary effects. Int J Lang Commun Disord. 2018 Mar;53(2):355-369. doi: 10.1111/1460-6984.12353. Epub 2017 Nov 21. PMID: 29159849.

Zadina JN, Corey DM, Casbergue RM, Lemen LC, Rouse JC, Knaus TA, Foundas AL. Lobar asymmetries in subtypes of dyslexic and control subjects. J Child Neurol. 2006 Nov;21(11):922-31. doi: 10.1177/08830738060210110201. PMID: 17092456.

 

A REABILITAÇÃO COGNITIVA É UM IMPORTANTE RECURSO DE MANEJO CLÍNICO NA DEMÊNCIA LEVE A MODERADA

31 agosto, 2023

Quando a memória começa a se desvanecer e a execução de tarefas diárias se transforma em desafios, a demência leva a uma série de barreiras pessoais e ambientais para o paciente e seus familiares. No entanto, entre outras diversas estratégias terapêuticas importantes, a Reabilitação Cognitiva é uma abordagem que oferece auxílio às pessoas que enfrentam demência leve a moderada, permitindo que enfrentem essas dificuldades de maneira mais autônoma e funcional.

A metodologia de hoje é altamente personalizada, iniciando com uma minuciosa avaliação das capacidades cognitivas individuais, seguida pelo estabelecimento de metas específicas. A partir daí, tarefas são projetadas para intervir nas incapacidades identificadas. Duas abordagens principais se destacam: a primeira visa restaurar habilidades perdidas, enquanto a segunda concentra-se em desenvolver alternativas para lidar com os desafios, por meio de recursos ou estratégias compensatórias.

A Reabilitação Cognitiva provou ter um impacto positivo substancial em pacientes com demência leve a moderada, auxiliando-os a alcançar metas pessoais, fortalecendo a confiança e simplificando a gestão das atividades cotidianas. Vale notar que os benefícios se estendem além dos pacientes: os cuidadores também experimentam uma melhora na qualidade de vida, resultado dos efeitos clínicos da Reabilitação Cognitiva na rotina dos pacientes.

Resumindo, a Reabilitação Cognitiva oferece um suporte clínico importante para pessoas com demência leve a moderada, quando integrada às atividades diárias e instrumentais. 

Fonte: Kudlicka A, Martyr A, Bahar-Fuchs A, Sabates J, Woods B, Clare L. Cognitive rehabilitation for people with mild to moderate dementia. Cochrane Database Syst Rev. 2023 Jun 29;6(6):CD013388. doi: 10.1002/14651858.CD013388.pub2. PMID: 37389428; PMCID: PMC10310315.

 

TECNONEURO NOTÍCIAS: DIAGNÓSTICO TARDIO DO AUTISMO EM MULHERES: ROMPENDO BARREIRAS PARA UMA SAÚDE ADEQUADA

30 agosto, 2023

Por Maria Ramim

No complexo cenário do Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma preocupante disparidade vem à tona: o diagnóstico tardio e negligência no manejo clínico das mulheres afetadas por essa condição. O estudo de  Bargiela et. al. (2016) “The Experiences of Late-diagnosed Women with Autism Spectrum Conditions: An Investigation of the Female Autism Phenotype” , focado nas experiências de 14 mulheres jovens com TEA, expôs as dificuldades que elas enfrentam em busca de um diagnóstico preciso e nas estratégias que desenvolvem para se ajustarem a um mundo que muitas vezes parece não entender suas necessidades.

Os quatro principais temas que emergiram desse estudo de julgamentos estereotipados heteropercebidos e autopercebidos quanto ao sofrimento dessas mulheres foram: "Você não é autista", "Fingir ser normal", "Passivo para assertivo" e "Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA" são reveladores de uma luta diária que muitas mulheres com autismo enfrentam, e destacam a necessidade urgente de uma mudança no paradigma de diagnóstico e tratamento.

O primeiro tema, "Você não é autista", expõe as barreiras significativas que as mulheres enfrentam ao buscar um diagnóstico. Muitas vezes, elas são mal compreendidas ou até mesmo ignoradas por profissionais de saúde. A falta de conhecimento sobre como o autismo pode se manifestar de forma diferente em mulheres, combinada com estereótipos ultrapassados, frequentemente leva a diagnósticos equivocados, como depressão ou ansiedade.

O segundo tema, "Fingir ser normal", revela uma estratégia de adaptação adotada por muitas mulheres com TEA para se encaixarem socialmente. Esse mascaramento de traços autistas é frequentemente desgastante e pode levar à perda de identidade e ao isolamento emocional.

O terceiro tema, "Passivo para assertivo", destaca as dificuldades que as mulheres com autismo enfrentam em relacionamentos devido a uma tendência percebida de passividade. Essa submissão pode levar a situações prejudiciais, e muitas mulheres, com o tempo, aprendem a se tornar mais assertivas, desenvolvendo habilidades para identificar manipulação e estabelecer limites saudáveis.

O último tema, "Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA", explora como as expectativas sociais baseadas em estereótipos de gênero afetam as mulheres com TEA. Elas frequentemente enfrentam o desafio de se encaixar em papéis tradicionais, enquanto também buscam expressar sua identidade única. Plataformas online fornecem um espaço valioso para compartilhar experiências e estabelecer conexões com outras mulheres com autismo.

Abaixo o detalhamento feitos pelos autores do estudos desses 4 principais temas emergidos dessas 14 mulheres com TEA:

  •  "Você não é autista":

1. Muitas mulheres jovens com TEA relataram dificuldades para obter um diagnóstico autista, sendo frequentemente ignoradas ou mal compreendidas por profissionais de saúde.

2. Barreiras comuns para o diagnóstico incluíam o desconhecimento de como o autismo se manifesta em mulheres, estereótipos equivocados e a crença de que elas não podiam ser autistas devido a habilidades sociais superficiais.

3. Profissionais de saúde, professores e outros também frequentemente diagnosticavam erroneamente problemas diferentes, como depressão, ansiedade ou transtorno de personalidade múltipla, em vez de TEA.

  •  "Fingir ser normal":

1.Muitas mulheres jovens adotaram estratégias de "mascarar" ou imitar comportamentos neurotípicos para se adaptarem socialmente.

2.Essas estratégias incluíram o uso de uma "máscara" social, imitação de comportamentos e aprendizado de expressões faciais e linguagem corporal de fontes de mídia.

3.O mascaramento frequentemente resultou em exaustão, perda de identidade e dificuldade em reconhecer seus próprios sentimentos.

  • "Passivo para assertivo":

1.Muitas mulheres relataram experiências de vitimização e dificuldades em relacionamentos devido a sua passividade percebida.

2. Alguns participantes se sentiam pressionados a agradar aos outros, evitar conflitos e ceder a demandas indesejadas.

3. Com o tempo, várias mulheres se tornaram mais assertivas e desenvolveram habilidades para identificar manipulação e situações prejudiciais.

  •  "Forjando uma identidade como uma jovem mulher com TEA":

1. As mulheres jovens enfrentaram expectativas sociais baseadas em estereótipos de gênero, muitas vezes tentando se adequar a papéis tradicionais, mas também rejeitando-os.

2. A formação de amizades foi desafiadora devido à dificuldade em entender as interações sociais e ao conflito entre as amizades masculinas e femininas.

3. Plataformas online forneceram um espaço para criar amizades e compartilhar experiências com outras mulheres com TEA.

4. A identidade muitas vezes foi moldada por interesses especiais, que proporcionaram um senso de propósito, realização e uma forma alternativa de definir a si mesmas.

Além desses temas, os resultados do estudo também enfocam a camuflagem – a prática de imitar comportamentos neurotípicos para se ajustar socialmente. Esse esforço muitas vezes exaustivo para ser "normal" foi um traço marcante nas experiências das participantes. O estudo revelou que essa camuflagem é frequentemente autodidata e inconsciente, destacando a complexidade dessa estratégia de adaptação.

As conclusões da pesquisa também revelaram um diagnóstico tardio como uma preocupação central. A camuflagem, juntamente com características específicas do autismo feminino, contribui para diagnósticos equivocados ou negligência por parte dos profissionais de saúde. Essa falha tem um impacto significativo na saúde mental das mulheres afetadas, exacerbando problemas como a ansiedade.

Apesar dos desafios, o estudo também destacou o impacto positivo que um diagnóstico tardio pode ter. A maioria das participantes sentiu um senso de pertencimento e compreensão após receberem o diagnóstico, contrastando com o estigma negativo que muitas vezes prevalece na ausência de diagnóstico.

Abaixo as 10 características essenciais do TEA feminino, elencadas no estudo:

  • Camuflagem e esforços para ser "normal": Muitas participantes relataram camuflar seus traços autistas, adotando comportamentos sociais "neurotípicos". Isso envolve esforços conscientes para aprender habilidades sociais e comportar-se de maneira mais típica. Esses esforços foram frequentemente descritos como "colocar uma máscara".
  • Autodidatismo para camuflagem: O desenvolvimento dessas personas neurotípicas exigiu aprendizado contínuo e autodidata, incluindo observação cuidadosa, leitura de psicologia, imitação de personagens fictícios e aprendizado por tentativa e erro em situações sociais.
  • Elementos inconscientes de camuflagem: Algumas mulheres copiavam comportamentos sociais sem perceber que estavam imitando, ressaltando a complexidade da camuflagem.
  • Desvantagens da camuflagem: A camuflagem estava associada a exaustão, confusão sobre identidade pessoal e problemas nas relações interpessoais devido a uma priorização excessiva da adaptação.
  • Pressões de gênero e papéis tradicionais: Algumas participantes sentiram conflito entre a pressão para se conformar a papéis de gênero tradicionais e o desejo de aceitar sua identidade autista.
  • Dificuldades na interação com pares femininos: A dificuldade de comunicação social autista dificultava a participação em grupos de pares femininos, considerados mais sutis e menos tolerantes a erros.
  • Identidade de gênero: Embora ninguém no estudo discordasse do gênero atribuído ao nascimento, o conflito entre identidade feminina e autista sugeria uma possível influência nas taxas elevadas de disforia de gênero.
  • Diagnóstico tardio: O estudo destacou o preconceito contra o diagnóstico de TEA feminino, indicando que a camuflagem e características específicas do fenótipo feminino contribuem para diagnósticos tardios ou negligência.
  • Desafios de saúde mental: Mulheres com TEA geralmente enfrentavam problemas de saúde mental, como ansiedade, destacando a importância do diagnóstico para o acesso a apoio adequado.
  • Impacto positivo do diagnóstico: A maioria das participantes considerou o diagnóstico tardio como benéfico, proporcionando um senso de pertencimento e compreensão, embora a falta de diagnóstico tenha resultado em rotulagem negativa.

Em última análise, esse estudo importante para a aplicação clínica destaca a necessidade urgente de uma abordagem mais sensível e informada sobre gênero no diagnóstico e manejo do TEA. Profissionais de saúde devem ser capacitados para reconhecer as nuances do autismo feminino e oferecer intervenções adequadas. Romper as barreiras que impedem um diagnóstico e tratamento adequados é essencial para garantir a saúde e o bem-estar de mulheres com autismo, permitindo que elas alcancem todo o seu potencial funcional e adaptativo.

Fonte: Bargiela S, Steward R, Mandy W. The Experiences of Late-diagnosed Women with Autism Spectrum Conditions: An Investigation of the Female Autism Phenotype. J Autism Dev Disord. 2016 Oct;46(10):3281-94. doi: 10.1007/s10803-016-2872-8. PMID: 27457364; PMCID: PMC5040731.

 

TECNONEURO NOTÍCIAS – A NEURORREABILITAÇÃO COGNITIVA PARA PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA

29 agosto, 2023

A esquizofrenia é uma doença mental complexa que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Um recente artigo saído do forno e intitulado "Cognitive Rehabilitation for Patients with Schizophrenia: A Narrative Review of Moderating Factors, Strategies, and Outcomes" apresenta dados sobre a neurorreabilitação cognitiva para pacientes que enfrentam os desafios dessa condição. A pesquisa destaca fatores cruciais que influenciam os resultados positivos, estratégias eficazes e as mais recentes evidências em relação aos tratamentos.

Conduzido por Skokou et al. e publicado no periódico "Advances in Experimental Medicine and Biology" em 2023, o estudo fornece uma visão abrangente sobre a reabilitação cognitiva na esquizofrenia, oferecendo informações fundamentais para profissionais de saúde que trabalham com pacientes afetados por essa condição complexa.

O estudo identificou diversos fatores que contribuem para resultados favoráveis na neurorreabilitação cognitiva em pacientes com esquizofrenia. Estes incluem a idade jovem, a fase inicial da doença, o controle dos sintomas de hostilidade e desorganização conceitual, a ausência de sintomas negativos, o manejo dos efeitos colaterais dos medicamentos e a reserva cognitiva e cortical. Além disso, a pesquisa destaca que certos tratamentos medicamentosos, como antipsicóticos atípicos, clozapina, aripiprazol, memantina, modafinil, d-serina e cicloserina, podem ter efeitos pro-cognitivos, trazendo efeitos clínicos positivos para pacientes e sendo um recurso clínico importante para profissionais de saúde.

O estudo também explora o impacto do polimorfismo Val/Val do gene COMT, que parece estar associado a um pior prognóstico para os pacientes. Isso ressalta a importância de considerar fatores genéticos individuais ao desenvolver abordagens de neurorreabilitação.

Em termos de estratégias práticas, diversos modelos de intervenções têm mostrado eficácia na neurorreabilitação cognitiva de pacientes com esquizofrenia. Programas como a Terapia de Aprimoramento Cognitivo (CET), o Treinamento de Adaptação Cognitiva (CAT) e o Software de Terapia Cognitiva RehaCom são mencionados como exemplos. Esses programas utilizam uma variedade de técnicas que vão desde métodos tradicionais com papel e lápis até abordagens assistidas por computador, proporcionando uma ampla gama de opções para personalizar os tratamentos de acordo com as necessidades individuais dos pacientes.

Um aspecto fundamental ressaltado pelo estudo é que os sintomas cognitivos da esquizofrenia estão diretamente ligados ao comprometimento funcional dos pacientes. Portanto, as estratégias de neurorreabilitação cognitiva continuam sendo uma abordagem terapêutica vital, uma vez que são as únicas capazes de promover melhorias cognitivas para pacientes que enfrentam dificuldades em sua recuperação.

Em um panorama onde a esquizofrenia continua a desafiar pacientes, familiares e profissionais de saúde, a pesquisa proporciona critérios norteadores, destacando que avanços significativos estão sendo feitos na neurorreabilitação cognitiva. A colaboração entre a pesquisa científica e a prática clínica desempenha um papel crucial na melhoria da qualidade de vida dos pacientes com esquizofrenia, fornecendo esperança e oportunidades reais de recuperação.

Fonte: Skokou M, Messinis L, Nasios G, Gourzis P, Dardiotis E. Cognitive Rehabilitation for Patients with Schizophrenia: A Narrative Review of Moderating Factors, Strategies, and Outcomes. Adv Exp Med Biol. 2023;1423:193-199. doi: 10.1007/978-3-031-31978-5_17. PMID: 37525044.

 

NEURORREABILITAÇÃO COGNITIVA PÓS-TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO LEVE: ABORDAGENS E PROGRAMAS

28 agosto, 2023

O traumatismo cranioencefálico leve (TCE leve) é caracterizado por lesões na cabeça com perda de consciência de até 30 minutos, amnésia pós-traumática e alteração de consciência por até 24 horas, sem evidências visíveis em exames. Recentemente, a atenção para o TCE leve cresceu, devido a lesões esportivas, acidentes e de combate amplamente divulgadas. Contudo, muitos casos passam despercebidos, levando a sintomas não reconhecidos e deficiências crônicas, como déficits de atenção, dores de cabeça, fadiga, estresse pós-traumático e problemas no funcionamento executivo.

Aproximadamente 70% dos casos de lesão cerebral traumática são considerados TCE leve e frequentemente são diagnosticados com base nas queixas do indivíduo, sem evidências objetivas após a lesão. Os sintomas do TCE leve podem ser confundidos com outros estressores, como dor, estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.

Muitos indivíduos relatam sintomas cognitivos, físicos e psicológicos meses ou anos após o TCE leve, incluindo comprometimento do funcionamento executivo, afetando a atenção, memória, organização e planejamento. Isso pode impactar negativamente a capacidade de manter um emprego devido aos déficits no funcionamento executivo.

A conscientização das sequelas cognitivas de longo prazo do TCE leve levou ao desenvolvimento de protocolos de treinamento e reabilitação cognitiva. Diversos programas foram criados com foco na melhoria das funções cognitivas e adaptando-se às demandas diárias e funcionais do indivíduo. Alguns desses programas incluem:

1. Treinamento de Memória Estratégica e Raciocínio (SMART):

O treinamento SMART utiliza abordagens estratégicas de cima para baixo para aprimorar o controle cognitivo, como atenção estratégica, raciocínio integrativo e inovação. Seu foco é alcançar funcionalidade adaptativa nas áreas de educação e trabalho, direcionando-se para modular os domínios de atenção e funções executivas. Descobriu-se que o SMART melhora funções executivas, como raciocínio, inibição e habilidades do dia a dia.

2. Treinamento de Gerenciamento de Metas (GMT):

O GMT emprega estratégias metacognitivas para melhorar a capacidade dos pacientes de definir e atingir metas em situações da vida real. O objetivo é alcançar funcionalidade adaptativa em educação e organização de tarefas, com foco na modulação dos domínios de metacognição e funções executivas. Observou-se melhoria na função executiva cognitiva autorelatada na vida diária e melhor desempenho em tarefas que requerem atenção.

3. Terapia de Reabilitação Cognitiva (TRC):

A TRC tem como objetivo permitir que pacientes voltem, dentro do possível, a uma vida normal, por meio da reconstrução ou compensação de funções perdidas. Concentra-se na funcionalidade adaptativa em autoconsciência, com foco na modulação dos domínios de atenção e autocontrole. Embora tenha efeitos ao longo da terapia, não se observou transferência significativa de capacidade para a vida diária.

4. Gerenciamento de Sintomas Cognitivos e Terapia de Reabilitação (CogSMART):

O CogSMART é uma intervenção de treinamento cognitivo compensatório multimodal, enfatizando o aprendizado de hábitos e estratégias compensatórias na memória prospectiva, atenção, aprendizado, memória e funções executivas. Seu foco é a funcionalidade adaptativa em educação (aprendizado) e hábitos, com o objetivo de modular vários domínios cognitivos. Houve reduções significativas nos sintomas pós-concussivos autorrelatados e melhorias na qualidade de vida, memória prospectiva no mundo real e funcionamento diário.

5. Treinamento de Estratégia Cognitiva (CST):

O CST visa ensinar estratégias individuais que permitam aos pacientes contornar seus déficits cognitivos. Concentra-se na funcionalidade adaptativa em educação, estratégias de estilo de vida e rotina, com modulação dos domínios de memória, atenção e funções executivas. A CST mostrou utilidade percebida de estratégias de compensação cognitiva, redução da depressão e melhoria na satisfação com a vida.

6. Treinamento Cognitivo Compensatório:

Este treinamento é realizado em grupo, com apresentações didáticas interativas, discussões em sala de aula e atividades práticas. Ele visa melhorar habilidades de gerenciamento de tempo, organização, memória e atenção. Observou-se que os participantes enfrentaram menos dificuldades cognitivas e de memória após esse treinamento, além de um maior uso de estratégias cognitivas. Também facilitou mudanças comportamentais e melhorias subjetivas/objetivas em domínios cognitivos específicos.

7. Autorregulação da Atenção Orientada a Objetivos (OBJETIVOS):

O programa OBJETIVOS é um treinamento de reabilitação cognitiva que foca nas funções de controle executivo, ensinando estratégias de regulação da atenção e gerenciamento de metas baseadas na atenção plena. Ele visa a funcionalidade adaptativa nas áreas de habilidades e objetivos em ambientes da vida real, modulando os domínios de atenção, memória e funções executivas. As melhorias obtidas através deste programa se estendem para a cognição, regulação emocional e funcionamento diário.

8. Treinamento de Atenção:

O treinamento de atenção engloba desde tarefas simples, como o uso de flashcards, até atividades mais complexas para aprimorar a atenção complexa e a memória de trabalho. As evidências indicam melhorias significativas nas habilidades de atenção, incluindo atenção focada, sustentada, seletiva, alternada e dividida, bem como na memória.

9. Treinamento de Comunicação Funcional/Cognitiva:

Esse programa é voltado para a reabilitação da comunicação, permitindo que os pacientes pratiquem suas habilidades em situações contextuais relevantes para suas vidas. O foco é alcançar funcionalidade adaptativa nas áreas de audição, fala, escrita, leitura, conversação e interação social. Embora não seja um programa completo, enfatiza a importância de medir resultados significativos para a pessoa no contexto da participação social.

10. Programas Específicos para Retorno ao Trabalho (RTW):

As intervenções cognitivas do programa RTW visam aprimorar a memória, reduzir sintomas pós-concussivos e melhorar o funcionamento neuropsicológico. Estratégias cognitivas compensatórias, especialmente aquelas apoiadas por dispositivos de suporte, demonstraram ser mais eficazes para facilitar o retorno ao trabalho e a integração comunitária após o traumatismo cranioencefálico.

11. Técnicas Baseadas em Tecnologia: Realidade Virtual (RV), Treinamento com Inteligência Artificial (AIVTS) e Programas Computadorizados:

Logo, os resultados gerais indicam melhorias não apenas nas áreas moduladas, mas também em áreas não diretamente moduladas. Desta forma, a modulação cognitiva pode resultar em aprimoramentos funcionais. Além disso, ressalta-se a importância dos padrões de desempenho, hábitos e rotinas, assim como a necessidade de medir resultados significativos para a pessoa no contexto social. Enfatiza-se que o TCE leve é uma condição crônica, suas sequelas cognitivas podem piorar sem intervenções adequadas ao longo do tempo.

Fonte: Vas A, Luedtke A, Ortiz E, Mackie N, Gonzalez S. Cognitive Rehabilitation: Mild Traumatic Brain Injury and Relevance of OTPF. Occup Ther Int. 2023 May 29;2023:8135592. doi: 10.1155/2023/8135592. PMID: 37283959; PMCID: PMC10241584.

 

TITÂNIO: UMA METÁFORA PARA A FLEXIBILIDADE COGNITIVA E INTELIGÊNCIA NA DESCIDA ÀS PROFUNDEZAS DO TITANIC

28 junho, 2023

Quando falamos de inteligência e flexibilidade cognitiva, o Titânio nos oferece estimadas lições. A inteligência é a capacidade de adaptação, e a flexibilidade cognitiva é um domínio fundamental para alcançarmos um bom funcionamento adaptativo.

Ao ler sobre a trágica história da cápsula Titan, que tentou descer a 4 mil metros de profundidade no norte do Atlântico, deparei-me com a explicação do Professor Eric Fusil, da Escola de Engenharia Elétrica e Mecânica da Universidade de Adelaide, na Austrália. A explicação dele sobre os materiais com os quais foram feitos a capsula nos ajuda a compreender a importância dos conceitos de inteligência e flexibilidade cognitiva no âmbito humano.

Imagine-se como um submarino (a cápsula) mergulhando a uma profundidade de 4 mil metros. Essa descida e subsequente subida exigem que você tenha alta flexibilidade para se adaptar rapidamente às mudanças de pressão desses dois processos. Isso é inteligência: a capacidade de aprender com a experiência e se adaptar, moldar e selecionar ambientes. Consequentemente, para expressar essa capacidade em sua plenitude, é necessária a flexibilidade cognitiva.

Desta forma, a flexibilidade cognitiva é a capacidade de mudar de perspectivas e pensar de maneira não convencional. Ela nos permite ver as coisas de ângulos diferentes e compreender o ponto de vista de outras pessoas. Para isso, é necessário inibir perspectivas anteriores e ativar novas perspectivas em nossa memória operacional (projeção mental). A flexibilidade cognitiva também envolve a habilidade de encontrar novas abordagens para resolver problemas e considerar estratégias não previamente exploradas. Além disso, ser flexível cognitivamente implica em adaptar-se a novas demandas, reconhecer erros e aproveitar oportunidades inesperadas. É uma habilidade valiosa que nos permite explorar novas possibilidades e lidar de forma eficaz com as mudanças. Logo, há uma sobreposição significativa entre flexibilidade cognitiva e criatividade, troca de tarefas e mudança de cenário. Enfim, a flexibilidade cognitiva é o oposto da rigidez. E, ressalvando que, resistente não quer dizer rígido, pelo contrário.

Agora, voltando à analogia, ao sermos a cápsula, somos submetidos a pressões incrivelmente altas, equivalentes ao peso da Torre Eiffel, com dezenas de milhares de toneladas nos comprimindo. Nesse caso, nosso comportamento deve funcionar como um invólucro de titânio resistente, capaz de suportar as enormes pressões esperadas a 4 mil metros de profundidade, onde os destroços do Titanic estão localizados.

Por que o titânio, nessa relação, pode ser comparado ao que se espera de nós em termos de inteligência e flexibilidade cognitiva? A resposta é simples: o titânio é elástico e capaz de suportar uma ampla gama de tensões sem deixar tensões permanentes mensuráveis após retornar à pressão atmosférica. Ele se contrai para acomodar as forças de pressão e se expande novamente quando essas forças são aliviadas. Isso é exatamente o que se espera de comportamentos inteligentes e flexíveis.

É interessante notar que uma das hipóteses levantadas pelo professor em relação à tragédia nas profundezas do mar foi a composição da cápsula, feita de uma combinação de titânio e composto de fibra de carbono. Ao contrário do titânio, a fibra de carbono é muito mais rígida e não possui a mesma elasticidade. Essa diferença na composição dos materiais nos leva a refletir sobre a importância da flexibilidade cognitiva em nossa vida.

Portanto, assim como ocorre com o titânio descendo à altas profundidades e retornando é importante nos adaptarmos diante das pressões da vida para enfrentar os desafios e adversidades que encontramos em nosso caminho.

#InteligênciaCognitiva #FlexibilidadeMental #AprendendoComOTitânio #Neuropsicologia #CuidandoDaMente

Fontes:

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c84wxxrnmryo

Sternberg RJ. Intelligence. Dialogues Clin Neurosci. 2012 Mar;14(1):19-27. doi: 10.31887/DCNS.2012.14.1/rsternberg. PMID: 22577301; PMCID: PMC3341646.

Diamond A. Executive functions. Annu Rev Psychol. 2013;64:135-68. doi: 10.1146/annurev-psych-113011-143750. Epub 2012 Sep 27. PMID: 23020641; PMCID: PMC4084861.

 

DISCUSSÃO CLÍNICA SOBRE O DIAGNÓSTICO TARDIO DE AUTISMO NO SEXO XX

19 junho, 2023

Ontem me parei com uma republicação da @dra.mirellase a partir da publicação de @pauloliberalesso, que traz à tona um debate fundamental sobre o diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro Autista (TEA) em mulheres e adolescentes do sexo feminino. O médico questionou o uso do termo "leve" no diagnóstico tardio de TEA da paciente citada, aos 17 anos, apesar das dificuldades que ela enfrentava desde os 8 anos, conforme relatado. É certo que essas dificuldades já estão presentes antes dessa idade. Entretanto, no início de sua adolescência, quando as sociais ansiosas ficaram a ficar mais complexas e a rede de apoio mais escassa, iniciaram-se aos 12 anos a busca por tratamento e receberam os diagnósticos de desatenção e depressão. No entanto, sem resposta clínica, a condição só se agravava,

Desta forma, gostaria de ampliar o debate importante e divergir que o problema levantado pelo médico não reside no grau "leve" do autismo, mas sim na falta de um diagnóstico adequado no momento apropriado.

Os termos "leve", "moderado" ou "grave" referem-se apenas ao nível de suporte necessário quanto ao funcionamento adaptativo por parte do indivíduo, com base na premissa da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS. No entanto, esses termos não refletem em sua classificação os efeitos adversos do TEA, como são conhecidas co-ocorrências que podem ser profundamente prejudiciais, tanto para os indivíduos dependentes, quanto para o seu contexto, especialmente, quando existe falta de tratamento para o quadro, como foi o caso do paciente citado pelo médico.

A desatenção associada ao TEA muitas vezes é confundida com outros transtornos, como o TDAH, apesar de a literatura científica indicar que a comorbidade entre eles é mínima e numa análise ampliada apresentarem características diagnósticas distintas. O que ocorre frequentemente são erros de diagnóstico. De fato, a desatenção no TEA é resultado de falhas sensoriais nos canais visual, auditivo e sinestésico, bem como nos sistemas proprioceptivo e vestibular (lembrem-se que podem ser hiper-receptivos, hipo-receptivos e/ou mistos), afetando a atenção compartilhada, atenção conjunta e motivação social.

É importante ressaltar que a mera identificação e compartilhamento de sintomas não constituem um diagnóstico. Deve-se considerar o quadro clínico por meio de um diagnóstico diferencial, análise comparativa - pensamento analógico e pensamento crítico (pensamento de ordem superior) direcionado ao diagnóstico, permitindo-nos ir além das diretrizes e acompanhar as atualizações da literatura científica, que são tão necessárias.

A motivação desempenhou um papel crucial nos sentimentos subjacentes à atenção conjunta no TEA. A medição dos processos de atenção conjunta, da regulação visual e do desengajamento atencional desde tenra idade pode ajudar no diagnóstico e consequentemente, na intervenção precoce. Estudos demonstram que a motivação modula a regulação visual em relação à atenção conjunta e que o desengajamento atencional também está relacionado a ela.

Infelizmente, é esperado que provoquem co-ocorrências como depressão, ansiedade e tentativas de suicídio no contexto do TEA, em especial na ausência de tratamento, e a literatura científica explica as razões por trás desses quadros ao diagnóstico tardio associados. Histórias como a da paciente desse médico são comuns em ansiosos que lidam com a avaliação de TEA tardio, especialmente em relação às mulheres.

O diagnóstico na idade adulta passou a ser reconhecido como uma questão clínica importante devido ao aumento da conscientização sobre o autismo, à introdução dos critérios diagnósticos e à compreensão do espectro autista. Isso levou à identificação de uma geração de pessoas que antes eram excluídas de um diagnóstico de autismo clássico. Entretanto, muitos clínicos ainda estão míopes sobre essas mudanças.

Ao avaliar e diferenciar diagnósticos, é fundamental considerar comorbidades reais, comportamentos sobrepostos a outros transtornos psiquiátricos e diferenças no fenótipo feminino. As mulheres e meninas autistas apresentam perfis de sintomas distintos em áreas como interação social, comunicação padrões restritos e repetitivos de comportamento e interesses.

No entanto, erros nos diagnósticos anteriores de meninas e mulheres com TEA são uma questão preocupante e preocupante. Frequentemente, essas mulheres desenvolvem estratégias de "camuflagem" para esconder suas dificuldades e se adaptar às normas sociais. Isso pode levar a diagnósticos equivocados, uma vez que os sinais típicos do autismo podem ser menos claros nelas.

Além disso, as ferramentas de diagnóstico existentes, incluindo as consideradas como padrão ouro, como a Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R) e Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS-2), bem como escalas autoperceptivas e heteroperceptivas, podem não ser suficientes pessoas para identificar o autismo em mulheres. Essas ferramentas foram desenvolvidas sem levar em consideração as diferenças de sexo, o que pode resultar na subestimação dos sintomas e na exclusão de mulheres autistas.

É crucial que os profissionais de saúde e os investigadores estejam cientes das diferenças clínicas de sexo e sejam sensíveis às manifestações únicas do autismo em mulheres. Isso permitirá um diagnóstico precoce e preciso, garantindo que as mulheres com autismo recebam o apoio e tratamento adequado.

A conscientização sobre as características fenotípicas distintas do autismo no sexo feminino está crescendo, e é necessário que essa compreensão se reflita na prática clínica e nas diretrizes de diagnóstico. A identificação correta das mulheres autistas é crucial para que elas possam acessar os serviços e intervenções necessárias, além de ajudá-las a compreender a si mesmas e encontrar apoio em suas jornadas.

É importante destacar mais uma vez que o problema não está no grau de severidade do TEA, mas sim na ausência de um diagnóstico adequado no momento certo. O diagnóstico tardio pode resultar em sofrimento prolongado, dificuldades emocionais e até mesmo tentativas de suicídio, como mencionado no relato do médico. Portanto, é fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos aos sinais de autismo em todas as idades e em ambos os sexos, a fim de garantir que ninguém seja deixado para trás sem o suporte adequado.

A ciência continua a avançar e a nos fornecer uma compreensão mais profunda do autismo, incluindo suas manifestações específicas em mulheres e adolescentes do sexo feminino. À medida que essa compreensão se expande, é nosso dever como profissionais de saúde e pesquisadores atualizar nossas práticas e diretrizes de diagnóstico para garantir que ninguém seja negligenciado ou diagnosticado erroneamente.

Para alcançar isso, é necessário um esforço conjunto de profissionais de saúde, pesquisadores, educadores e sociedade em geral. Devemos promover a educação e a conscientização sobre o autismo, especialmente no que se refere às suas características fenotípicas distintas em mulheres. Também é crucial desenvolver instrumentos de avaliação sensíveis ao sexo, que possam capturar adequadamente os sinais de autismo em mulheres e adolescentes do sexo feminino.

Além disso, é importante ouvir e valorizar as experiências daqueles que vivenciam o autismo em primeira mão, bem como de suas famílias. Suas histórias e perspectivas podem fornecer insights preciosos que nos ajudam a aprimorar nossas práticas e políticas em relação ao diagnóstico e tratamento do autismo.

Acredito firmemente que, com uma abordagem sensível ao sexo e uma maior conscientização, podemos garantir que todas as pessoas, independentemente de seu sexo, recebam o suporte e tratamento adequados desde cedo. Ninguém deve passar por décadas de dificuldades antes de receber um diagnóstico preciso e o apoio necessário.

Vamos trabalhar juntos para construir um futuro em que todas as pessoas com autismo, sejam elas mulheres, homens ou indivíduos de outros gêneros, tenham suas necessidades reconhecidas, sejam compreendidas e possam alcançar seu pleno potencial. Juntos, podemos garantir que ninguém seja deixado para trás no caminho em direção à redução de barreiras oriundas da neurodiversidade e em prol do bem-estar.

 #Autismo #Inclusão #DiagnósticoPrecoce

 

Referências:

Chen, Y. W., Bundy, A., Cordier, R., Chien, Y.-L., & Einfeld, S. (2015). Motivation for everyday social participation in cognitively able individuals with autism spectrum disorder. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 2699. https://doi.org/10.2147/NDT.S87844

Cola, M., Yankowitz, L. D., Tena, K., Russell, A., Bateman, L., Knox, A., Plate, S., Cubit, L. S., Zampella, C. J., Pandey, J., Schultz, R. T., & Parish-Morris, J. (2022). Friend matters: sex differences in social language during autism diagnostic interviews. Molecular Autism, 13(1), 5. https://doi.org/10.1186/s13229-021-00483-1

de Gaulmyn, A., Miljkovitch, R., & Montreuil, M. (2018). Étude clinique des processus sous-jacents de l’attention conjointe de très jeunes enfants avec trouble du spectre autistique. L’Encéphale, 44(3), 224–231. https://doi.org/10.1016/j.encep.2016.12.002

Harrop, C., Jones, D., Zheng, S., Nowell, S. W., Boyd, B. A., & Sasson, N. (2018). Sex differences in social attention in autism spectrum disorder. Autism Research, 11(9), 1264–1275. https://doi.org/10.1002/aur.1997

Kohls, G., Chevallier, C., Troiani, V., & Schultz, R. T. (2012). Social ‘wanting’ dysfunction in autism: neurobiological underpinnings and treatment implications. Journal of Neurodevelopmental Disorders, 4(1), 10. https://doi.org/10.1186/1866-1955-4-10

Lai, M.-C., & Baron-Cohen, S. (2015). Identifying the lost generation of adults with autism spectrum conditions. The Lancet. Psychiatry, 2(11), 1013–1027. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(15)00277-1

Libster, N., Knox, A., Engin, S., Geschwind, D., Parish-Morris, J., & Kasari, C. (2023). Sex differences in friendships and loneliness in autistic and non-autistic children across development. Molecular Autism, 14(1), 9. https://doi.org/10.1186/s13229-023-00542-9

Phillips, J. M., Uljarević, M., Schuck, R. K., Schapp, S., Solomon, E. M., Salzman, E., Allerhand, L., Libove, R. A., Frazier, T. W., & Hardan, A. Y. (2019). Development of the Stanford Social Dimensions Scale: initial validation in autism spectrum disorder and in neurotypicals. Molecular Autism, 10(1), 48. https://doi.org/10.1186/s13229-019-0298-9

Rynkiewicz, A., Janas-Kozik, M., & Słopień, A. (2019). Girls and women with autism. Psychiatria Polska, 53(4), 737–752. https://doi.org/10.12740/PP/OnlineFirst/95098

Sedgewick, F., Hill, V., Yates, R., Pickering, L., & Pellicano, E. (2016). Gender Differences in the Social Motivation and Friendship Experiences of Autistic and Non-autistic Adolescents. Journal of Autism and Developmental Disorders, 46(4), 1297–1306. https://doi.org/10.1007/s10803-015-2669-1

Young, H., Oreve, M.-J., & Speranza, M. (2018). Características clínicas e problemas no diagnóstico do transtorno do espectro do autismo em meninas. Archives de Pediatrie, 25(6), 399–403. https://doi.org/10.1016/j.arcped.2018.06.008

 

VOCÊ FAZ PARTE DA CHAMADA 'GERAÇÃO SANDUÍCHE'?

15 junho, 2023

Você já se sentiu sobrecarregado cuidando de seus filhos e de seus pais ao mesmo tempo? Se sim, você faz parte da chamada 'geração sanduíche', um termo usado pelos geógrafos para descrever aqueles que enfrentam o desafio de cuidar de crianças e parentes idosos ao mesmo tempo.

É uma tarefa que traz consigo um custo emocional e financeiro significativo. Muitas vezes, é necessário deixar o trabalho ou reduzir a carga horária para dar conta das necessidades dos pais idosos, dos filhos e de si mesmo. Essa responsabilidade demanda muito tempo e flexibilidade, que nem sempre são acomodados pela dinâmica social tradicional.

A maioria das pessoas da geração sanduíche têm mais de 40 anos e enfrentam desafios relacionados ao cuidado tanto das crianças quanto dos adultos mais velhos. Por exemplo, os serviços de cuidados infantis, como creches e escolas, sofrem com alta rotatividade de funcionários devido a baixos salários, e muitas vezes faltam profissionais qualificados. Isso leva os pais a pagar mais caro por esses serviços do que por moradia, enquanto a inflação piora ainda mais a situação.

Da mesma forma, o cuidado com os adultos mais velhos apresenta desafios semelhantes, principalmente quando a família não tem condições de arcar com o suporte profissional. Muitos filhos se veem responsáveis por cuidar integralmente de seus pais idosos em casa. Essa dinâmica exige compromisso emocional e financeiro, e, nesses casos, as mulheres costumam assumir a maior parte dessa responsabilidade, trabalhando fora de casa e dedicando em média 20 horas semanais ao cuidado não remunerado dos pais idosos.

As doenças crônicas frequentemente exigem cuidados contínuos, e cuidar de familiares mais velhos pode se tornar uma pressão financeira para muitos cuidadores familiares, chegando a representar 26% de sua renda em atividades de cuidado. Esse custo extra é apenas o que eles gastam pessoalmente, sem levar em conta o custo geral do atendimento. Um número significativo de pessoas presta cuidados não remunerados a amigos e familiares.

Não há dúvidas de que a crise no cuidado dos adultos mais velhos se tornará ainda mais grave à medida que a população envelhece. Os problemas enfrentados pela geração sanduíche atual serão, sem dúvida, os desafios dos adultos jovens de hoje. Portanto, é essencial que sejam implementadas políticas públicas de curto, médio e longo prazo para enfrentar essa questão.

Isso requer a revisão dos modelos salariais, o treinamento de pessoas para fornecer cuidados de saúde especializados aos adultos mais velhos com doenças crônicas, a implementação de medidas eficazes de controle de infecções e a criação de infraestrutura para o atendimento domiciliar.

Mesmo que você ainda não faça parte da geração sanduíche, é importante se antecipar, pois em algum momento você poderá vivenciar essa situação. Planeje o futuro e os desafios relacionados ao envelhecimento em conjunto com sua família. Algumas estratégias incluem:

Planejamento financeiro para cobrir os custos desse cuidado.

  • Rotatividade de membros da família para auxiliar no cuidado dos idosos, aliviando a carga sobre uma única pessoa. Gerencie e resolva problemas em equipe, em vez de criar novos obstáculos. Por exemplo, dividir responsabilidades, acompanhar consultas médicas, garantir alimentação adequada e organizar outros familiares dispostos a ajudar.
  • Evite que os idosos se sintam isolados, pois o cuidado está frequentemente ligado a doenças crônicas e à finitude da vida. Reconheça o quão comum é essa situação e o quanto pode ser desafiador. Embora não exista um sistema de atendimento ao idoso perfeito, reconhecer que isso é uma experiência compartilhada pode aliviar o peso.
 

O IMPACTO DO ESTRESSE AGUDO NA EXPECTATIVA DE VIDA: LIÇÕES DOS INSETOS

14 junho, 2023

Olá a todos! Hoje quero compartilhar com vocês uma pesquisa importante que foi destacada no The New York Times e publicada na revista PLOS Biology. Os pesquisadores Dr. Gendron e Scott Pletcher, biólogos da Universidade de Michigan, conduziram um estudo interessante sobre os efeitos do estresse agudo no envelhecimento em insetos.

A pesquisa teve como objetivo compreender como o cérebro de um animal transforma as experiências percebidas em reações físicas no corpo. Os cientistas escolheram moscas como seus sujeitos de estudo, pois elas são conhecidas por terem uma consciência profunda da morte.

As moscas foram expostas a cadáveres de moscas por dois dias, e os resultados foram surpreendentes. As moscas que testemunharam a morte de suas congêneres apresentaram alterações comportamentais e fisiológicas significativas. Elas foram evitadas por outras moscas, como se tivessem sido marcadas pela morte, e mostraram uma diminuição rápida na gordura armazenada. Além disso, essas moscas traumatizadas tiveram uma expectativa de vida mais curta em comparação com suas contrapartes não expostas ao estresse.

Através da dissecação das moscas expostas à morte, os pesquisadores observaram atividade no corpo elipsóide, uma região do cérebro responsável por integrar informações sensoriais. Essa descoberta sugere que o estresse agudo pode afetar diretamente o cérebro e desencadear respostas que levam a problemas de saúde e a uma expectativa de vida mais curta.

Embora o estudo tenha sido realizado em moscas, é importante considerar a possível relevância desses achados para os seres humanos. Como sabemos, o estresse crônico em humanos está associado a uma série de problemas de saúde e pode encurtar a expectativa de vida. Embora não possamos extrapolar diretamente esses resultados para nós mesmos, eles nos lembram da importância de cuidar de nossa saúde mental e encontrar maneiras de lidar com o estresse crônico e/ou agudo.

É crucial reconhecer que eventos traumáticos, como testemunhar a morte de alguém, podem ter um impacto profundo em nossos cérebros e em nossa saúde geral. A compreensão desses processos é um passo importante para ajudar os clínicos a desenvolverem estratégias que melhorem a qualidade de vida e a expectativa de vida em situações estressantes.

Se você sentir que o estresse está afetando negativamente sua vida a nível crônico e/ou agudo, não hesite em procurar suporte.

Referência:

Artigo no The New York Times: https://www.nytimes.com/2023/06/13/science/fruit-flies-death-aging.html

Estudo original: https://journals.plos.org/plosbiology/article?id=10.1371/journal.pbio.3002149

 

OPINIÃO: DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL - O CUIDADO QUE FALTOU!

28 maio, 2023

Ser emocionalmente negligenciado pode ser uma experiência devastadora. Esse trauma não apenas pode afetar o senso de identidade do indivíduo, sua capacidade de confiar e construir relacionamentos saudáveis, mas também pode afetar as condições de saúde.

Quantas vezes nos deparamos com uma realidade dicotômica em que o desenvolvimento cognitivo, visto como apartado da emoção, recebe toda a atenção e os recursos necessários, enquanto o desenvolvimento emocional é negligenciado? É triste constatar que a sociedade muitas vezes prioriza o preparo das habilidades para o trabalho, mas esquece-se de oferecer suporte adequado para o crescimento emocional dos indivíduos.

A família, a escola e até mesmo os sistemas de proteção, como as leis e o Estado, estão direcionados ao cumprimento de metas voltadas para a formação de profissionais capacitados. No entanto, deixamos de lado a importância fundamental de promover um ambiente saudável para o desenvolvimento emocional. E é justamente na vida adulta que sentimos o impacto dessa discrepância, quando as exigências emocionais se tornam equânimes, apesar de termos sido preparados de forma desproporcional.

As consequências de curto prazo da negligência são alarmantes. Estudos revelam um aumento no risco de comportamentos de internalização e externalização, além de atrasos no desenvolvimento cognitivo não desacoplado do emocional. Quando uma criança percebe que está sendo negligenciada emocionalmente, ela tem duas vezes mais chances de desenvolver transtornos psiquiátricos aos 15 anos, incluindo o desenvolvimento de Depressão, Transtorno Bipolar, Ansiedade, Transtorno do Pânico, Fobias e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

Adolescentes que tiveram suas emoções negligenciadas na infância são mais propensos a ter baixo desempenho acadêmico, abuso de substâncias, atividade sexual de risco e tentativas de suicídio. Esses dados nos fazem refletir profundamente sobre as consequências que a falta de atenção ao desenvolvimento emocional pode acarretar em nossas vidas e na sociedade como um todo.

É hora de mudarmos essa realidade! É fundamental que a educação e a saúde emocional sejam prioridades desde cedo, integradas ao currículo escolar e oferecidas nos mais diversos contextos sociais. É necessário criar espaços de acolhimento, nos quais as pessoas possam expressar seus sentimentos e aprender a lidar com eles de forma saudável.

Vamos lembrar que somos seres complexos, e que tanto o desenvolvimento cognitivo quanto o emocional são essenciais para uma vida funcional/adaptada e saudável. Precisamos reconhecer que cuidar das nossas emoções é tão importante quanto desenvolver habilidades profissionais.

É necessário que a família, a escola e toda a sociedade se unam nesse propósito. Os pais devem estar atentos às emoções de seus filhos, proporcionando um ambiente seguro e acolhedor para que eles possam expressar seus sentimentos sem medo de julgamento.

As escolas têm um papel fundamental nessa transformação. É imprescindível que incluam programas de educação emocional em seus currículos, proporcionando ferramentas e conhecimentos que ajudem os alunos a entenderem suas emoções, a lidarem com o estresse e a desenvolverem habilidades sociais.

Além disso, é importante que os sistemas de proteção, como os serviços de assistência social e de saúde, também estejam comprometidos em promover o desenvolvimento emocional. Devemos garantir que haja profissionais capacitados e recursos adequados disponíveis para auxiliar aqueles que estão enfrentando dificuldades emocionais.

Ao investirmos no desenvolvimento emocional, estamos investindo em pessoas mais resilientes, capazes de lidar com os desafios da vida de forma saudável e adaptadas as experiências dolorosas que os ciclos existenciais no impõem. Estamos construindo uma sociedade mais empática, onde a compreensão e o apoio mútuo são valorizados.

Não podemos mais negligenciar a importância do desenvolvimento emocional. Precisamos romper com a ideia de que apenas o intelecto é relevante e reconhecer que cuidar de nossas emoções é a base para uma vida plena e satisfatória.

Então, é primordial que tenhamos uma sociedade que valorize a integração entre o cognitivo e o emocional, reconhecendo que ambos são aspectos intrínsecos da nossa cognição e influenciam nossa forma de compreender o mundo e lidar com as situações desafiadoras e muitas delas inevitáveis no ciclo de uma existência.

 

A GAGUEIRA DE JOE BIDEN

7 fevereiro, 2023

Vamos falar de sistemas de compensações comportamentais eficientes para disfunções neurológicas e/ou neuropsiquiatrias

Hoje, Joe Biden fará o seu discurso anual no Congresso Americano direcionado especialmente para o seu povo. Verão uma fala fluente e ritmada, mas talvez o que muitos ignoram é que por trás desse discurso tem muita disciplina e técnicas implementadas para compensar a sua gagueira.

No dia 06/02/2023 o The New York Times publicou a matéria escrita por Katie Rogers  “Biden’s State of the Union Prep: No acronyms and Tricks to Conquer a Stutter”, que julguei muito instigante quanto ao relato de preparação do Presidente Americano para o discurso que ele fará hoje (07/02/2023) à nação e suas técnicas para amenizar os efeitos da sua gagueira.

Segundo a autora da matéria, Biden é o primeiro presidente moderno com gagueira, problema que ele enfrenta desde a infância e que aumenta em condições de fortes emoções.  

A reportagem traz um tom muito humano sobre um dos homens mais poderosos na arena política mundial para lidar com algo tão perturbador na comunicação para várias pessoas que passam por condição análoga.

Faço antes de continuar no tema um parêntese, para melhor entendimento do leitor no foco quanto a fundamentação sobre ser adaptado. É que atualmente, não uso nas minhas explanações o termo inclusão. Motivo? acho que ele trás no seu cerne o estigma da exclusão e não é propositivo no sentido de resolver os problemas que provocam as barreiras ambientais e pessoais, as limitações para a execução de atividades de vida diária e instrumentais em seu sentido mais amplo, bem as restrições de participação e o aspecto estrutural de uma deficiência quanto a função e estrutura do corpo. Portanto, hoje em dia sugiro reportar a Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde – CIF para se referir a ações para tornar a vida dessas pessoas mais funcionais e adaptativas e evitar o termo inclusão que em nada inclui sem tirar as barreiras e incapacidades que vivem pessoas com algum tipo de deficiência.

Então, voltando ao tema, antes de um discurso, Biden faz vários treinos de leituras do discurso. Ele prática na frente de teleprompters atentado para que a sua fala seja compreensiva e clara, ou seja, funcional para quem ouve. Assim, ele passa semanas trabalhando em cada discurso com seus redatores, lendo repetidamente, na íntegra e em voz alta.

Outra estratégia, é marcar o discurso com linhas e travessões sutis que a muito tempo ele usa como sinal para respirar, fazer uma pausa entre suas palavras ou orientar—se numa transição complicada. Essa manobra de controle respiratório para falhas na fluência é sem dúvida muito eficiente. A respiração é o nosso melhor regulador emocional, via componente fisiológico (um dos fatores foco de intervenção para pacientes com gagueira) e, por isto, no caso de pessoas que sofrem de gagueira se mostra eficiente a harmonização do fluxo da fala expressiva.

Segundo assessores, o Presidente Joe Biden não faz anotações para controlar sua gagueira em todos os discursos, mas o fez em alguns de seus discursos mais importantes e em reuniões com líderes estrangeiros no Salão Oval. Ele comentou com um ex-assessor que uma das coisas mais difíceis para um gago executar é fazer comentários em pé – o que venha a ser o seu trabalho diário.

Outras observações de seus assessores, em relação a sua estratégia compensatória, é a de que parece que Biden está marcando uma peça musical enquanto a prepara. E é isto mesmo, suas marcações se tornam notas de partitura para orientar a sua fluência harmônica em conjunto com o controle respiratório, como se fossem um compasso musical, e a tática é extremamente funcional.

Essa sua estratégia compensatória de apropriação do ritmo da fala por meio de um feedback métrico, visto em poemas e músicas por exemplo, se espraia para a imagética mental. Quando Biden ao saber do menino chamado Brayden Harrington que sofria de gagueira em uma campanha de 2020, ele o chamou para conversar nos bastidores e o recomendou um de seus poetas favoritos, o irlandês William Butler Yeats, para ajudá-lo a visualizar a fala, como um poema. Ele também mostrou ao menino as anotações que usou para o discurso do dia. “Depois de cada duas linhas ou palavras, ele desenhava uma linha reta, um espaço em branco entre as palavras, e isso indicava que ele precisa respirar” disse, Brayden em entrevista.

E a frase mais libertadora dita por Biden a essa criança, quando vemos os problemas pelo prisma da funcionalidade é, “Ah cara, suas imperfeições são seus dons”. Biden costuma referenciar a sua luta contra a gagueira como sendo algo do passado, mas costuma sugerir que seus primeiros anos – nos quais ele foi intimidado por colegas e um professor, até que sua mãe interveio – foram  experiências  formativas para moldar a resiliência e a empatia, a sua marca política, que lhe rendeu a presidência aos 77 anos.

Aprendi muito tendo que lidar com a gagueira” disse Biden em um discurso de 2016 no Amercian Institute for Stuttering. “Isto me deu uma visão sobre a dor de outras pessoas.

Como presidente, Biden frequentemente descreve sua gagueira como parte de um passado doloroso ao qual ele não retornará. Afirma “isto não pode definir você. Não vai definir você. Ponto final”, disse essas frases após visualizar numa campanha alguém segurando uma placa que dizia: “obrigado por gaguejar”!

Fonte: https://www.nytimes.com/2023/02/06/us/politics/biden-state-of-the-union-preparation.html

 

SOLIDÃO, ISOLAMENTO SOCIAL, DOENÇAS E MORTALIDADE

4 dezembro, 2022

Isolamento social e solidão têm sido relacionados a problemas de saúde. Entretanto, é necessária uma compreensão clara de suas implicações para morbidade e mortalidade para avaliar a extensão do desafio de saúde pública associado e o benefício potencial da intervenção.

De qualquer forma, já temos um arcabouço de evidências consistentes que ligam o isolamento social e a solidão a piores resultados cardiovasculares e de saúde mental. Essa condição de saúde incorpora 18 fatores discretos implicados na associação entre solidão, isolamento social e mortalidade. Esses fatores podem ser categorizados em sociais ou individuais e subcategorizados em biológicos, comportamentais e psicológicos.

A tempo, recomenda-se que os formuladores de políticas devem considerar o isolamento social e a solidão como fatores importantes que afetam a morbidade e a mortalidade devido a seus efeitos na saúde cardiovascular e mental.

As estratégias de prevenção devem, portanto, ser desenvolvidas nos setores público e privado, usando uma abordagem baseada em ativos com desenvolvimento de intervenções mais holísticas, visando muitos dos fatores interdependentes que contribuem para resultados ruins para pessoas solitárias e socialmente isoladas.

Decerto, a amizade pode ser um fator importante no bem-estar, enquanto a solidão e o isolamento social – condições distintas, mas relacionadas – podem estar associados a um risco aumentado de condições como depressão e ansiedade ou doenças cardíacas e acidente vascular cerebral – AVE.

Portanto, como incluimos diretrizes e recomendações para a quantidade de sono que temos e o quão fisicamente ativos somos, ter uma quantidade de amigos é relevante para a saúde, algo entre três e seis amigos íntimos pode ser o ponto ideal. Entretanto, sua personalidade e as características de sua vida vão fazer a diferença, nesses números.

Fontes:

Leigh-Hunt N, Bagguley D, Bash K, Turner V, Turnbull S, Valtorta N, Caan W. An overview of systematic reviews on the public health consequences of social isolation and loneliness. Public Health. 2017 Nov;152:157-171. doi: 10.1016/j.puhe.2017.07.035. Epub 2017 Sep 12. PMID: 28915435.

Hodgson S, Watts I, Fraser S, Roderick P, Dambha-Miller H. Loneliness, social isolation, cardiovascular disease and mortality: a synthesis of the literature and conceptual framework. J R Soc Med. 2020 May;113(5):185-192. doi: 10.1177/0141076820918236. PMID: 32407646; PMCID: PMC7366328.

Pearson, Catherine. How Many Friends Do You Really Need? https://www.nytimes.com/2022/05/07/well/live/adult-friendships-number.html

 

DIAGNÓSTICO TARDIO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA EM MULHERES

3 dezembro, 2022

A evidência de que mulheres e homens são diferentes é indiscutivelmente tão antiga quanto a vida humana, mas estudos básicos de pesquisa são realizados exclusivamente em animais machos e as mulheres são amplamente excluídas dos ensaios clínicos. Além do sexo, o gênero é ainda mais negligenciado como determinante da saúde humana (Marra et al., 2018).

Acrescenta-se que, sexo e gênero são termos usados de forma intercambiável, apesar de seus significados diferentes (Marra et al., 2018). Sexo, na pesquisa médica, refere-se a diferenças biológicas e fisiológicas entre mulheres e homens, com cromossomos sexuais (XX vs. XY) e hormônios gonadais contribuindo, principalmente, para essas diferenças no nível celular, órgão e sistemas. Já gênero refere-se a uma combinação de influências ambientais, sociais e culturais sobre os fatores biológicos em mulheres e homens. O gênero está enraizado na biologia e moldado pelo ambiente e pela experiência. Há evidências crescentes para apoiar que tanto o sexo quanto o gênero afetam a etiologia, a apresentação e os resultados do tratamento de muitas doenças (Koch-Gromus & Gromus, 2014; Marra et al., 2018; Nebel et al., 2018).

Por isso, sexo e gênero moldam nosso estado de saúde por meio de interação dinâmica: uma melhor integração de sexo e gênero na pesquisa e na abordagem clínica é obrigatória, pois leva a uma medicina personalizada e à igualdade nos cuidados de saúde (Marra et al., 2018). Logo, para maximizar o desenvolvimento de tratamentos e intervenções atuais e futuros em todo o espectro do autismo, as diferenças de sexo e gênero devem ser melhor compreendidas e medidas.

Em especial, o Transtorno do Espectro Autista - TEA muitas vezes não é reconhecido, especialmente na sua apresentação no nível leve em mulheres sem déficit de linguagem/intelectual.

Uma das hipóteses é que as mulheres camuflam mais os sintomas de TEA do que os homens, contribuindo potencialmente para a diferença na prevalência. Essa camuflagem pode ocorrer na forma de modificar a expressão social externa de alguém, como forçar-se a exibir expressões faciais e contato visual apropriados ou até mesmo representar um personagem ou papel para parecer mais típico ou suprimir comportamentos inapropriados e idiossincráticos. Além disso, a camuflagem foi positivamente correlacionada com a gravidade dos sintomas de humor em homens com TEA e com o funcionamento executivo em mulheres com TEA. Isso sugere que o mesmo fenômeno relacionado ao TEA, camuflado neste caso, pode se manifestar de maneira diferente em homens e mulheres, resultando em um potencial risco diferencial de psicopatologia. Aliás, o fenótipo apresentado por mulheres com TEA pode não refletir necessariamente como elas vivenciam o mundo (Schuck et al., 2019).

Do mesmo modo, em comparação com homens, as mulheres apresentam um atraso significativamente maior no encaminhamento para serviços de saúde mental e uma idade significativamente maior no diagnóstico de TEA. Por exemplo, as mulheres são menos propensas a serem diagnosticadas corretamente e mais propensas a serem diagnosticadas erroneamente na primeira avaliação do que os homens. As mulheres relatam pontuações significativamente mais altas do que os homens no domínio Hiper/Hiporreatividade à entrada sensorial, apenas entre os indivíduos que foram diagnosticados erroneamente (Gesi et al., 2021).

Em resumo, pesquisas crescentes apoiam a especificidade de gênero na apresentação dos sintomas do TEA. Acredita-se que fenótipos diferentes, comorbidades psiquiátricas e nível de "camuflagem" (estratégias comportamentais de enfrentamento para ocultar os sintomas para uso em situações sociais) contribuam ainda mais para a discrepância nas taxas de prevalência e erros de diagnóstico resultantes ou diagnóstico tardio em indivíduos do sexo feminino. Ambos os fatores nosológicos e culturais parecem estar contribuindo para diferenças no diagnóstico de TEA em mulheres. Essas diferenças na apresentação têm implicações importantes para o diagnóstico tardio, o tratamento do TEA e a qualidade de vida das mulheres com autismo (Green et al., 2019).

 FONTES:

Gesi, C., Migliarese, G., Torriero, S., Capellazzi, M., Omboni, A. C., Cerveri, G., & Mencacci, C. (2021). Gender Differences in Misdiagnosis and Delayed Diagnosis among Adults with Autism Spectrum Disorder with No Language or Intellectual Disability. Brain Sciences, 11(7), 912. https://doi.org/10.3390/brainsci11070912

Green, R. M., Travers, A. M., Howe, Y., & McDougle, C. J. (2019). Women and Autism Spectrum Disorder: Diagnosis and Implications for Treatment of  Adolescents and Adults. Current Psychiatry Reports, 21(4), 22. https://doi.org/10.1007/s11920-019-1006-3

Koch-Gromus, U., & Gromus, B. (2014). Gesundheit und Geschlecht. Bundesgesundheitsblatt - Gesundheitsforschung - Gesundheitsschutz, 57(9), 1019–1021. https://doi.org/10.1007/s00103-014-2024-2

Marra, A. M., Biskup, E., & Raparelli, V. (2018). The Internal Medicine and Assessment of Gender Differences in Europe (IMAGINE): The new European Federation of Internal Medicine initiative on sex and gender medicine. European Journal of Internal Medicine, 51, e30–e32. https://doi.org/10.1016/j.ejim.2018.02.003

Nebel, R. A., Aggarwal, N. T., Barnes, L. L., Gallagher, A., Goldstein, J. M., Kantarci, K., Mallampalli, M. P., Mormino, E. C., Scott, L., Yu, W. H., Maki, P. M., & Mielke, M. M. (2018). Understanding the impact of sex and gender in Alzheimer’s disease: A call to action. Alzheimer’s & Dementia, 14(9), 1171–1183. https://doi.org/10.1016/j.jalz.2018.04.008

Schuck, R. K., Flores, R. E., & Fung, L. K. (2019). Brief Report: Sex/Gender Differences in Symptomology and Camouflaging in Adults with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 49(6), 2597–2604. https://doi.org/10.1007/s10803-019-03998-y

 

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL - DI E SUA CONDIÇÃO CLÍNICA

27 novembro, 2022

O termo retardo mental (RM) ainda é usado em muitos contextos, inclusive por alguns médicos, e é encontrado em políticas legais e públicas que determinam a elegibilidade para apoio; no entanto, o uso do termo deficiência intelectual como substituto direto do retardo mental está aumentando. A American Association on Mental Retardation foi renomeada para American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD), enfatizando que a definição de DI é exatamente a mesma que para RM (Shea, 2012). 

A principal razão para a mudança é que o termo retardo mental é percebido como pejorativo; essa mudança semântica não reflete uma ressignificação da condição (Shea, 2012).

O diagnóstico se baseia em três características coexistentes: (1) funcionamento intelectual significativamente abaixo da média acompanhado por (2) déficits ou deficiências nas habilidades adaptativas com (3) início antes dos 18 anos de idade (Shea, 2012).

Por convenção, para todos os níveis de DI, o QI reduzido deve ser acompanhado por déficits nas funções adaptativas, que incluem habilidades conceituais, sociais e práticas. Habilidades conceituais incluem linguagem, alfabetização e aquisição de numeramento, bem como compreensão de tempo e dinheiro. As habilidades sociais incluem julgamento social, habilidades interpessoais e resolução de problemas sociais. Habilidades práticas incluem cuidados pessoais e outras atividades da vida diária, habilidades ocupacionais, capacidade de negociar o mundo com segurança e acesso ao transporte, e assim por diante (Shea, 2012).

A DI é uma condição permanente, caracterizada por comprometimento significativo do desenvolvimento cognitivo e adaptativo devido a anormalidades da estrutura ou função cerebral. Assim, a DI não é uma entidade única, mas sim um sintoma geral de uma disfunção neurológica (Shea, 2012).

Entretanto, os clínicos variam com relação à aplicação do termo DI, dependendo da idade do indivíduo. Alguns preferem usar o termo atraso no desenvolvimento ou atraso no desenvolvimento global para crianças menores de 5 anos e reservam DI para crianças mais velhas. Para alguns, esse uso parece ser uma questão de convenção, enquanto para outros é um reflexo da necessidade de ter confiança na trajetória de desenvolvimento de uma criança antes de aplicar os últimos termos.

Graus da DI são descritos no DSM-IV. Os adjetivos correlatos (leve, moderado, severo, profundo) costumam ser usados para resumir os resultados dos testes, e é útil entender o que eles representam. Dentro do DSM, os intervalos são dados como números de quociente de inteligência (QI), que se baseiam no QI médio da população de 100, e 1 DP equivale a 15 pontos em avaliações comumente usadas. Uma pontuação inferior a 70 pontos, ou seja, mais de 2 DPs abaixo da média, representa DI. A DI leve é definida quando o QI cai 2 a 3 DPs abaixo da média (55 a 70). Na DI moderada, o QI está 3 a 4 DPs abaixo da média (40 a 55); na DI grave, o QI está 4 a 5 DPs abaixo da média (25 a 40); e na DI profunda o QI está mais de 5 SDs abaixo da média (abaixo de 25). (Shea, 2012).

Fonte: Shea, S. E. (2012). Intellectual Disability (Mental Retardation). Pediatrics in Review, 33(3), 110–121. https://doi.org/10.1542/pir.33-3-110

 

AUTISMO E MOTIVAÇÃO SOCIAL

26 novembro, 2022

A motivação social, a nível neurofisiológico, é modulada pelos circuitos cerebrais relacionados ao sistema de recompensa. Em indivíduos com Transtorno do Espetro Autista – TEA há uma ativação atípica desse sistema durante as interações sociais.

Desta forma, o olhar é uma sugestão social que parece ser particularmente gratificante em indivíduos típicos. Especificamente, ver um rosto atraente fazendo contato visual envolve sistemas cerebrais ligados à recompensa. Por exemplo, um adulto típico, considera o olhar direto mais gratificante do que o olhar desviado, e ainda mais para objetos. No entanto, aqueles com TEA podem ser indiferentes.

Isto é, no caso do TEA, esse grupo difere de indivíduos com desenvolvimento típico quanto a motivação para se envolver ou se afiliar a outras pessoas. Essas alterações refletem indiferença ou mesmo respostas negativas de excitação ao olhar direto.

Desta forma, a motivação social pode ser aferida em termos de orientação social, busca visual e manutenção social.

Com efeito, a orientação social é definida como a conduta de dar prioridade de atenção a pistas sociais ou informações sociais. No caso de indivíduos com TEA, eles olham menos para rostos e estímulos sociais do que indivíduos típicos.

Já a manutenção social, é descrita como o desejo dos indivíduos de se envolver com os outros durante um período prolongado. E neste parâmetro, indivíduos com TEA não envolvem em gerenciamento de reputação; não tentam conectar com pessoas, e não ficam lisonjeados com outras pessoas.

Em relação a busca social, é um conceito que normalmente é entendido como gostar de um estímulo (obter prazer hedônico com ele) e desejá-lo (fazer esforço para obtê-lo). Essa motivação, via esforço, é muito reduzida no grupo com TEA.

Em resumo, em estudos de autorrelatos, nos grupos clínicos com TEA, sugerem que eles experimentam menos prazer com contatos sociais e não expressam solidão, apesar de relatarem menor companheirismo e reciprocidade em suas redes de pares. Por tudo isso, indivíduos com TEA demonstram motivação social reduzida.

Logo, uma indiferença mais específica em relação ao olhar direto é relatada. Em contraposição a uma preferência por estímulos não sociais.  Eles não valorizam os estímulos sociais com o olhar direto, porém podem olhar, desde que não exija mais esforço do que uma outra opção.

Consequentemente, o olhar direto no TEA pode ser imotivado mais pela falta de interesse na interação social do que pela aversão dos olhos.

Fonte: Dubey, I., Ropar, D. & de C Hamilton, A.F. Measuring the value of social engagement in adults with and without autism. Molecular Autism 6, 35 (2015). https://doi.org/10.1186/s13229-015-0031-2

 

A OBESIDADE NÃO É UMA FALHA PESSOAL

24 novembro, 2022

A obesidade não é uma falha pessoal, segundo um seleto grupo dos principais pesquisadores do mundo que estudam a obesidade, em reunião recentemente na Royal Society, a academia de ciências de Isaac Newton e Charles Darwin.


Na reunião de encerramento do encontro, algumas conclusões importantes filtradas por Belluz, J (2022):

1)Não há consenso algum sobre qual é a causa da obesidade. 

2)Preguiça, gula e descuido não foram referidos como atores da obesidade. Em total contraste com a visão social predominante da obesidade, que assume que as pessoas têm controle total sobre seu tamanho corporal, eles não culpam os indivíduos por sua condição, da mesma forma que não culpamos as pessoas que sofrem os efeitos da desnutrição, como atrofia.

3)A obesidade é uma condição crônica complexa, existem lacunas para entender por que os humanos, coletivamente, engordaram mais ao longo do último meio século.

4)Enquanto tratarmos a obesidade como uma questão de responsabilidade pessoal, é improvável que sua prevalência diminua.


Várias visões sobre o problema dos carboidratos:

1)Biólogo nutricional: os carboidratos e gorduras em nossa alimentação hoje diluem a proteína de que nosso corpo precisa, levando-nos a ingerir mais calorias para compensar a discrepância.

2)Endocrinologista: os padrões alimentares ricos em carboidratos promovem exclusivamente a gordura ao abordar a dieta com baixo teor de carboidratos.

3)Antropólogo evolucionário: argumentou que muitas sociedades de caçadores-coletores magros comiam muitos carboidratos, com uma afinidade especial pelo mel. 


Outras opiniões sobre os carboidratos: o problema são os alimentos ultraprocessados, e não os carboidratos em si, neste caso: 

4)Fisiologista: as pessoas comem mais calorias e ganham mais peso em dietas ultraprocessadas, em comparação com dietas de alimentos integrais, com a mesma composição de nutrientes. Mas ainda não está claro por que esses alimentos levam as pessoas a comer mais.

5)Bioquímico: O mistério pode ser explicado pelas milhares de substâncias tóxicas que os alimentos ultraprocessados podem carregar na forma de fertilizantes, inseticidas, plásticos e aditivos.

6)Etóloga: escassez de comida, consumo reduzido de calorias, levam passarinhos a ganhar mais peso. Estudos em humanos também encontraram uma associação “robusta” entre insegurança alimentar e obesidade. 


Além desses pontos, acredita-se que a obesidade surja devido a interações gene-ambiente ainda obscuras.


Conclusões: 

1)Existe uma profunda lacuna entre os argumentos dos palestrantes na reunião e as conversas de peso que acontecem em nossa cultura sobre a obesidade. 

2)Nenhum cientista falou sobre qualquer das supostas soluções que enchem os livros de dieta e as prateleiras das lojas, com exceção da discussão sobre carboidratos. 

3)Não houve diálogo sério sobre desintoxicação, aplicativos de dieta ou jejum intermitente. 

4)Ninguém sugeriu que os suplementos pudessem ajudar as pessoas a perder peso ou que o metabolismo precisasse ser estimulado. 

5)O único pesquisador sobre o microbioma intestinal argumentou que os testes em humanos sobre obesidade, até o momento, foram decepcionantes.


Além do mais, existe avanços importantes e eficazes na medicina no tratamento de pacientes com obesidade, como os medicamentos e cirurgias.  Entretanto, esses recursos não foram discutidos como soluções definitivas para a crise de saúde pública.


Logo, a obesidade deve ser tratada como um desafio social, e não pelo viés de escolha individual, que domina. 


Fonte: Belluz, B. Scientists Don’t Agree on What Causes Obesity, but They Know What Doesn’t - https://www.nytimes.com/2022/11/21/opinion/obesity-cause.html

 

DEPRESSÃO E HÁBITO

20 novembro, 2022

O tratamento de uma condição clínica que muda a nossa engenharia comportamental, de forma disfuncional e nos causando sofrimento e prejuízos diários, nos exige uma postura de gigante para a mudança desses padrões que compõem esse modo de funcionamento. Consequentemente, é como trabalhar para mudar a engrenagem de uma máquina. Assim, a força motriz, muitas vezes até ausente, é absurdamente desafiadora e fundamental para a alteração do processo.

E, por isto, gostaria de abordar sobre a depressão junto com o hábito. Por exemplo, para mudar algumas coisas em seu comportamento, é necessário que você faça isso repetidamente. Como disse Aristóteles, “nós somos o que fazemos repetidamente”. Logo, nenhuma modulação comportamental pode se abdicar dessa premissa básica, caso contrário, estará fadada a ser direcionada por padrões disfuncionais da doença (neuroplasticidade negativa).

Junto a isso, o processo de modulação comportamental é lento. De modo que, os passos pequenos são muitas vezes imperceptíveis pelos pacientes e por sua rede de suporte e por este motivo, eles devem ser sinalizados com instrumentos de medidas capazes de capturar essas alterações e permitir um feedback para o paciente e seu ambiente. Esse espectro é importante para mostrar a evolução desses passos pequenos, mas basilares em prol da modificação positiva do comportamento em relação ao quadro clínico. Desta forma, não se iluda em pensar que mudar seus hábitos será uma tarefa rápida e fácil, pois nada é mais difícil do que mudar um hábito. Uma vez que, o sistema operacional do seu cérebro é fiel. Ele o adota de volta aos mesmos padrões de comportamento que você costuma enfatizar, mesmo que geradores de muito sofrimento. Isso é plasticidade negativa, uma rota automatizada, que nesta situação é guiada pelo hábito disfuncional. E para isto, novos hábitos devem ser implementados e treinados com processos cognitivos controlados, até que esses se tornem hábitos autônomos.

O psicólogo William James historiou em 1887, quando escreveu Habit – um breve tratado sobre como nossos padrões de comportamento moldam quem nós somos e, ao que frequentemente, nos referimos como caráter e personalidade. James começa com um relato científico e fisiológico do cérebro e de nossos grupos de padrões de informação arraigados, explorando a noção de neuroplasticidade um século antes de se tornar um termo da neurociência moderna popular e oferecer essa definição elegante (Popova, M. 2012) :

“Plasticidade… no sentido amplo da palavra, significa a posse de uma estrutura fraca o suficiente para produzir uma influência, mas forte o suficiente para não a produzir toda de uma só vez.”

Em seguida, William James faz a ponte entre o corpo e a mente para esclarecer como os “loops de hábitos” dominam nossas vidas (Popova, M. 2012):

“O que é tão claramente verdadeiro do aparato nervoso da vida animal dificilmente pode ser diferente do que é ministrado à atividade automática da mente (...) Qualquer sequência de ação mental que tenha sido repetida, frequentemente, tende a se perpetuar; para que nos sintamos automaticamente motivados a pensar, sentir ou fazer aquilo que estivemos acostumados a pensar, sentir ou fazer sob circunstâncias semelhantes, sem qualquer propósito formado conscientemente ou antecipação de resultados.”

Logo, se você tem uma doença como a depressão, (re)introduzir padrões positivos de tarefas é a mudança comportamental do seu tratamento. Não há outra saída. A transformação e excelência, então, não é um ato, mas um hábito cotidianamente lapidado para uma direção, seja ela em prol de neuroplasticidade neutra, positiva ou negativa. E, na visão clínica, a condução terapêutica é em prol da modulação positiva. Primeiro, pela via medicamentosa, uma vez que os medicamentos, pelo menos em parte, atuam no cérebro para formar novas conexões entre as células. A saber, em função de que uma das hipóteses da depressão, está relacionada ao estresse crônico e, esse leva a perda de conexões - chamadas sinapses - entre as células do hipocampo e outras partes do cérebro, potencialmente levando à depressão. O segundo ponto, é a intervenção comportamental, ou seja, condutas direcionadas as modificações dos hábitos disfuncionais.

Enfim, esse processo pode exigir muitas tentativas e erros pelos pontos dinâmicos abordados no texto, mas é importante lembrar que você tem opções. E, não desista, lembre-se dos pequenos, mas importantes passos!

Fontes:

Smith, Dana G. (2022). Antidepressants Don’t Work the Way Many People Think. https://www.nytimes.com/2022/11/08/well/mind/antidepressants-effects-alternatives.html

Podova, M. (2012) William James on the Psychology of Habit. https://www.themarginalian.org/2012/09/25/william-james-on-habit/ 

 

PSICOEDUCAÇÃO - EDUQUE-SE SOBRE O SEU DIAGNÓSTICO

16 novembro, 2022

A psicoeducação envolve ensinar os pacientes sobre seu diagnóstico, a importância da adesão aos regimes de tratamento e como se comunicar efetivamente com seus médicos.

Além do mais, esse o conhecimento é necessário para fazer escolhas informadas sobre o tratamento e sobre o gerenciamento dos sintomas de sua doença com e sem a intervenção. 

A psicoeducação pode ser ministrada em grupo ou individualmente e faz parte da prática da terapia psicológica, mas não se restringe a essa, sendo de fundamental importância em todos os campos da saúde mental e física. 

Ao longo dos anos, a psicoeducação emergiu como uma ferramenta psicoterapêutica adjuvante eficaz para pacientes e suas famílias com vários tipos de transtornos psiquiátricos. 

Sua eficácia em promover adesão e prevenir recaídas foi bem estabelecida por estudos em esquizofrenia e transtorno bipolar. Estudos também estão sendo realizados em outros transtornos psiquiátricos (transtornos de ansiedade, transtornos de depressão, transtorno por uso de substâncias, transtorno de personalidade e diagnóstico duplo – comorbidade)  para estabelecer firmemente sua eficácia. 

Continua sendo uma modalidade de tratamento simples e econômica, que contribui muito para capacitar os pacientes e seus familiares com o conhecimento de sua doença, o que os ajuda a lidar melhor com a condição e gerenciá-la de maneira mais eficaz.

Fonte: Sarkhel, S., Singh, O., & Arora, M. (2020). Clinical Practice Guidelines for Psychoeducation in Psychiatric Disorders General Principles of Psychoeducation. Indian Journal of Psychiatry, 62(8), 319. https://doi.org/10.4103/psychiatry.IndianJPsychiatry_780_19

 

A ANATOMIA DO ATAQUE DE PÂNICO

13 novembro, 2022

Os ataques de pânicos giram em torno do terror e de uma constelação de sintomas, tanto físicos quanto cognitivos.

O cérebro da pessoa em crise é tomado pelo medo, o seu corpo responde, e pode ser difícil entender tudo isso.

Em termos neurofisiológicos, o do ataque de pânico é irrompido quando o cérebro não é capaz de enviar mensagens entre o córtex pré-frontal, que está associado à lógica e ao raciocínio, e a amígdala, que ativa a urgência da regulação emocional. Durante um ataque de pânico, a amígdala é hiper-reativa, como num quarto pegando fogo na saída de uma tomada, enquanto o córtex pré-frontal é menos responsivo, ou seja, ele não consegue ativar o sistema gerenciamento e inibição de incêndio do prédio, levando o quarto a um incêndio com capacidade para queimar todo o apto ou o prédio.

Ele tem início súbito, acompanhado de um medo intenso, em oposição a uma condição de ansiedade generalizada, que geralmente se manifesta como uma preocupação quase constante.

Os sintomas podem variar de pessoa para pessoa, mas geralmente, seguem os seguintes sintomas:

·         Palpitações cardíacas

·         Dificuldade de respirar

·         Formigamento em membros superiores e inferiores

·         Enjoos

·         Sensação de compreensão no peito e/ou sufocamentos

·         Calor, suor e/ou calafrios

·         Medo agitado e desestabilizador

No auge do ataque de pânico, há pensamentos como:

·         Percepção de estado de loucura, perda do controle cognitivo e das reações fisiológicas

·         Percepção de que estaria tendo um ataque cardíaco

·         Sensação de pré-morte

Importante salientar que, a maioria das pessoas que experimenta um ataque de pânico não apresenta todos esses sintomas acima, mas pode ter muito deles.

Um pequeno grupo de pessoas que sofrem de ataques de pânico, no entanto, apresentam sintomas limitados, nos quais encontram três ou menos dos listados acima.

E, quase tão repentinamente os ataques de pânicos irrompem, eles geralmente se dissipam. Os sintomas aumentam ao longo de dez minutos e, geralmente, desaparecem em meia hora, embora algumas pessoas possam sentir efeitos prolongados.

Por ser uma experiência traumática, esse grupo clínico pode começar a temer sensações que os lembram de seus sintomas. Consequentemente, começam a evitar qualquer coisa que os lembrem do episódico, por exemplo, os locais em que os eventos se desencadearam, estourando outro transtorno conhecido como agorafobia.

O desencadeamento do ataque de pânico se relaciona a um conjunto diversificado de estressores – como eventos traumáticos; preocupações financeiras; tarefas do cotidiano, como falar em público; ou até mesmo não ter nenhum gatilho discernível.

Dicas para autocuidado durante um ataque de pânico:

·         Feche os olhos e converse com você mesmo, lembrando do seguinte ponto: você já passou pela experiência antes, embora muito assustadora, o pânico em si não é perigoso.

·         Ligue para alguém de sua confiança: falar com alguém sobre o que você está experimentando e nomear as sensações dissipadas pelo seu corpo colabora para amenizar e estabilizar os sintomas no momento.

·         Exercício de aterramento: conte e nomeie as cores ao seu redor. Diga cada uma em voz alta, ou apenas anote-as em sua mente. Esse recurso, e um descolamento perceptivo e atencional para pontos neutros e não ameaçadores que seu corpo está ativando em si.

·         Regulação da atenção para o presente, pela via sensorial tátil: coloque um pano úmido e frio sobre o pulso. Isto ajuda também a aliviar o calor desconfortável e a transpiração que algumas pessoas sentem durante os seus ataques de pânico.

·         Regulação da respiração: sair do padrão de hiperventilação, comum num ataque, para um padrão de respiração diafragmática, ou seja, respirar como um bebê, concentrando-se em expandir o abdômen. Isso pode retardar e aprofundar a respiração, inundando o cérebro com oxigênio e acionado o sistema nervoso parassimpático, que ajuda a sinalizar que não precisamos lutar e reduz os níveis de angústia.

Entretanto, essas dicas são temporárias. E, no caso de um transtorno, são necessárias condutas clínicas para intervenção, via medicamento e psicoterapia, para que num ambiente controlado possa ser modulado os medos e as sensações experimentadas durante um ataque de pânico.

Por exemplo, o EMDR - Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares) é uma técnica toda atrelada a regulação da neurobiologia do medo, incluindo os parâmetros de nível cognitivo, quanto as crenças disfuncionais e as memórias traumáticas associadas aos sintomas. Assim como, a Terapia Cognitiva Comportamental -TCC.

Lembre-se por mais desconcertante que um ataque de pânico possa ser, é importante lembrar que eles são altamente tratáveis e que, tão repentinamente quanto podem surgir, eles começam a desaparecer.

Fonte: Blum, Dani. The anatomy of a panic attack. https://www.nytimes.com/interactive/2022/11/10/well/mind/panic-attack-symptoms-causes.html

 

CONVERSAR É EVOLUÇÃO, E NÃO O CONTRÁRIO

2 novembro, 2022

“Nossos cérebros evoluíram para serem sociais: precisamos de interação e conversas frequentes para manter a sanidade” (Suzanne Dikker, neurocientista cognitiva e linguista da Universidade de Nova York).

“A conversa é nossa maior ferramenta para alinhar mentes. Não pensamos no vácuo, mas com outras pessoas.” (Thalia Wheatley, neurocientista social do Dartmouth College).

Em momentos de fortes divisões de opiniões, como as que estamos vivendo na área política atual, relativas a temas sociais importantes, é possível o alinhamento de crenças por meio do diálogo?

A resposta é sim. No entanto, desde que o grupo de discussões esteja livre de fanfarrões, desses que só desejam lacrar (palavra cafona da moda nas redes sociais).

As discussões em grupo para resolver problemas comuns é um dos empreendimentos mais importantes nas sociedades humanas, mas chegar a um consenso, como sabemos, pode ser muito aflitivo.

Apesar das pessoas perceberem fatos de maneiras diferentes e terem relatos também diferentes sobre um acontecimento, é possível chegar a um consenso e termos modulações cognitivas, após uma discussão pujante.

Uma conversa robusta que resulta de um consenso, sincroniza os cérebros dos falantes não apenas quando se pensa no tópico que foi explicitamente discutido, mas em situações relacionadas que não foram alvo da conversa, posteriormente.

Entretanto, a BARREIRA para este padrão de saúde cognitiva, por meio de uma discussão em prol do acordo, é ter um membro do grupo cujas opiniões estridentes afetam a todos os outros.

Em contrapartida, após uma discussão alentada, temos maior alinhamento sobre um fato ao ser reanalisado pelos canais auditivos e visuais e, pelos domínios atencionais, mnemônicos, linguísticos e outros, e com sincronia de ativação cerebral do grupo participante da conversa e mesmo para novos pontos que são vistos individualmente. Logo, só atingimos uma dimensão ampliada sobre um tema, após uma conversa sem empecilhos individuais (crenças enrijecidas) de todos os presentes no grupo em prol do diálogo e com condutas de mediação.

Pontos importantes:

·         Pessoas que compartilham crenças tendem a compartilhar ativações cerebrais semelhantes. Por exemplo, indivíduos que vêm uma imagem de notícias, a atividade cerebral daqueles com concepções conservadoras se pareciam mais com a de outros conservadores e vice-versa, conforme estudos.

·         Traços de personalidade e dinâmicas de conversação, como reversar, podem afetar a dinâmica de um bate-papo, para ativar ou inibir a sincronia promovida pela comunicação.

Desta forma, o grau de similaridade nas respostas cerebrais depende não apenas das predisposições inerentes das pessoas, mas também do terreno comum criado por uma conversa.

Agora, o comportamento de um indivíduo pode influenciar drasticamente uma decisão de grupo. Por exemplo, num viés da divergência com condutas persuasivas de fanfarronice, dando ordens e executando conversas pontuais, não com o grupo, mas isoladamente com outros indivíduos para desagregar. Em compensação, num viés de mediação, a presença de condutas para leitura do contexto pelos participantes da discussão e tentativas de encontro de um terreno comum facilitam o diálogo.

Portanto, só existe alinhamento no processamento cognitivo em temas divergentes, mas em prol do consenso, via diálogo, se entrarmos numa discussão dispostos a mudar de ideia e não rígidos em nossas crenças, a tal ponto de agirmos apenas com imposições de visões individuais.

Fonte: Hughes, Virginia. How to Change Minds? A Study Makes the Case for Talking It Out. The New York Times. https://www.nytimes.com/2022/09/16/science/group-consensus-persuasion-brain-alignment.html

 

O FRACASSO DE UMA CRIANÇA EM APRENDER

29 outubro, 2022

Inúmeros fatores podem contribuir para o fracasso de uma criança em aprender. 

Consequentemente, as razões para o fracasso escolar de uma criança não devem ser consideradas isoladamente, mas sim no contexto das circunstâncias sociais e ambientais. 

Assim, é possível categorizar 3 causas mais expressivas do fracasso escolar de crianças:

  • 1  Características intrínsecas da criança: que são os transtornos do neurodesenvolvimento, como o Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem – TDL, Distúrbios Específicos de Aprendizagem - DEA, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, Deficiência Intelectual - DI, Deficiência Sensorial, e as doenças crônicas, etc.
  • 2.  Características do ambiente da criança: disfunções familiares, problemas sociais e escolarização ineficaz. 
  • 3.   Consequências da interação entre a criança e seu ambiente: disfunção temperamental, falhas de atenção e transtornos emocionais 

Por conseguinte, a avaliação neuropsicológica deve considerar a miríade dessas razões para insucesso escolar de uma criança e ser um exame de captura dessas causas por meio de dados quantitativos e qualitativos devidamente tratados e analisados.

E só diante desse rastreio, é possível:

  • a)    executar a intervenção com as condições clínicas subjacentes especificadas e dimensionadas,
  • b)    implementar aconselhamentos adequados,
  • c)     promover a comunicação com os serviços e recursos médicos, educacionais e familiar necessários para a crianças,
  • d)    coordenar os procedimentos de seguimento do tratamento, e
  • e)    realizar os encaminhamentos adicionais. 

 

Fonte: Dworkin PH. School failure. Pediatr Rev. 1989 Apr;10(10):301-12. doi: 10.1542/pir.10-10-301. PMID: 2704665.

 

O SENTIDO DA VIDA PARA PACIENTES COM DEPRESSÃO

29 julho, 2022

Com o desenvolvimento contínuo da sociedade moderna, tem potencializado as experiências das pessoas com vidas tensas e ocupadas e enfrentando todos os tipos de pressões diárias. Quando os indivíduos têm dificuldade em se ajustar às pressões da vida, eles são propensos à depressão.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde - OMS, no ano de 2017 cerca de 5,8% da população brasileira sofria de depressão – um total de 11,5 milhões de casos. Sendo o maior índice na América Latina. Já em pesquisa Vigitel de 2021, esse percentual subiu para 11,3%. Tendo a maior frequência entre as mulheres (14,7%) em comparação com os homens (7,3%).

Entretanto, apesar da existência de tratamentos efetivos para a depressão, menos da metade das pessoas afetadas no mundo – e, em alguns países, menos de 10% dos casos – recebem ajuda clínica. As barreiras incluem falta de recursos, falta de profissionais capacitados e o estigma social associado aos transtornos mentais, além de falhas no diagnóstico.

Uma das facetas emocionais desses pacientes, é que muitas vezes eles sentem que suas vidas não têm sentido e valor, às vezes acompanhadas de pensamentos e tentativas de suicídio. Em contraposição, uma vida significativa é uma variável importante para a prevenção e cuidado do suicídio. Portanto, os recursos de prevenção ao suicídio devem incluir componentes relacionados ao sentido da vida.

Desta forma, os profissionais de saúde podem intervir para que os pacientes com depressão explorem seu significado de vida, enquanto esses suportam e transformam a dor emocional que acompanha a depressão. Portanto, diminuindo suas ideações suicidas.

Um dos recursos é a Terapia do Significado, criada por Victor Frankl (1946). Nessa modalidade terapêutica, Vitor Frankl apresentou três fontes únicas onde as pessoas desvendam e descobrem os significados da vida.

1)      O valor da criatividade (o sentido do trabalho): neste caso, os indivíduos são incentivados a investir em um novo objetivo de vida. Quando os indivíduos se dedicam ao trabalho ou, à criação, experimentam o sentido da vida e sentem o valor da autoexistência.

2)      2) O valor da experiência (o significado do amor): nesta etapa, os indivíduos são incentivados a experimentar a dimensão deste afeto consigo mesmo, família, amizade, comunidade, na sua concepção religiosa, e para toda a humanidade em todo o mundo, bem como, com o próprio planeta Terra.

3)      3) O valor das atitudes (o significado do sofrimento): aqui, visa ampliar a percepção de que os seres humanos estão fadados a sofrer dores inevitáveis ​​em suas vidas. No entanto, como afirma V. Frankl que, na dor, os indivíduos podem manter a liberdade de escolher como enfrentá-la, mudar suas atitudes em relação ao sofrimento, tratar o sofrimento como uma experiência vivida e compreender o significado do sofrimento como fundido com a própria vida. Se os indivíduos acreditam que o sofrimento tem significado, eles podem optar por suportá-lo e trabalhá-lo.

Fonte: Zeng YY, Long A, Chiang CY, Chiu NM, Sun FK. Exploring the meaning of life from the perspective of patients with depression: A phenomenological study. Arch Psychiatr Nurs. 2021 Oct;35(5):427-433. doi: 10.1016/j.apnu.2021.06.004. Epub 2021 Jun 22. PMID: 34561055.

 

É FUNDAMENTAL A AVALIAÇÃO E A GESTÃO DOS SINTOMAS COMPORTAMENTAIS E PSICOLÓGICOS NA DEMÊNCIA

1 maio, 2022

Segundo a Dra. Lauren, professora de psiquiatria da Universidade de Michigan, o objetivo da avaliação é tentar evitar a prescrição de medicamentos sem um cálculo das causas subjacentes.

Ela argumenta que conhecer as causas subjacentes dos sintomas comportamentais e psicológicos da demência, realmente ajudará a direcionar adequadamente o tratamento. Uma vez que a gestão de quadros de infecções e psicose, ou problemas com cuidadores e com o meio ambiente devem ser abordados de maneira muito diferente neste grupo clínico. E sem conhecer as causas, como tratar?

No entanto, discorre ela, “na prática clínica do mundo real, as pessoas com demência geralmente recebem medicamentos psicotrópicos, como antipsicóticos, apesar da evidência de um efeito de evolução modesto. Embora os antipsicóticos tenham as melhores evidências para o tratamento dos sintomas comportamentais e psicológicos na demência, eles estão associados a um risco significativo, incluindo aumento da mortalidade, quedas, confusão, sedação e efeitos colaterais motores”.

E no mais, a avaliação permite a individualização da gestão clínica da condição de saúde. Por exemplo, recentemente a Clarivate publicou o relatório sobre o impacto de condutas orientadas para o paciente a partir de tratamentos de dados que visam realmente fornecer tomadas de decisões clínicas individualizadas.

Na atualidade, as condutas clínicas passam pela tipificação individualizada das disfunções cognitivas e deficiências do corpo, das limitações na execução de atividades e restrições de participação, e das barreias individuais e ambientais para a condução adequada da intervenção. Esses dados permitem a gestão abrangente da intervenção e a redução de efeitos clínicos adversos.

Fonte: Lauren Gerlach, MD, professora assistente de psiquiatria na Divisão de Psiquiatria Geriátrica da Universidade de Michigan para o Psychopharmacology Institute.

 

A REALIDADE VIRTUAL (RV) COMO IMPULSIONADORA DA NEURORREABILITAÇÃO ROBÓTICA

1 maio, 2022

A robótica é uma importante tecnologia que trouxe avanços no campo da neurorreabilitação assistida por robô (Tieri et al., 2018).

O objetivo do uso dessa tecnologia é proporcionar um treino intensivo, repetitivo e orientado para tarefas, principalmente para membros superiores ou inferiores, o que representa um aspecto importante para a neurorreabilitação quanto ao controle das variáveis intensidade e frequência da dosagem terapêutica efetiva clinicamente. Além do feedback necessário para a execução correta da tarefa em lesões e/ou disfunções que afetam a memória operacional (esboço visuoespacial) e impedem o sequenciamento correto do movimento, por exemplo (Tieri et al., 2018).

Atualmente, existem muitos dispositivos-robôs que têm sido utilizados na neurorreabilitação.  A título de exemplo, as tecnologias robóticas que foram combinadas com ambientes virtuais para reabilitação da marcha e os seus efeitos potencializados com a combinação de técnicas tradicionais da fisioterapia, RV e robôs (Tieri et al., 2018):

a.   Os efeitos em pacientes com Acidente Vascular Encefálico – AVE com o sistema de reabilitação de tornozelo Rutgers, por meio de robô + RV: os pacientes submetidos apresentaram melhor evolução na capacidade de caminhar (ou seja, velocidade e distância percorrida). Ainda, efeitos positivos da RV na marcha também foram obtidos por meio do treinamento de marcha assistida por robô, onde foi utilizada a versão moderna Lokomat (Lokomat-Pro, (Hocoma Inc., Volketswil, Suíça), ou seja, um dispositivo robótico composto por (i) uma órtese motorizada capaz de guiar os movimentos do joelho e tornozelo, enquanto o paciente caminha em uma esteira, combinada com (ii) uma tela para exibição de um ambiente virtual não imersivo capaz de fornecer feedback interativo e direto ao paciente durante a caminhada (Tieri et al., 2018).

b.  Os efeitos em pacientes com esclerose múltipla com deficiência de locomoção: Os pacientes submetidos ao treinamento de marcha assistida por robô tiveram bons resultados funcionais, mas aqueles que realizam RV tiveram melhores resultados, incluindo evolução do equilíbrio (Tieri et al., 2018).

c.   Os efeitos em pacientes com hemiparesia crônica: Evidências mostraram que a RV induziu uma evolução na marcha e no equilíbrio e, mais importante, os resultados do Eletroencefalografia-EEG mostraram que o uso da RV sugeriu melhorar o desempenho motor ativando áreas fronto-parieto-occipitais do cérebro envolvidas no planejamento motor e aprendizado (Tieri et al., 2018).

Assim, essas evidências sugerem que o uso de feedback 2D VR desempenha um papel fundamental na dinamização do tratamento. Além de permitir o recrutamento da abordagem top-down e aumentar a participação ativa do paciente que é um facilitador do resultado positivo da neurorreabilitação. Finalmente, outra aplicação promissora que merece ser mencionada vem da pesquisa robótica desenvolvida pelo Laboratório PERCRO de Pisa que implementou e investigou a combinação de um protótipo de exoesqueleto com VR para reabilitação de membros superiores (para mais informações, ver referencias abaixo).

Fonte do texto: Tieri, G., Morone, G., Paolucci, S., & Iosa, M. (2018). Virtual reality in cognitive and motor rehabilitation: facts, fiction and fallacies. Expert Review of Medical Devices, 15(2), 107–117. https://doi.org/10.1080/17434440.2018.1425613

Fonte dos estudos sobre o tema no Laboratório PERCRO de Pisa

Frisoli A, Borelli L, Montagner A, et al. Arm rehabilitation with a robotic exoskeleleton in virtual reality. 2007 IEEE 10th Int. Conf. Rehabil. Robot. ICORR’07; 2007. p. 631–642. 

Frisoli A, Salsedo F, Bergamasco M, et al. A force-feedback exoskeleton for upper-limb rehabilitation in virtual reality. Applied Bionics Biomech. 2009;6:115–126

 

O QUE A VIDA NOS EXIGE É A ADAPTAÇÃO ATIVA E POSITIVA

13 fevereiro, 2022

Uma das características do ser humano é a sua capacidade de fazer projeções de atitudes que venham a tomar. No entanto, a aprendizagem da vida se dá por comportamentos vividos e experimentados e não apenas idealizados. Uma boa metáfora sobre essa aprendizagem é a frase do Hegel: “a coruja de Minerva só levanta voo ao entardecer.”

Não há dúvida, que a inteligência humana colabora com a dura tarefa de viver. Quando se levanta hipóteses possíveis para um comportamento a ser praticado, nos é permitido com isso fazer escolhas que consideramos, logicamente, mais acertadas naquele momento. Evidente, que essa capacidade de projeção se torna restrita, a medida que ela não leva em conta as diversas variáveis da experiência humana, quando em contato com o ambiente em que será praticada. Porém, é neste momento que se apresenta uma outra qualidade do indivíduo capaz de se adaptar: a flexibilidade. Quando ele percebe que a escolha feita por ele, não foi a melhor, quase que instantaneamente ao ato praticado, faz ajustes necessários para uma melhor satisfação dos seus anseios. Logo, mesmo que de maneira precária, a projeção é uma aliada no aprendizado do viver, quando aliada a experiência.

No entanto, para aprender a viver, não existe melhor maneira do que se lançar na vida. É mergulhar e seguir o seu curso. Por mais que especulamos sobre a vida, nunca que a especulação nos permitirá saber, quando o rio da vida passará por um terreno acidentado ou por um precipício e, neste caso, a queda é inevitável, mas o seu curso, para muitos, costuma ser longo, passando por planícies, vales, se encontrando com outros rios até chegar ao oceano, destino de todos os rios. Só que é com a experiência adquirida neste percurso, é que se aprende a viver.

Portanto, a vida não é para ser pensada. O pensamento mata a vida. Ela deve ser saboreada, como se saboreia uma comida, nem sempre ela agradará ao nosso paladar. Mas, paciência, aprender a viver é aprender que a vida tem diversos sabores, a maior parte dela é mesmo azeda e amarga. É possível sonhar que ela possa ser doce, mas é um desejo, muitas vezes abortado pelas circunstâncias da existência. Viver dá trabalho, nos desgasta e nos faz sofrer, mas vale muito a experiência, "apesar de..." como escreveu Clarice Lispector.

 

HIPERFOCO NO DOMÍNIO ATENCIONAL

22 dezembro, 2021

O hiperfoco é um fenômeno que reflete a completa absorção de uma pessoa numa tarefa, a tal ponto que a pessoa parece ignorar completamente ou 'desligar' todo o resto. Sendo que na literatura psiquiátrica o termo frequentemente utilizado é o hiperfoco e na literatura relacionada ao campo da psicologia positiva o termo é fluxo, apesar da fenomenologia ser quase idêntica. Logo, a literatura de fluxo pode ser usada como uma estrutura para entender o hiperfoco.

Geralmente, o hiperfoco ocorre quando uma pessoa está engajada numa atividade particularmente divertida ou interessante. Um exemplo de hiperconcentração, é quando uma criança fica envolvida em um videogame a ponto de não ouvir os pais chamando pelo seu nome. 

Embora, a maioria das pessoas neurotípicas relatem ter experimentado um estado semelhante ao hiperfoco, em algum momento de sua vida, ele é mais frequentemente mencionado em quadros clínicos de autismo, esquizofrenia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - condições que têm consequências nas habilidades de atenção.

Assim, em termos técnicos, a hiperfocalização se caracterizada por concentração intensa em atividades interessantes e não rotineiras acompanhada por percepção temporariamente diminuída do ambiente.

Por certo, há quatro características gerais ou critérios de hiperfoco que são relatados de forma consistente:

I.   O hiperfoco é caracterizado por um intenso estado de concentração/foco.

II. Quando as pessoas estão envolvidas tarefas de hiperfoco, estímulos externos não relacionados não parecem ser percebidos conscientemente; às vezes relatado como uma percepção diminuída do ambiente.

III.  Para se engajar no hiperfoco, a tarefa deve ser divertida ou interessante.

IV.  Durante um estado de hiperfoco, o desempenho da tarefa melhora.

Por sua vez, as condições para entrar no hiperfoco incluem:

·  desafios percebidos, ou oportunidades de ação, que aumentam, mas não superam as habilidades existentes;

·  objetivos proximais claros e feedback imediato sobre o progresso que está sendo feito.

Nessas condições, a experiência se desdobra perfeitamente de momento a momento e a pessoa entra num estado subjetivo com as seguintes características:

·  concentração intensa e focada no momento presente;

·  fusão de ação e consciência;

·  perda de autoconsciência reflexiva (isto é, perda de consciência de si mesmo como ator social);

· uma sensação de que se pode controlar as próprias ações; isto é, a sensação de que podemos, em princípio, lidar com a situação porque sabemos como responder a tudo o que acontece a seguir;

·  distorção da experiência temporal (normalmente uma sensação de que o tempo passou mais rápido do que o normal);

·  a experiência da atividade como intrinsecamente gratificante, de forma que muitas vezes o objetivo final é apenas uma desculpa para o processo.

 

Portanto, o fluxo indica ser mais alto quando há igualdade entre a dificuldade e a habilidade percebida da tarefa pelos executores (denominado compatibilidade habilidades-demanda). Neste caso, um exemplo numa tarefa de baixa importância e capaz de levar ao fluxo é o videogame pac-man para alguns indivíduos. Desta maneira, o fluxo alto se manifesta em tarefas fáceis e com compatibilidade de demanda de habilidades, em comparação de quando a tarefa é difícil. Já no quesito motivação para realização de uma tarefa, é comum que as pessoas motivadas por sua 'esperança de sucesso', em comparação às com 'medo do fracasso’, as primeiras tendem a potencializar o fluxo durante a tarefa.

 

Assim, o aumento da importância percebida da tarefa tem potencial de aumentar a motivação do sujeito para se engajar nela e, subsequentemente, moderar as condições sob as quais o fluxo foi alcançado.

 

Em termos de fluxo, a “experiência da atividade como intrinsecamente gratificante”, pode ser um dos critérios para entrar em um estado de fluxo, ao invés de um efeito desses estados. Isso sugere que envolver o hiperfoco requer o envolvimento de tarefas, o que seria simplesmente mais comum durante tarefas divertidas ou interessantes.

 

Em relação ao desempenho, o fluxo produz uma execução inerentemente alta. Por exemplo, na execução de uma tarefa em três condições experimentais distintas: tédio, ajuste e sobrecarga, foi visto que na condição de ajuste, observou-se um estado de fluxo, enquanto na condição de sobrecarga e tédio não. Por exemplo:

a) Na condição de tédio, foram feitas perguntas muito fáceis ao longo dos blocos.

b) Na condição de ajuste (ou adaptativo), as dificuldades das questões foram adaptadas com base no desempenho (quando se acertava uma questão, a próxima era mais difícil; quando errava, a próxima era mais fácil).

c) E na condição de sobrecarga, a dificuldade das questões foram consistentemente muito difíceis para os sujeitos ao longo dos blocos.

 

E o mais interessante, visto neste experimento, é que foi apurado um aumento do estresse na condição de sobrecarga, já que os indivíduos estavam lutando para ter sucesso, mas também na condição de ajuste, com os mesmos valores da condição de sobrecarga. Desta maneira, as experiências de fluxo podem ser consideradas como envolvendo tensão excessiva e carga mental de uma perspectiva fisiológica.

 

Resumindo, a definição operacional para quatro características distintas e testáveis ​​do hiperfoco são:

(1) o hiperfoco é induzido pelo engajamento da tarefa;

(2) o hiperfoco é caracterizado por um estado intenso de atenção sustentada ou seletiva;

(3) durante um estado de hiperfoco, há uma percepção diminuída de estímulos não relevantes para a tarefa; e

(4) durante um estado de hiperfoco, o desempenho da tarefa melhora.

 

Fonte: Ashinoff, B. K., & Abu-Akel, A. (2021). Hyperfocus: the forgotten frontier of attention. Psychological research, 85(1), 1–19. https://doi.org/10.1007/s00426-019-01245-8

 

A SUA CRIANÇA PASSA POR MUDANÇAS EXTREMAS DE HUMOR E COMPORTAMENTO?

5 dezembro, 2021
Algumas crianças e adolescentes com esses sintomas podem ter transtorno bipolar, um transtorno cerebral que causa mudanças incomuns no humor, energia, níveis de atividade e funcionamento diário. Com o tratamento, crianças e adolescentes com transtorno bipolar podem melhorar com o tempo.

Os episódios de humor no transtorno bipolar incluem emoções intensas, juntamente com mudanças significativas nos hábitos de sono, níveis de atividade, pensamentos ou comportamentos. Uma pessoa com transtorno bipolar pode ter episódios maníacos, episódios depressivos ou episódios “mistos”. Quer isto dizer que, um episódio misto apresenta sintomas maníacos e depressivos. Esses episódios de humor causam sintomas que geralmente duram vários dias ou semanas. Por conseguinte, durante um episódio, os sintomas duram todos os dias no decorrer da maior parte do tempo.

A saber, essas mudanças de humor e de atividade são muito diferentes do comportamento normal da criança e do comportamento de crianças e adolescentes saudáveis.

Em síntese, crianças e adolescentes tendo um episódio maníaco podem:

✔Mostrar intensa felicidade ou tolice por longos períodos de tempo.
✔Ter um temperamento do tipo pavio curto ou parecer extremamente irritado(a).
✔Falar rápido sobre muitas coisas diferentes.
✔Ter dificuldade para dormir, mas não se sentir cansado(a).
✔Ter dificuldade em manter o foco e indicar pensamentos acelerados.
✔Parecer excessivamente interessado(a) ou envolvido(a) em atividades prazerosas, mas arriscadas.
✔Fazer coisas arriscadas ou imprudentes que demonstram falta de discernimento.

De outro modo, crianças e adolescentes tendo um episódio depressivo podem:

✔Sentir tristeza frequente e não provocada.
✔Mostrar maior irritabilidade, raiva ou hostilidade.
✔Reclamar muito de dores, como dores de estômago e de cabeça.
✔Ter um aumento perceptível na quantidade de sono.
✔Ter dificuldade de concentração.
✔Sentir-se sem esperança e sem valor.
✔Ter dificuldade em se comunicar ou manter relacionamentos.
✔Comer muito ou pouco.
✔Ter pouca energia e nenhum interesse nas atividades de que costumam gostar.
✔Pensamento de morte ou pensamentos suicidas.

Com o tratamento, crianças e adolescentes com transtorno bipolar podem melhorar com o tempo. 

FONTE DE TEXTO ORIGINAL NESTE LINK
 

O CÉREBRO E A DOR

5 dezembro, 2021

Por Juno DeMelo

(texto adaptado)

Pelo New York Times


A discussão sobre os fatores emocionais no desencadeamento da dor crônica não é nova. Recentemente, o jornal New York Times discutiu o assunto, por meio da reportagem de Juno DeMelo. Ele conta a sua história na busca de um tratamento para uma dor crônica em dois momentos e entrelaça essa experiência com as discussões no universo científico sobre o tema.  

Ele inicia a discussão com o livro Free Yourself From Back Pain, um best-seller de 1991, que afirma que, para distrair um sofredor de ansiedade reprimida, raiva ou sentimentos de inferioridade, o cérebro cria dores no pescoço, ombros, costas e nádegas, diminuindo assim o fluxo sanguíneo para os músculos e nervos. O autor do livro, John Sarno, era um médico em reabilitação da Universidade de Nova York.

De acordo com Sarno, quase todas as dores crônicas são causadas por emoções reprimidas. E ao fazer psicoterapia ou escrever sobre essas dores, as pessoas seriam curadas sem medicação, cirurgia ou exercícios especiais.

Consequentemente, pela lógica metódica da teoria de Sarno, a dor emocional causa dor física. E, embora, a dor não se originasse de um andar peculiar ou de uma posição inadequada ao dormir, ela seria real. Entretanto, ninguém na comunidade médica pareceu concordar com Sarno, já que ele não tinha estudos para demonstrar os efeitos clínicos de seu programa. Contudo, não podiam também negar que funcionava para alguns de seus pacientes ou conhecedores de seu livro. Esses, depois de exorcizar num diário os seus sentimentos negativos, por um tempo, apareciam curados.

A DOR GERALMENTE COMEÇA NO CÉREBRO

"A ideia de que uma proporção substancial de pessoas pode ser ajudada repensando as causas de sua dor é agora prevalente", segundo Tor Wager, professor de neurociência no Dartmouth College e diretor de seu Laboratório de Neurociência Cognitiva e Afetiva. "Entretanto, isso é diferente da ideia de que seu relacionamento não resolvido com sua mãe se manifesta como dor." Desta forma, a maioria dos cientistas agora acreditam que a dor nem sempre é algo que começa no corpo e, seja percebida pelo cérebro. Assim, pode não ser uma doença em si, ou seja, de origem biológica.

Uma vez que, cerca de 85% das dores nas costas e 78% das dores de cabeça não têm um gatilho identificável, embora a maioria dos cientistas não afirmem que toda a dor crônica seja puramente psicológica. Já que existem também razões sociais e biológicas para a dor. Logo, para a maioria das pessoas, a dor é uma confluência dos três, conforme argumenta Daniel Clauw, professor de anestesiologia, medicina e psiquiatria da Universidade de Michigan e diretor de Centro para Dor Crônica e Pesquisa de Fadiga. Ademais, para Clauw, há muitas pessoas para as quais o método de Sarno não iria funcionar.

Atualmente, uma abordagem semelhante ao método de Sarno é a teoria da consciência e da expressão emocional, na qual os pacientes identificam e expressam as emoções que têm evitado. Essa teria não apenas demonstrou reduzir significativamente a dor em pessoas com fibromialgia e dor musculoesquelética crônica , como também é considerada pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA como uma das melhores práticas para o tratamento da dor crônica (junto com massagem e terapia cognitivo-comportamental )

A DOR PODE TER VIDA PRÓPRIA

Contudo, como o cérebro causa dor crônica em primeiro lugar? A teoria de Sarno de que nosso cérebro usa a dor para nos distrair das emoções negativas, cortando o fluxo sanguíneo para os músculos, não é apoiada pela ciência, de acordo com Wager. Em vez do fluxo sanguíneo, os cientistas agora olham para o sistema nervoso para entender a dor crônica que não é causada por danos nos nervos ou tecidos. Basicamente, nesses casos, os circuitos cerebrais funcionam mal, prolongando, amplificando e até criando a dor.

SEIS DICAS PARA TRATAR A DOR CRÔNICA


1. Compreenda: para quem a experimenta cronicamente, a dor é sua própria doença, não apenas um sintoma. Os estudos indicam que pode ser causada pelo desequilíbrio das células nervosas especializadas.

2. O exercício físico ajuda: se você tem dor crônica, pode continuar se exercitando. E, em muitos casos, pode ajudar a  reduzir a sensação de desconforto e aumentar o limiar de dor.

3. Controle a dor desde a fonte: embora a dor crônica seja uma doença, você tem muito poder sobre ela e pode voltar para sua mente para começar a encontrar alívio. O que pode lhe ajudar? Mantenha um diário para expressar seus sentimentos.

4. Reformule seus pensamentos: os especialistas estão descobrindo que os psicólogos da dor podem ajudá-lo a mudar a maneira como o cérebro processa a dor .

5. Use uma linguagem descritiva útil: usar metáforas ou outras linguagens para falar sobre sua dor pode realmente mudar o quanto você sente . Por exemplo, falar abertamente do desconforto que sua dor lhe provoca pode ser mais benéfico do que usar palavras substitutas.

6. Encontre uma equipe: em um mundo ideal, os médicos saberiam como tratar doenças crônicas como a dor. No mundo real, você pode ter que procurar ativamente a equipe de atendimento para você.


Na prática, Wager diz que não entendemos totalmente os mecanismos disso, mas "sabemos que os estressores podem promover inflamação na medula espinhal e no cérebro, que estão ligados ao aumento das sensações de dor." As adversidades iniciais, como abuso infantil, dificuldades financeiras, violência e negligência, também foram associadas à dor crônica.

Além do mais, para complicar ainda mais as coisas: a dor pode gerar mais dor. Por exemplo, uma lesão pode aumentar o volume de sua resposta à dor a lesões futuras. O estresse pode fazer com que a dor se prolongue por muito tempo após a cicatrização da lesão. E se suas costas doem e você começa a imaginar todas as maneiras como isso poderia piorar, esse medo pode aumentar sua dor, o que pode levá-lo a evitar atividades físicas, tornando a dor ainda pior. Os especialistas chamam isso de ciclo da dor.

Nesse caso, a ideia de Sarno de que o cérebro provoca dor estava parcialmente correta. A pesquisa mostra que a catastrofização pode transformar a dor aguda em dor crônica e aumentar a atividade em áreas do cérebro relacionadas à antecipação e atenção à dor. Essa é uma das razões pelas quais os médicos estão começando a tratar os distúrbios dolorosos de maneira semelhante, por exemplo, aos distúrbios de ansiedade, incentivando os pacientes a se exercitarem para que possam superar o medo de se movimentarem. Enquanto um paciente com ansiedade social pode dar pequenos passos para falar com estranhos, por exemplo, um paciente com dor nas costas pode começar a correr ou andar de bicicleta.

VOCÊ PODE ENCONTRAR O INTERRUPTOR DE ELIMINAÇÃO

O resultado final, de acordo com Howard Schubiner, um aprendiz de Sarno, é que "toda dor é real e toda dor é gerada pelo cérebro". Schubiner é atualmente diretor do Programa de Medicina do Corpo Mente em Southfield, Michigan, e professor clínico da Faculdade de Medicina Humana da Universidade Estadual de Michigan.

Qualquer que seja, a dor desencadeada por estresse ou lesão física, o cérebro gera as sensações. E - este é um conceito incrível - você não apenas reflete o que sente, você decide se liga ou desliga a sua dor.

No final, Sarno acertou ao afirmar que os exercícios ajudam na recuperação quanto a relação entre a dor emocional e a física. Entretanto, errou por não considerar que nem toda dor crônica é psicológica. O tratamento Freudiano de Sarno está longe de ser o único que funciona. E, poucos cientistas diriam que nosso cérebro usa a dor para nos distrair das emoções negativas (e definitivamente jamais afirmariam algo do tipo como cortando o fluxo sanguíneo para os músculos).

Fontes da reportagem neste link

 

O RECURSO DA ESCRITA EXPRESSIVA NA SAÚDE FÍSICA E PSICOLÓGICA DE PACIENTES ONCOLÓGICOS

27 outubro, 2021

O diagnóstico de câncer é um evento estressante e potencialmente traumático e, mesmo após o tratamento bem-sucedido, os efeitos relacionados podem continuar a ser uma fonte de sofrimento específico.

Efetivamente, expressar e manifestar pensamentos e sentimentos são considerados aspectos centrais da psicoterapia, e há evidências que sugerem que intervenções expressivas potencializam para que esses pacientes possam expressar seus pensamentos e emoções relacionadas ao câncer. O efeito, que ainda carece de melhores estudos, é a melhoria nos resultados da saúde física e psicológica.

Consequentemente, a vontade, a capacidade e a oportunidade de expressar preocupações e emoções relacionadas ao câncer - ou a falta delas - podem influenciar a previsão de pacientes com estresse associado à doença e ao tratamento. Daí que tal situação pode ter consequências não apenas para a saúde psicológica do paciente, mas também nos resultados da sua saúde física, incluindo o prognóstico.

Por sua vez, um modo de expressão emocional ligado a resultados benéficos para a saúde é a escrita. Desta forma, as primeiras pesquisas de Pennebaker et al. (1986) descobriu que para o início de efeito clínico da escrita expressiva deve ter intensidade de 15-20 minutos, com a frequência de 3 dias sobre emoções associadas a um evento traumático. Essa estratégia indica potencial clínico quanto a melhorias na saúde psicológica e biológica de pacientes oncológicos.

É importante ressaltar que nem todos os pacientes são elegíveis para se beneficiarem com o uso da técnica. Por exemplo:

a) os efeitos da expressão emocional são dependentes do contexto, ou seja, há efeitos diferentes entre os pacientes, dependendo da disponibilidade percebida de suporte emocional por eles. Para tanto, os pontos abaixo são fundamentais para a indicação ou não da técnica:

  • a flexibilidade expressiva, ou seja, a capacidade de regular a amplitude da emoção, uma vez que essa regulação é indicada como associada ao ajuste psicológico de longo prazo.

  • indivíduos de forma geral gerenciam suas emoções de maneiras diferentes, dependendo do nível de intensidade, isso sugere que pode ser adaptativo para envolver e desligar as emoções, dependendo do contexto.

  • por exemplo, pacientes com baixos níveis de suporte emocional ou altos níveis de restrições sociais experimentadas são mais propensos a se beneficiarem da escrita expressiva de pacientes com altos níveis de suporte emocional.

  • uma escrita expressiva é relativamente eficaz para participantes com baixo índice de evitação, enquanto uma redação mais positiva com foco na descoberta de benefícios indica ser mais eficaz para mulheres com alto índice de evitação.

  • a escrita expressiva, em comparação com a escrita neutra, teve sucesso em induzir os breves aumentos no humor negativo, geralmente associados à revelação emocional

Embora a escrita expressiva não pareça funcionar bem para todos os pacientes oncológicos, dado ser uma intervenção muito prática e barata, mesmo com pequenos efeitos em subgrupos de pacientes, ela é indicada ser clinicamente relevante. Uma vez que há apelos em estudos de efeitos para níveis de angústia pré-intervenção e fatores dependentes do contexto, como suporte emocional.

A associação da escrita expressiva com outras abordagens, por exemplo, instrução aos participantes a se concentrarem na descoberta de benefícios, intervenções multimodais combinando 'expressões saudáveis' verbais e escritas ou ajudando os outros, também são úteis.

Fontes:

Pennebaker JW, Beall SK. Enfrentando um evento traumático: rumo à compreensão da inibição e da doença. J Abnorm Psychol 1986;95(3):274–281.

Zachariae, R., & O'Toole, MS (2015). O efeito da intervenção escrita expressiva nos resultados de saúde psicológica e física em pacientes com câncer – uma revisão sistemática e meta-análise. Psico-oncologia, 24(11), 1349–1359. https://doi.org/10.1002/pon.3802

 

DUAS VEZES EXCEPCIONAIS (2E)

16 outubro, 2021

Uma das correntes em desenvolvimento de pensamento, pesquisa e prática no campo da superdotação é a exploração da co-ocorrência, distribuição e etiologia de dons (talentos) e deficiências. Cresce a consciência de que existe um grupo substancial de crianças que preenchem as qualificações para serem “duas vezes excepcionais” (2e), nomeadamente, crescer com capacidades e deficiências excepcionais em simultâneo (Grigorenko, 2020).

Para ficar dentro do contexto 2e, existe um subgrupo com transtornos de desenvolvimento do comportamento e um subgrupo com dons (talentos), e que esses grupos podem se sobrepor. Como esse grupo de co-ocorrência não foi bem pesquisado, a maioria das fontes de evidências que confirmam sua existência são complementares (Grigorenko, 2020).

Embora tenha havido um fluxo consistente de relatos sobre a co-ocorrência de dons (talentos) e deficiências em crianças com necessidades especiais, que remonta à cristalização dos diagnósticos relevantes, só recentemente ficou claro que essas co-ocorrências não se limitam a um transtorno do neurodesenvolvimento particular, como o Transtorno do Espectro do Autismo ou Distúrbios de Aprendizagem Específicas, mas são fenômenos que foram observados em deficiências de desenvolvimento em geral (Grigorenko, 2020).

No entanto, em grande parte devido às trajetórias de desenvolvimento paralelas, em vez de entrelaçadas, dos campos de estudos sobre dons (talentos) e deficiências de desenvolvimento, os relatórios publicados dessas co-ocorrências não foram volumosos (Grigorenko, 2020).

No século XXI, essas trajetórias têm se tornado mais próximas e mais conectadas, especialmente após a re-autorização de 2004 da Lei de Melhoria da Educação de Indivíduos com Deficiências nos EUA, IDEIA (Lei de Melhoria da Educação de Indivíduos com Deficiências, 2004), que reconheceu formalmente os alunos 2e.

Ainda, o mais importante, não existe uma definição única de status 2e. Ao contrário, há muita discussão na literatura sobre como essa condição deve ser definida. Uma definição de trabalho alcançou um consenso substancial, entre as 26 organizações que apoiam as necessidades de pesquisa e educação dos alunos 2e: “Indivíduos duas vezes excepcionais evidenciam capacidade e deficiência excepcionais, o que resulta em um conjunto único de circunstâncias. Sua habilidade excepcional pode dominar, escondendo sua deficiência; sua deficiência pode dominar, escondendo sua habilidade excepcional; cada uma pode mascarar a outra para que nenhuma seja reconhecida ou diagnosticada”.

A definição de superdotação (talento) utiliza a acepção desenvolvida pela National Association for Gifted Children, ou seja, “superdotados são aqueles que demonstram níveis excepcionais de aptidão (definido como uma capacidade excepcional de raciocinar e aprender) ou competência (desempenho ou realização documentada entre os 10% melhores da população geral) em um ou mais domínios. Os domínios incluem qualquer área estruturada de atividade que tenha seu próprio sistema de símbolos (por exemplo, matemática, música, linguagem) e/ou conjunto de habilidades sensório-motoras (por exemplo, pintura, dança, esportes).

Fonte:

Grigorenko, E. L. (2020). Twice Exceptional Students: Gifts and Talents, the Performing Arts, and Juvenile Delinquency. New Directions for Child and Adolescent Development, 2020(169), 59–74. https://doi.org/10.1002/cad.20326

 

A INTERVENÇÃO NA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL -DI POR MEIO DO PROGRAMA DE ENRIQUECIMENTO INSTRUMENTAL – PEI: NÃO HÁ MOTIVOS PARA JOGÁ-LO AO LIMBO DO ESQUECIMENTO

7 outubro, 2021

Em 1983, Bradley (1983) revisou os estudos israelenses e americanos para determinar algo parecido com o que discutimos em terminologias atuais quanto ao grau de evidência de recomendações do Programa de Enriquecimento Instrumento (PEI)  quanto ao seu efeito clínico nas modificações de estruturas cognitivas de adolescentes com Deficiência Intelectual (DI).  O autor argumenta que embora a pesquisa tenha produzido alguns resultados estatisticamente significativos em favor do grupo do PEI, a importância dessas descobertas seria questionada com base em falhas no projeto da pesquisa, na magnitude relativamente sem importância das diferenças médias que foram relatadas como significativas e, na deficiência quanto mudanças de pontuação em medidas de capacidade cognitiva para se refletir no desempenho escolar.

Consequentemente, ele conclui que as alegações de que a pesquisa leva "apoio substancial" à eficácia do PEI deveriam ser rejeitadas.

E foram rejeitadas já por quase 38 anos! E o instrumento jogado ao limbo do esquecimento! No seu lugar não foi incorporado nenhum outro produto com o seu potencial. A exceção são os trabalhos nos campos da inteligência e da deficiência intelectual de J.P. Das (Jagannath Prasad Das), esse também desconhecido pelos neuroreabilitadores atuais.

E adversamente, o foco nos últimos anos das pesquisas quanto a intervenção em DI se voltou para as questões motoras e funcionais, apesar de com problemas sérios também no desenho de pesquisa e preteriu os aspectos cognitivos primários da condição clínica, como o raciocínio, ou em especial a terceira unidade funcional de A. R. Luria (1973), acoplada com a etapa de elaboração de Feuerstein.

Com certeza, a posologia errada junto com designer de pesquisa desastroso não invalida inicialmente o recurso. As falhas apontadas por Bradley (1983) são sem dúvidas relevantes. Entretanto, a julgar a vanguarda de suas críticas ao instrumento, o mais sensato seria modificar e aprimorar a metodologia de pesquisa e, não desconsiderar o instrumento em si, conforme autor sinaliza em seu estudo quanto a necessidade de ajuste nas futuras investigações, mas não o seu abandono.

Efetivamente, o PEI despertou muita atenção e interesse nas últimas décadas do século passado, como um modelo para diagnosticar e intervir nos déficits cognitivos de crianças com DI. E atualmente, há uma urgência no seu resgaste com fundamentação empírica.

O PEI é um modelo criado por Reuven Feuerstein para avaliação dinâmica e instrução de desempenho aplicado, entre outras condições clínicas, em deficientes intelectuais. A atenção e o interesse são bem-merecidos porque, se as reivindicações feitas por esse modelo forem apoiadas por um corpo de pesquisas com designer adequado, as ramificações enviarão ondas de choque por todo o mundo da neuroreabilitação e da educação especial (Bradley, 1983).

Por exemplo, se os profissionais da saúde e educação podem avaliar a natureza dos déficits cognitivos específicos que prejudicam o funcionamento intelectual de uma criança; se essa avaliação leva a um programa eficaz de intervenção cognitiva e; se os efeitos desse programa corretivo são duráveis ​​e generalizam-se para outras atividades de vida-diária e instrumental além do treinamento tarefas; não há dúvidas de que o campo da saúde cognitiva enfrentará a necessidade de mudanças perturbadoras (Bradley, 1983).

Em nossa clemência por aqueles a quem estamos comprometidos em tratar, todos queremos acreditar que o modelo de Feuerstein para modificabilidade cognitiva tem, ou irá, em breve adquirir aquele grau de suporte empírico necessário para recomendar sua adoção generalizada. (Bradley, 1983).

Fonte:

Bradley, T. B. (1983). REMEDIATION OF COGNITIVE DEFICITS: A CRITICAL APPRAISAL OF THE FEUERSTEIN MODEL*. Journal of Intellectual Disability Research, 27(2), 79–92. https://doi.org/10.1111/j.1365-2788.1983.tb00281.x

 

ESTRATÉGIAS DE NEUROREABILITAÇÃO DOS TRANSTORNOS ESPECÍFICO DE APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

6 setembro, 2021

A base de evidências para intervenções em pessoas com Distúrbio Específico de Aprendizagem - DEA é forte, refletindo o acúmulo de evidências de grandes ensaios clínicos randomizados (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Por sua vez, as intervenções acadêmicas são terapias cognitivas complexas que envolvem mais do que simplesmente encorajar as crianças a se envolverem. Para aqueles que estão lutando para aprender a ler, escrever e compreender textos e cálculos, a instrução deve ser explícita. Isso significa que o professor, por exemplo, envolve propositalmente e intencionalmente o aluno no material a ser aprendido, com explicações diretas, modelagem de habilidades com estratégias e oportunidades de prática supervisionada (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Quanto ao domínio da automatização das tarefas, a prática acelerada é melhor do que a prática não cronometrada, junto com o engajamento estruturado em experiências autênticas que apoiam a prática em leitura, matemática e escrita. E mais, as intervenções abrangentes que incorporam múltiplas práticas de ensino são mais eficazes do que abordagens focadas em habilidades (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Assim, as crianças com dificuldades no nível das palavras precisam de programas que não apenas ensinem a decodificação, mas também se concentrem na compreensão e na automatização das tarefas (Fletcher & Grigorenko, 2017).

As crianças aprendem tanto sobre fatos matemáticos se praticarem sistematicamente por um curto período dentro do contexto de uma abordagem de resolução de problemas, quanto quando ensinadas como uma habilidade isolada. O segredo é que a instrução seja explícita, diferenciada e acordo com os pontos fortes e fracos nos domínios acadêmicos e treinadas com intensidade suficiente em relação à gravidade do problema acadêmico. As intervenções mais eficazes também incorporam uma autorregulação dos componentes que trata da atenção e das dificuldades organizacionais experimentadas por muitos com DEA (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Do mesmo modo, as intervenções ineficazes envolvem abordagens que não são explícitas, muitas vezes baseadas em abordagens construcionistas de descoberta. Além disso, a instrução deve se concentrar no conteúdo acadêmico. As intervenções que treinam habilidades isoladas, como memória operacional, processamento auditivo e visual de baixo nível ou outras intervenções não acadêmicas baseadas na modulação cerebral ou visual, não se generalizam para o domínio acadêmico (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Uma das principais questões dos estudos neurobiológicos é a extensão da plasticidade nas redes neurais que modulam a leitura e a matemática. Existem mais de 20 estudos que combinam neuroimagem funcional antes e depois da intervenção de leitura, e alguns estudos em matemática. Na leitura, os estudos mostram uma maleabilidade significativa em crianças que respondem à intervenção, com alterações essencialmente normalizadas refletindo o aumento da ativação dos sistemas dorsal e ventral dependendo da tarefa e (provavelmente) da intervenção. Essas mudanças são mantidas em acompanhamentos de 1 ano. Após a intervenção na matemática, ocorre ativação reduzida e uma rede neural melhor organizada, com redução da hiperconectividade é aferida nos estudos (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Essas indicações de plasticidade facilitam a interpretação de um achado fundamental da pesquisa de intervenção: os melhores resultados estão associados a intervenções precoces. Quando as crianças são identificadas com dificuldades básicas de leitura e matemática no início do desenvolvimento (antes da 3ª série), os esforços de intervenção levam a uma maior automaticidade. Com esforços corretivos posteriores, a automatização é difícil de alcançar, possivelmente porque os sistemas ventrais precisam de considerável exposição explícita para imprimir e processar padrões ortográficos rapidamente. Sem essa capacidade, a pessoa lê de forma lenta e ineficiente, com atenção excessiva à leitura de palavras, o que prejudica o acesso ao sentido do texto (Fletcher & Grigorenko, 2017).

Fonte:

Fletcher, J. M., & Grigorenko, E. L. (2017). Neuropsychology of Learning Disabilities: The Past and the Future. Journal of the International Neuropsychological Society, 23(9–10), 930–940. https://doi.org/10.1017/S1355617717001084

 

TENHO QUE FAZER UMA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA MESMO APÓS FAZER UM EXAME DE IMAGEM CEREBRAL?

5 setembro, 2021

Sim, pois o estudo da função cerebral na saúde ou doença requer a integração de dados comportamentais e neurofisiológicos. Os exames de imagens fornecem os dados neurofisiológicos, mas não os comportamentais. Por esse motivo, a necessidade da avaliação neuropsicológica (ROALF; GUR, 2017).

Clinicamente, o potencial é incomensurável para que a Imagem de Ressonância Magnética  funcional - fMRI se torne parte integrante da prática clínica da neuropsicologia.  Atualmente, a fMRI clínica tem duas aplicações principais(ROALF; GUR, 2017):  

  • a geração de biomarcadores não invasivos da função cerebral para a classificação e monitoramento de pacientes neurológicos e psiquiátricos, e
  • planejamento pré-cirúrgico em cirurgias que podem afetar áreas motoras, de linguagem e de memória.

Outra contribuição entre esses dois exames é a incorporação da análise de rede na neuropsicologia via a fMRI. A cognição humana adulta é apoiada por sistemas de regiões cerebrais, ou módulos, que são funcionalmente coerentes em repouso e ativados coletivamente por requisitos de tarefas distintos. Várias redes fundamentais em estado de repouso foram descobertas pela junção desses campos, incluindo as redes somatossensoriais e redes de modo padrão. A elucidação das redes de estado de repouso envolvidas na atenção e cognição é talvez ainda mais relevante para a neuropsicologia. Isso inclui as redes de atenção dorsal e ventral; o primeiro envolvido no controle executivo da atenção, enquanto o último auxilia na detecção de pistas salientes. Além disso, a rede de controle frontoparietal e a rede cingulo-opercular parecem estar envolvidas em funções de ordem superior, como tomada de decisão e execução de tarefas direcionadas a objetivos, respectivamente (ROALF; GUR, 2017)

Consequentemente, as flutuações espontâneas na atividade cerebral aparentemente servem para organizar, coordenar e manter sistemas cerebrais funcionais e auxiliar no processamento de informações. Uma compreensão de como a formação desses módulos apoia a evolução das capacidades cognitivas pode ser alcançada aplicando métodos da teoria dos grafos, projetados para caracterizar padrões de conectividade. As regiões do cérebro são definidas como nós e as conexões entre elas como “bordas”. A teoria dos grafos pode usar qualquer medida que defina a força da conectividade entre os nós, como correlações de séries temporais de flutuações de sinal, para construir um modelo de conectividade geral e regional (ROALF; GUR, 2017)

Do mesmo modo, essa abordagem tem sido útil para medir a plasticidade dos sistemas cognitivos durante o treinamento cognitivo, estudando mudanças no desenvolvimento e relacionadas à idade nas redes neurais; e na diferenciação de indivíduos com distúrbios neurológicos e neuropsiquiátricos de indivíduos saudáveis (ROALF; GUR, 2017)

A melhoria no desempenho cognitivo é uma pedra angular da neuropsicologia e estudos recentes de rsfMRI, em que demonstraram que a experiência repetida com problemas de raciocínio altera a conectividade do cérebro. Especificamente, o treinamento durante um período de três meses alterou a conectividade funcional nos sistemas cerebrais frontoparietal e parietal-estriatal. Mais importante ainda, essas mudanças na conectividade do cérebro foram associadas a melhorias nos testes padronizados. Tal resultado sugere que as abordagens neuropsicológicas podem ter um impacto direto e significativo nos padrões cerebrais individualizados de rsfMRI (ROALF; GUR, 2017)

Num cérebro lesionado ou com disfunção em uma área específica requer a conjunção desses dois exames. No futuro, o profissional neuropsicólogo irá aplicar a sua bateria de testagem computadorizadas baseados na neurociência cognitiva moderna e validados com neuroimagem estrutural e funcional. Logo, esse neuropsicólogo clínico irá acompanhar a entrevista clínica e os exames com uma sessão de fMRI, supervisionada pelo neuropsicólogo, na qual uma bateria computadorizada de exames será administrada ao paciente no scanner. A leitura incluirá de forma mais rápida as informações sobre aberrações em parâmetros cerebrais e redes relacionadas a déficits comportamentais, que serão auxiliados por imagens e gráficos a serem interpretados pelo neuropsicólogo clínico (ROALF; GUR, 2017)


FONTE: ROALF, D. R.; GUR, R. C. Functional brain imaging in neuropsychology over the past 25 years. Neuropsychology, v. 31, n. 8, p. 954–971, nov. 2017.

 

AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

5 setembro, 2021

Ao avaliar as habilidades cognitivas, acadêmicas, características comportamentais e fatores contextuais, os neuropsicólogos terão muitas das informações necessárias para identificar e desenvolver planos de tratamento eficazes para às Dificuldades de Aprendizagem.

É bem conhecido que estruturas estáticas para identificar e tratar às Dificuldades de Aprendizagem levam à falta de confiabilidade na identificação dos indivíduos desse grupo clínico. Uma alternativa é o uso da abordagem dinâmica que enfoca a Resposta à Intervenção ao longo do tempo e o uso de critérios adicionais para identificação (baixo desempenho e fatores contextuais). Essa abordagem integra a identificação com a resposta ao tratamento, o que representaria um sistema sequencial no qual os erros de decisão podem ser corrigidos e a intervenção após a triagem é priorizada sobre a identificação.

A avaliação dos pontos fortes e fracos nos domínios de realização é crítica para o ensino diferenciado, junto com a avaliação dos fatores comportamentais que interferem na aprendizagem, como TDAH, ansiedade e motivação. É fundamental que os neuropsicólogos entendam a base neurobiológica das dificuldades de aprendizagem e possam diferenciar uma série de fatores correlacionados que contribuem para esse transtorno. No entanto, no final, o neuropsicólogo deve ser capaz de compreender intervenções eficazes e prescrevê-las com base na gravidade dos pontos fortes e fracos acadêmicos da criança e nos traços comportamentais que podem interferir na aprendizagem, como TDAH, ansiedade e instrução inadequada.

Fonte: Fletcher, J. M., & Grigorenko, E. L. (2017). Neuropsychology of Learning Disabilities: The Past and the Future. Journal of the International Neuropsychological Society : JINS, 23(9-10), 930–940. https://doi.org/10.1017/S1355617717001084

 

A NEURORREABILITAÇÃO COGNITIVA É A PRIMEIRA INTERVENÇÃO ATUAL DE ESCOLHA PARA A ESCLEROSE MÚLTIPLA

5 setembro, 2021

A neurorreabilitação das funções cognitivas em pessoas com Esclerose Múltipla – EM baseia-se numa combinação de abordagens comportamentais (cognitivas e exercícios físicos) e farmacológicas. Entretanto, dada a atual falta de evidências de abordagens farmacológicas e de exercícios físicos, a neuroreabilitação cognitiva é uma intervenção atual de escolha (Benedict et al., 2017).

Consequentemente, a neuroreabilitação é primordial, em função da frequência e gravidade das deficiências cognitivas no EM e do seu impacto na vida cotidiana. Por exemplo, na revisão da Cochrane realizada por Nair, Martin, & Lincoln (2016), foi indicado o efeito clínico significativo da intervenção na memória de curto e longo prazo, acompanhado de melhoria substancial na qualidade de vida desses pacientes (Benedict et al. , 2017).

Outro exemplo, essa de recomendação máxima (classe 1), é a Técnica de Memória de História modificada (mSMT). Uma técnica é projetada para melhorar a aquisição de novo aprendizado. Os resultados indicaram melhorias específicas na aprendizagem, na memória e na vida cotidiana dos pacientes (Benedict et al., 2017).

Do mesmo modo, outras técnicas de modulação da memória têm se mostrado resultados na melhoria da coleta, armazenamento e recuperação de conteúdo mnemônico: a aprendizagem espaçada, a aprendizagem autogerada e a prática de recuperação – ou o efeito de teste (Benedict et al., 2017 ).

Importante ressaltar que não é apenas o domínio mnemônico que é foco de intervenção efetiva. Outros recursos vêm sendo demonstrados como essenciais para modular a atenção, memória operacional e outros subnúcleos das funções executivas (Benedict et al., 2017).

Igualmente, numerosos estudos demonstraram que a reabilitação cognitiva não apenas melhorou as funções cognitivas e a atividade da vida cotidiana, mas também promove mudanças adaptativas na atividade cerebral por meio da neuroplasticidade (Benedict et al., 2017).

Por exemplo, Chiaravalloti et al. que as melhorias cognitivas e comportamentais observadas usando a intervenção comportamental mSMT foram relacionadas ao aumento da atividade em várias redes perigosas, aumento da conectividade funcional no estado de segurança entre o hipocampo e outras estruturas estruturais, e que esses efeitos foram prejudicados no acompanhamento de longo prazo prazo (Chiaravalloti et al., 2020).

Existem agora alguns estudos de pesquisa que mostram mudanças de plasticidade adaptativa semelhantes, observando vários tipos e formas de reabilitação cognitiva em pessoas com EM (Benedict et al., 2017).

Em resumo, diante de resultados mistos, geralmente negativos, de intervenções farmacológicas para melhorar a memória e o exercício físico, embora promissor, seus efeitos definitivos na cognição aguardam novas pesquisas com projetos metodológicos aprimorados, até o momento, as instruções de base cognitiva continuam sendo uma abordagem mais eficaz para tratar o comprometimento cognitivo nesse grupo clínico (Benedict et al., 2017).

FONTES:

Benedict, RHB, DeLuca, J., Enzinger, C., Geurts, JJG, Krupp, LB, Rao, SM, 2017. Neuropsicologia da Esclerose Múltipla: Olhando para Trás e Seguindo em Frente. J. Internacional. Neuropsicológico. Soc. 23, 832–842. https://doi.org/10.1017/S1355617717000959

Chiaravalloti, ND, Moore, NB, DeLuca, J., 2020. A eficácia da técnica de memória de histórias modificada na EM progressiva. Mult. Escler. J. 26, 354–362. https://doi.org/10.1177/1352458519826463

 

TREINAMENTO DE ADAPTAÇÃO DE PRISMA PARA NELIGÊNCIA ESPACIAL

28 agosto, 2021

A neuroreabilitação desempenha um papel importante para a plasticidade neural e recuperação funcional após uma lesão ou disfunção neuropsiquiátrica (Fujiwara et al., 2017). Bem como, em sua aplicação clínica, é um novo arsenal de recursos clínicos que os profissionais da saúde têm para intervir em distúrbios cerebrais incapacitantes, como por exemplo, o Acidente Vascular Encefálico – AVE e a Lesão Cerebral Traumática (Barrett et al., 2013). Essa área é baseada na medicina de reabilitação, neurociência e neurofisiologia (Fujiwara et al., 2017).

Por exemplo, a neuroreabilitação usando a estimulação elétrica neuromuscular controlada por eletromiografia (EMG) para a função motora da extremidade superior, após o AVE, melhorou a função do braço e da mão e pode induzir alteração plástica no interneurônio intracortical e no interneurônio recíproco espinhal. Outro uso demonstrado, é na recuperação funcional induzida pelo exercício após lesão medular. O exercício terapêutico pode induzir a remodelação do músculo esquelético, alteração fisiológica do neurônio motor espinhal e remodelação do córtex motor (Fujiwara et al., 2017).

Do mesmo modo, estudos neurofisiológicos revelaram atividade neural relacionada à redução da velocidade da marcha na doença de Parkinson e recuperação funcional da hemiplegia após AVE (Fujiwara et al., 2017).

Em outras palavras, esse é um paradigma intelectual emergente para recuperação neurológica que inclui regeneração neural, reparo e reorganização dinâmica de sistemas neurais funcionais, bem como o aumento da consciência dos princípios comportamentais que podem modular o retorno e/ou compensação da funcionalidade. Ainda que timidamente, muitos profissionais já vêm ofertando aos sistemas de saúde e aos pacientes tratamentos baseados na aprendizagem dependente da experiência, estimulação neurofisiológica e uma combinação desses conceitos (Barrett et al., 2013).

As intervenções com a neuroreabilitação deflagraram-se a partir do ano 2000, em paralelo com uma mudança no paradigma dos cuidados neurológicos. Em meados do século XX, abandonamos a suposição de que o efeito de uma lesão cerebral, como um AVE; na função, atividade e participação – indicadores ancorados na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida como CIF, seria permanente e nos tornamos cada vez mais conscientes do potencial regenerativo do cérebro, bem como da reorganização dinâmica dele, após meses e até muitos anos depois de um evento traumático. Cientistas de neuroreabilitação vêm mostrando por meio de pesquisas translacionais sob quais condições ocorrem as mudanças e a recuperação ideal do cérebro. Nesses casos, aparentemente, exigindo estimulação intensiva e controlada de redes cerebrais prejudicadas (Barrett et al., 2013).

Um dos principais recursos usados nas demonstrações da plasticidade neural induzida pela neuroreabilitação são as aferições via neuroimagem. Esses estudos vêm revelando novos achados de reorganização cortical após lesão da medula espinhal, paralisia do nervo facial, perda auditiva e exercícios aeróbicos em adultos mais velhos. Logo, as técnicas neurofisiológicas e de neuroimagem avançadas estão fornecendo novos insights sobre a recuperação funcional em distúrbios neurológicos (Fujiwara et al., 2017).

Fontes: 

Barrett, A. M., Oh-Park, M., Chen, P., & Ifejika, N. L. (2013). Neurorehabilitation: Five new things. Neurology: Clinical Practice, 3(6), 484–492. https://doi.org/10.1212/01.CPJ.0000437088.98407.fa

Fujiwara, T., Paik, N.-J., & Platz, T. (2017). Neurorehabilitation: Neural Plasticity and Functional Recovery. Neural Plasticity, 2017, 1–1. https://doi.org/10.1155/2017/3764564

 

NEUROREABILITAÇÃO: PLASTICIDADE NEURAL E RECUPERAÇÃO FUNCIONAL

23 agosto, 2021

A neuroreabilitação desempenha um papel importante para a plasticidade neural e recuperação funcional após uma lesão ou disfunção neuropsiquiátrica (Fujiwara et al., 2017). Bem como, em sua aplicação clínica, é um novo arsenal de recursos clínicos que os profissionais da saúde têm para intervir em distúrbios cerebrais incapacitantes, como por exemplo, o Acidente Vascular Encefálico – AVE e a Lesão Cerebral Traumática (Barrett et al., 2013). Essa área é baseada na medicina de reabilitação, neurociência e neurofisiologia (Fujiwara et al., 2017).

Por exemplo, a neuroreabilitação usando a estimulação elétrica neuromuscular controlada por eletromiografia (EMG) para a função motora da extremidade superior, após o AVE, melhorou a função do braço e da mão e pode induzir alteração plástica no interneurônio intracortical e no interneurônio recíproco espinhal. Outro uso demonstrado, é na recuperação funcional induzida pelo exercício após lesão medular. O exercício terapêutico pode induzir a remodelação do músculo esquelético, alteração fisiológica do neurônio motor espinhal e remodelação do córtex motor (Fujiwara et al., 2017).

Do mesmo modo, estudos neurofisiológicos revelaram atividade neural relacionada à redução da velocidade da marcha na doença de Parkinson e recuperação funcional da hemiplegia após AVE (Fujiwara et al., 2017).

Em outras palavras, esse é um paradigma intelectual emergente para recuperação neurológica que inclui regeneração neural, reparo e reorganização dinâmica de sistemas neurais funcionais, bem como o aumento da consciência dos princípios comportamentais que podem modular o retorno e/ou compensação da funcionalidade. Ainda que timidamente, muitos profissionais já vêm ofertando aos sistemas de saúde e aos pacientes tratamentos baseados na aprendizagem dependente da experiência, estimulação neurofisiológica e uma combinação desses conceitos (Barrett et al., 2013).

As intervenções com a neuroreabilitação deflagraram-se a partir do ano 2000, em paralelo com uma mudança no paradigma dos cuidados neurológicos. Em meados do século XX, abandonamos a suposição de que o efeito de uma lesão cerebral, como um AVE; na função, atividade e participação – indicadores ancorados na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida como CIF, seria permanente e nos tornamos cada vez mais conscientes do potencial regenerativo do cérebro, bem como da reorganização dinâmica dele, após meses e até muitos anos depois de um evento traumático. Cientistas de neuroreabilitação vêm mostrando por meio de pesquisas translacionais sob quais condições ocorrem as mudanças e a recuperação ideal do cérebro. Nesses casos, aparentemente, exigindo estimulação intensiva e controlada de redes cerebrais prejudicadas (Barrett et al., 2013).

Um dos principais recursos usados nas demonstrações da plasticidade neural induzida pela neuroreabilitação são as aferições via neuroimagem. Esses estudos vêm revelando novos achados de reorganização cortical após lesão da medula espinhal, paralisia do nervo facial, perda auditiva e exercícios aeróbicos em adultos mais velhos. Logo, as técnicas neurofisiológicas e de neuroimagem avançadas estão fornecendo novos insights sobre a recuperação funcional em distúrbios neurológicos (Fujiwara et al., 2017).

Fontes: 

Barrett, A. M., Oh-Park, M., Chen, P., & Ifejika, N. L. (2013). Neurorehabilitation: Five new things. Neurology: Clinical Practice, 3(6), 484–492. https://doi.org/10.1212/01.CPJ.0000437088.98407.fa

Fujiwara, T., Paik, N.-J., & Platz, T. (2017). Neurorehabilitation: Neural Plasticity and Functional Recovery. Neural Plasticity, 2017, 1–1. https://doi.org/10.1155/2017/3764564

 

PROGRAMA DE REABILITAÇÃO VIRTUAL COM NINTENDO Wii, CONJUGADO COM FISIOTERAPIA CONVENCIONAL PARA INTERVIR NA FUNCIONALIDADE, NO EQUILIBRIO E NAS ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA EM SOBREVIVENTES DE ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO - AVE DE TIPO CRÔNICO

23 agosto, 2021

Este programa de fisioterapia convencional, conjugado com o console de Nintendo Wii demonstrou melhorar a funcionalidade, o equilíbrio e as atividades de vida diária dos pacientes que sofreram um AVE. O programa recorre a um método inovador, eficiente e acessível.

Recursos necessários:

  1.  Realidade virtual com Nintendo Wii (VRWiiG)

    • Treino de equilíbrio com Wii Balance Board

    • Exercícios de membros superiores com pacote Wii Sports

    • Somados a fisioterapia convencional

O estudo explica que os jogos de vídeo-game permitem que os fisioterapeutas projetem os programas de reabilitação para melhorar os princípios de plasticidade cerebral. E não só isso, o console dá respostas em tempo quanto ao desempenho e ao progresso, que permite modular a resposta motora, além de aumentar a motivação, o divertimento e a aderência dos pacientes ao tratamento. 

Os outros benefícios do Wii são que ele é fácil de usar; relativamente disponível; pode ser usado individualmente e, em casa. Esses atributos permitem aumentar a frequência de treinamento, tão importantes para alcançar a neuroplasticidade positiva das habilidades alvo do treino. 

Neste caso, quanto à neuroplasticidade, uma das ferramentas do Wii é o controle da distância, agregada a uma tabela de equilíbrio que detecta a transferência do peso. Esses dados são refletidos num avatar na tela, o que permite que o paciente observe seus próprios movimentos e gere uma ocorrência positiva. Ao mesmo tempo, o feedback do seu movimento tem tempo real conduz a um reforço dos mecanismos de aprendizagem motora. Assim, quando o paciente observa seus movimentos, as mudanças da plasticidade que dependem do uso das áreas sensoriais que pertencem ao sistema de neurônio espelhos são reforçadas. 

Dosagem de início de efeito clínico:

  1. Duração: 4 semanas

  2. Intensidade: 50 minutos

  3. Frequência: 2 vezes por semana

Avaliação da sequência T1 (início da intervenção) e T2 (final da intervenção):

  1. Cronometrado e pronto (TUG)

  2. Avaliação de Mobilidade Orientada ao Desempenho Tinetti (POMA)

  3. Escala de Equilíbrio de Berg (BBS)

  4. Avaliação Fugl-Meyer do Membro Superior, Índice de Barthel, Índice de Atividade de Frenchay (FAI)


Resultados: Foram promissores na funcionalidade, equilíbrio e atividades de vida diária ao adicionar a realidade virtual com Nintendo Wii à fisioterapia convencional em sobreviventes de AVE específicos, quando comparado ao grupo que recebeu apenas a fisioterapia convencional.


Fonte: 

Marques-Sule E, Arnal-Gómez A, Buitrago-Jiménez G, Suso-Martí L, Cuenca-Martínez F, Espí-López GV. Eficácia do Nintendo Wii e da fisioterapia na funcionalidade, equilíbrio e atividades diárias em pacientes com AVC crônico. J Am Med Dir Assoc. Maio de 2021;22(5):1073-1080. doi: 10.1016/j.jamda.2021.01.076. Epub 2021, 24 de fevereiro. PMID: 33639116.

 

A NEUROPSICOLOGIA DO ENVELHECIMENTO NA NEUROREABILITAÇÃO

23 agosto, 2021

Existem três categorias gerais de causas do declínio cognitivo associado ao envelhecimento:

  1.   desuso

  2. doença e

  3. envelhecimento em si .

Devido ao desejo, as pessoas tendem a usar prioritariamente certas habilidades em detrimento de outras com a idade e, portanto, essas habilidades que estão colocadas em " stand-by " diminuem.

Quanto às doenças, principalmente as físicas, tendem a aumentar o impacto com a idade, o que potencializa o comprometimento do funcionamento cognitivo.

E por último, devido ao envelhecimento normotípico, existem mudanças neurobiológicas reais com a idade que contribuem para a flexibilidade das habilidades cognitivas, conforme pode ser visualizado na figura acima, o auge do desempenho foi entre 18 e 21 anos e após esta faixa etária de desempenho começa a retroceder novamente. Esses dados foram retirados do teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), na etapa de gravação de palavras com o passar do tempo, em validação para a população brasileira.


A variabilidade de desempenho entre diferentes indivíduos dentro de uma faixa etária aumenta com a idade devido a cada um desses três fatores principais (desuso, doença e envelhecimento per se ) que afetam o declínio da idade. 

A melhor defesa contra as funções cognitivas relacionadas à idade é a prática. Neste caso, a prática deve ser vista como o que disseram os pais da neuroplasticidade: “o cérebro encolhe com o empobrecimento e cresce em um ambiente enriquecido em qualquer idade” (Diamond et al., 1971, 1984; Malkasian e Diamond, 1971) e para que ele tenha uma neuroplasticidade positiva, Diamond estabelece cinco aspectos essenciais que o nutre não decorrer na vida: a novidade, o desafio, o exercício físico, a dieta e o amor (Shaffer J. 2016). Portanto, a prática desses 5 aspectos tende a mitigar os efeitos do envelhecimento, não permitindo que ocorra o desuso. 

Além disso, a prática pode supercompensar os efeitos da idade ao construir uma “poupança” de reserva cognitiva maior para compensar quaisquer efeitos neurobiológicos reais da idade. A prática também pode levar a estratégias compensatórias nas quais são encontradas maneiras de manter os níveis de desempenho.

Logo, qualquer melhoria na função cognitiva agrega melhorias também na qualidade de vida e bem-estar, uma vez que a literatura sugere que as medidas de variáveis ​​não cognitivas, como humor, funcionalidade, qualidade de vida percebida, estão associadas aos efeitos de interações cognitivas .

Fontes: 

Shaffer J. (2016). Neuroplasticidade e prática clínica: construindo o poder do cérebro para a saúde. Fronteiras em psicologia, 7, 1118. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.01118

ZEC, RF A neuropsicologia do envelhecimento. Gerontologia Experimental, v. 30, n. 3–4, pág. 431–442, maio de 1995.

 

A neuropsicologia do envelhecimento na neuroreabilitação

20 agosto, 2021


A variabilidade de desempenho entre diferentes indivíduos dentro de uma faixa etária aumenta com a idade devido a cada um desses três principais fatores (desuso, doença e envelhicimento per se) que contribuem para o declínio da idade. 

A melhor defesa contra a deterioração cognitiva relacionada à idade é a prática. Neste caso, a prática dever ser vista como o que disseram os pais da neuroplasticidade: “o cérebro encolhe com o empobrecimento e cresce em um ambiente enriquecido em qualquer idade” (Diamond et al., 1971 , 1984 ; Malkasian e Diamond, 1971) e para que ele tenha uma neuroplasticidade positiva,  Diamond identificou cinco aspectos essenciais que o nutre no decorrer na vida: a novidade, o desafio, o exercício físico, a dieta e o amor (Shaffer J. 2016). Portanto, a prática desses 5 aspectos tende a mitigar os efeitos do envelhecimento, não permitindo que ocorra o desuso. 

Além disso, a prática pode supercompensar os efeitos da idade ao construir uma “poupança” de reserva cognitiva maior para compensar quaisquer efeitos neurobiológicos reais da idade. A prática também pode levar a estratégias compensatórias nas quais são encontradas maneiras alternativas de manter os níveis de desempenho.

Logo, qualquer melhoria na função cognitiva agrega melhorias também na qualidade de vida e bem-estar, uma vez que a literatura sugere que as medidas de variáveis não cognitivas, como humor, funcionalidade, qualidade de vida percebida, estão associadas aos efeitos de interações cognitivas.


Fontes: 

Shaffer J. (2016). Neuroplasticity and Clinical Practice: Building Brain Power for Health. Frontiers in psychology, 7, 1118. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.01118

ZEC, R. F. The neuropsychology of aging. Experimental Gerontology, v. 30, n. 3–4, p. 431–442, maio 1995.

 

A RECOMENDAÇÃO DO ESPORTE NA INTERVENÇÃO DE INDIVÍDUOS COM TDAH

24 maio, 2021

A base do manejo clínico convencional do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem sido as intervenções farmacológicas e comportamentais/psicológicas. Quanto aos exercícios físicos, incluindo o esporte estruturado, ainda é tímida a indicação na clínica como recurso complementar. Ainda que exista uma base sustentável quanto ao seu efeito clínico na modulação dos sintomas cognitivos/comportamentais e seja uma alternativa de tratamento para aqueles em que as orientações tradicionais indicam baixa resposta clínica e/ou efeitos adversos, no caso do tratamento medicamentoso (Christiansen et al ., 2019; Ng et al., 2017).

Claro, o campo de evidências quanto à recomendação do esporte em doenças psiquiátricas e neurológicas é novo. A psiquiatria do esporte, contendo o tópico de tratamento de transtornos mentais com exercícios, surgiu há pouco menos de 3 décadas, em 1994. Logo, desde então é que a terapia esportiva de transtornos mentais vem recebendo base científica. A prevenção psiquiátrica otimizada, o tratamento de atletas e o suporte ideal relacionado ao esporte para indivíduos com transtornos mentais devem ser o objetivo principal para o futuro próximo. (Ströhle, 2019).

Consequentemente, voltando ao cerne da questão, nas instalações de treinamento esportivo, o modelo de diferença tem maior probabilidade de ser eficaz para pacientes com TDAH porque eles têm a oportunidade de se adaptar e mudar seus comportamentos, em vez de serem culpados e punidos por seus sintomas de TDAH. Nesse contexto, o treinador tem estratégias que levam seu aluno a assumir o controle, gerenciar e se envolver com o ambiente para minimizar os sintomas de TDAH (Wolfe e Madden, 2016).

Em outras palavras, os treinadores esportivos são focados em cuidados de saúde importantes e essenciais para pacientes com TDAH. Esses profissionais atuam de forma orientada para o desempenho no esporte por meio da educação convencional. No entanto, para que um paciente com TDAH tenha um resultado bem sucedido em um ambiente de treinamento atlético movimentado, esses treinadores devem adaptar o ambiente de tratamento às necessidades desses pacientes. E, para tanto, eles podem se orientar nas “recomendações baseadas em evidências para treinadores esportivos que cuidam de pacientes com TDAH” de Wolfe e Madden (2016).

Consequentemente, o esporte individualizado é capaz de regular a parte motora, emocional e cognitiva de grupos clínicos com TDAH. Entretanto, sabemos que para isto ele não deve ser desenvolvido eventualmente, e sem estratégias por parte do treinador. Na rotina de treinamento no esporte, para este grupo clínico, a frequência, a intensidade e a duração são alvos da variável de acompanhamento a curto, médio e longo prazo.

Por fim, o esporte foi sugerido como uma terapia adjuvante segura e de baixo custo para o TDAH e é relatado como sendo acompanhado por efeitos positivos em vários aspectos das funções cognitivas na população infantil em geral (Christiansen et al., 2019). Por exemplo, o estudo de Hattabi et al. (2019) investigou os efeitos de um programa de natação recreativa nas funções cognitivas de crianças tunisianas com TDAH. Os resultados indicaram que houve melhoria significativa na precisão da memória, atenção seletiva e processo de restrição. No pós-programa, as crianças experimentaram uma redução geral dos tempos de execução da tarefa com menos erros de omissões. Eles também cometeram menos erros em situações de interferência, sinalizando um melhor funcionamento cognitivo.

Portanto, o esporte estruturado é recomendado para pacientes com TDAH. Com um pouco de tempo de adesão, é possível afetar os efeitos benéficos em diversas áreas da vida do paciente. Afinal, a intervenção é para melhorar o dia a dia das pessoas.

FONTES:


Christiansen, L., Beck, MM, Bilenberg, N., Wienecke, J., Astrup, A., Lundbye-Jensen, J., 2019. Efeitos do exercício no desempenho cognitivo em crianças e adolescentes com TDAH: mecanismos potenciais e evidências Recomendações baseadas em. J. Clin. Med. 8, 841. https://doi.org/10.3390/jcm8060841

Hattabi, S., Bouallegue, M., Ben Yahya, H., Bouden, A., 2019. Reabilitação de crianças com TDAH por meio de intervenção esportiva: uma experiência tunisina. Músicas. Med. 97, 874–881.

Ng, QX, Ho, CYX, Chan, HW, Yong, BZJ, Yeo, W.-S., 2017. Gerenciando o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) na infância e na adolescência com exercícios: uma revisão sistemática. Complemento. Lá. Med. 34, 123–128. https://doi.org/10.1016/j.ctim.2017.08.018

Ströhle, A., 2019. Psiquiatria esportiva: saúde mental e transtornos mentais em atletas e tratamento de transtornos mentais com exercícios. EUR. Arco. Clínica de Psiquiatria. Neurosci. 269, 485–498. https://doi.org/10.1007/s00406-018-0891-5

Wolfe, ES, Madden, KJ, 2016. Considerações e recomendações baseadas em evidências para treinadores esportivos que cuidam de pacientes com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. J. Athl. Trem. 51, 813–820. https://doi.org/10.4085/1062-6050-51.12.11

 

A DOSE TERAPÊUTICA NA MODULAÇÃO SENSORIAL EM INDIVÍDUOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA

22 março, 2021

Um programa de intervenção garantido para modulação de disfunções é composto por número de sessões, frequência, intensidade e limiar de resistência cognitiva. Este último, praticamente inexistente a sua exploração nos estudos da área. Entretanto, esses valores não devem ser definidos aleatoriamente, ou a esmo. É preciso ser pautado, no mínimo, em um estudo científico, que aferiu algum efeito clínico na manipulação dessas importantes variáveis.

Apresentamos 3 estudos que trazem a posologia das doses terapêuticas para a integração sensorial no grupo clínico de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista – TEA. Bem como, as discrepâncias nos resultados clínicos alcançados entre eles. Atentem para o terceiro estudo, o único que indicou tamanho de efeito clínico recomendado.

Lembrando que, a abordagem sensorial integrativa abrange o uso de estimativas que medem áreas específicas de desempenho sensorial e motor, sendo fundamental que a intervenção seja guiada por princípios específicos e documentos de resultados sensíveis e emocionantes. Logo, com o controle rígido das variáveis ​​dependentes e independentes no uso dos recursos de intervenções (Schaaf et al., 2014).

Estudo 1 (Iwanaga et al., 2014):

Dosagem: 37,2 sessões; intensidade: 1 hora; frequência: 1 vez por semana (num período de 8 a 10 meses = média 9,3)

Os resultados: ganhos positivos e estatisticamente alcançados para o grupo TEA em cinco das seis medidas de resultado; tamanho médio do efeito foi de 0,23; que está abaixo do corte de 0,25 recomendado pelas diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).

Estudo 2 (Pfeiffer et al., 2011):

Dosagem: 18 sessões; intensidade: 45 minutos; frequência: 3 vezes por semana (num período de 6 semanas).

Avaliação de linha de base e de saída: As dificuldades de integração sensorial foram confirmadas para todos os participantes por meio de uma avaliação completa antes do início da intervenção.

Resultados: melhorias estatisticamente significativas nas metas da Escala de Atingimento de Meta (GAS), bem como uma diminuição significativa nos maneirismos do autismo, conforme medido pela Escala de Responsabilidade Social (SRS). Tamanhos de efeitos positivos para as metas de GAS (tamanho do efeito = 0,360 para estimativas de professores e 0,125 para estimativas de pais), bem como para maneirismos de autismo no SRS (d = 0,131). No entanto, a média desses três tamanhos de efeito foi de 0,21, que está abaixo do corte de 0,25 recomendado pelas diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).

Estudo 3 (Schaaf et al., 2014):

Dosagem: 30 sessões; intensidade: 1hora; frequência: 3 vezes por semana (num período de 10 semanas).

Avaliação: ADIR e ADOS para confirmar o diagnóstico de TEA (testes padrão ouro). Todas as crianças receberam uma avaliação completa da integração sensorial, permitindo aos intervencionistas individualizar o tratamento.

Resultados: Melhorias estatisticamente significativas para o grupo TEA. Um tamanho de efeito muito grande (d de Cohen = 1,20) para resultados GAS, para assistência do cuidador no autocuidado por meio da Pediatric Evaluation of Disability Inventory /PEDI (d = 0,9) e escalas de atividades sociais (d = 0,7) foram relatados para o grupo TEA. O tamanho médio do efeito é 0,933; bem acima das diretrizes do What Works Clearinghouse (Schoen et al., 2019).

Fontes:

Iwanaga, R., Honda, S., Nakane, H., Tanaka, K., Toeda, H., Tanaka, G., 2014. Estudo Piloto: Eficácia da Terapia de Integração Sensorial para Crianças Japonesas com Autismo de Alta Funcionalidade Transtorno do Espectro. Ocupar. Lá. Int. 21, 4–11. https://doi.org/10.1002/oti.1357
Pfeiffer, BA, Koenig, K., Kinnealey, M., Sheppard, M., Henderson, L., 2011. Eficácia das Intervenções de Integração Sensorial em Crianças com Transtornos do Espectro Autista : Um Estudo Piloto. Sou. J. Ocupar. Lá. 65, 76–85. https://doi.org/10.5014/ajot.2011.09205
Schaaf, RC, Burke, JP, Cohn, E., May-Benson, TA, Schoen, SA, Roley, SS, Lane, SJ, Parham, LD, Mailloux, Z., 2014. Estado de Medição em Terapia Ocupacional Usando Integração Sensorial. Sou. J. Ocupar. Lá. 68, e149. https://doi.org/10.5014/ajot.2014.012526
Schoen, SA, Lane, SJ, Mailloux, Z., May-Benson, T., Parham, LD, Smith Roley, S., Schaaf, RC, 2019. Uma revisão sistemática da intervenção de integração sensorial ayres para crianças com autismo. Autismo Res. 12, 6–19. https://doi.org/10.1002/aur.2046

 

Delineamento de uma tempestade: interfaces biológicas entre o estresse e o Acidente Vascular Encefálico – AVE do tipo hemorrágico

14 março, 2021

Um crescente corpo de evidências demonstra que o estresse psicossocial é um fator de risco importante e muitas vezes é subestimado para doenças cardiovasculares, como o infarto do miocárdio e o AVE.

Abaixo, o mapeamento feito por Kronenberg et. al. (2017) quanto as principais interfaces biológicas entre o estresse e transtornos psiquiátricos relacionados ao AVE, com ênfase especial ao fato de que o estresse e os transtornos psiquiátricos podem ser causa e consequência de doenças cardiovasculares. Ele cita por exemplo:

1) os padrões comportamentais influenciando na etiopatogenia da doença arterial coronariana: impaciência; hostilidade de senso de urgência de tempo e ansiedade; estresse no trabalho, em casa e financeiro; bem como os principais eventos adversos ansiogênicos do ciclo da vida.

2) além desses estressores psicológicos, a depressão clínica é associada a um maior risco de AVE e infarto do miocárdio e exerce forte influência negativa sobre o resultado funcional e na recuperação desses dois eventos citados.  Delineando uma realidade clínica importante que, infelizmente, é frequentemente perdida pelos profissionais de saúde no atendimento ao paciente.

Logo, as sequelas psiquiátricas atreladas a repercussão fisiológica cardiovasculares, como a depressão pós-AVE ou transtorno de estresse pós-traumático são altamente prevalentes e podem, por sua vez, exercer efeitos de longo alcance na recuperação e evolução, qualidade de vida, eventos isquêmicos recorrentes, adesão a medicação e mortalidade e devem ser atendidas no rol de intervenções.

Fonte: Kronenberg, G., Schöner, J., Nolte, C., Heinz, A., Endres, M., Gertz, K., 2017. Charting the perfect storm: emerging biological interfaces between stress and stroke. Eur. Arch. Psychiatry Clin. Neurosci. 267, 487–494. doi:10.1007/s00406-017-0794-x